Negociações com Bolívia sobre senador eram “faz de conta”, diz diplomata brasileiro

O encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz, Eduardo Saboia, que trouxe o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil sem o aval do Itamaraty, disse que as negociações entre os dois países para resolver a situação do político eram um “faz de conta”.

“Tenho os e-mails das pessoas [diplomatas brasileiros] dizendo ‘olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita'”, disse Saboia àFolha, por telefone.

Segundo ele, diante da inação da comissão bilateral que “mal conseguia se reunir”, e de uma “situação limite”, ele decidiu agir sozinho.

“Eu disse [ao Itamaraty]: ‘se tiver uma situação limite, eu vou ter que tomar uma decisão’. E eu tomei porque havia um risco iminente. Ele [o senador] estava com um papo de suicídio”, disse o diplomata. “Era sexta-feira, estava chegando o fim de semana, quando a embaixada sempre fica mais vazia. Aí veio o advogado com o laudo médico me dizer [que ele poderia se matar] e eu disse: vou fazer agora.”

Molina estava asilado há 15 meses na embaixada e não podia sair porque o governo boliviano se recusava em conceder o salvo-conduto. Ele deixou o país com o diplomata e dois fuzileiros na última sexta-feira.

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Folha – O senhor agiu completamente sozinho? O Itamaraty não participou mesmo da sua decisão de trazer o senador?

Eduardo Saboia – O que aconteceu foi o seguinte: eu vinha avisando [o Itamaraty] da situação, que estava em franca deterioração e que a gente tinha que pensar em contingências. Contingência seria levar ele para a residência, para uma clínica na Bolívia, para o Brasil.

Eu vim a Brasília duas vezes para dizer: ‘olha, a situação está ruim, eu estou sob pressão’. Eu era um a espécie de agente penitenciário. Tudo o que acontecia com o senador, eles me ligavam: “pode entrar bebida? O senador está com dor de barriga, pode entrar um médico?” Eu vivia isso há 452 dias. Agora essas coisas se precipitaram e eu não sou médico, nem psiquiatra, mas diante de um risco iminente, uma situação limite, tomei essa decisão.

O plano de retirá-lo de carro já era cogitado pelo Itamaraty para ser aplicado em algum momento?

Veja bem: nós, da embaixada, mandamos muitas comunicações sugerindo várias formas de ação. A única coisa que existia [até agora] era um grupo de trabalho do qual a embaixada não faz parte. Nós éramos apenas informados.

Eu convivia diariamente com uma situação humanitária. É uma coisa que é muito difícil de explicar, mas você imagina ir todo dia para o seu trabalho e você tem uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai. E você que impede ela de receber visitas, a família liga no aniversário a família liga. Aí vem o advogado e diz que se ele se matar é você que é o responsável.

Foi uma situação extrema. Eu estava no campo de batalha, eu estava no fogo cruzado. Eu já tinha inclusive pedido para sair. Falei: “está muita pressão, eu preciso de uma orientação mais clara, eu preciso de um horizonte”.

Qual era a resposta do Itamaraty?

Falavam que era questão de tempo. Daí eu perguntava da comissão, e as pessoas me diziam: “olha, aqui é empurrar com a barriga”.

Ninguém me disse isso por telegrama, eles não são bobos. Mas eu tenho os emails das pessoas, dizendo “olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita”.

Óbvio que isso aí abalava o senador, ele sabia disso, porque isso aí está na cara. A comissão não tinha um prazo para terminar, mal conseguiam se reunir. Era um faz de conta.

Não estavam levando a sério e a embaixada era mantida à margem disso.

Como você viu esse risco de suicídio?

Eu disse [ao Itamaraty]: “olha, nessa coisa humanitária, eu não vou tergiversar. Se tiver uma situação limite, eu vou ter que tomar uma decisão”. E eu tomei essa decisão porque havia um risco iminente. E ele [o senador] estava com um papo de suicídio. Aí podem dizer: “Ah, é uma manipulação”. Pode ser, mas é preciso correr esse risco?

Era sexta-feira, estava chegando o fim de semana, quando a embaixada sempre fica mais vazia. Aí veio o advogado com o laudo médico me dizer [que ele poderia se matar] e eu disse: vou fazer agora. Eu não avisei o Itamaraty por uma questão simples: segurança. Eu não avisei ninguém. E funcionou, deu certo.

Como você acha que vai impactar a sua decisão para o governo brasileiro?

Foi uma decisão que tem uma motivação humanitária, mas, na prática, resolve um problema político. Veja bem: para o Itamaraty, como a Bolívia não daria salvo-conduto e o Brasil disse que queria o salvo-conduto e as garantias, nós estávamos num beco sem saída. Só tendia a piorar. Com um agravante de que estamos chegando perto de períodos eleitorais, a situação se radicaliza [nos dois países], a situação se radicaliza e fica muito mais difícil resolver problemas.

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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