Mulheres ainda buscam espaço na política 90 anos após o voto feminino

A conquista do voto feminino no Brasil completa 90 anos sem que as mulheres tenham conseguido preencher 4% das 10.658 vagas disputadas na Câmara dos Deputados ao longo das últimas 20 eleições. Desde 1932, quando o Código Eleitoral decretado por Getúlio Vargas permitiu que mulheres votassem e fossem votadas, só 414 mandatos femininos foram registrados. No Senado, a sub-representatividade é ainda maior. Até hoje, só 45 vagas foram ocupadas.

As estatísticas são reflexo de um histórico de desigualdades que começou a ser enfrentado relativamente cedo, mas que ainda está longe de ser vencido ou ao menos equilibrado quando se trata de política. Atualmente, apenas 15% das cadeiras da Câmara são ocupadas por mulheres. Isso apesar de a maioria da população brasileira ser feminina, assim como 52,6% do eleitorado.

O domínio numérico não se traduz em mandatos vencidos ou quantidade de candidaturas também para cargos no Executivo – atualmente, apenas uma mulher exerce a função de governadora, a petista Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte. Se Fátima se reunisse para uma foto oficial com os demais governadores, o resultado seria idêntico ao revelado 88 anos atrás, durante a posse da 36ª legislatura na Câmara Federal. Naquela eleição, Carlota de Queirós foi a primeira e única a ser eleita.

Coincidência ou não, o Rio Grande do Norte exerce nesse campo um pioneirismo histórico. Foi lá que se registrou a primeira eleitora do Brasil, assim como a primeira prefeita eleita, em 1928. Mas a luta sufragista começou bem antes, ainda no século 18, e se deve à resiliência de mulheres feministas ainda pouco conhecidas e valorizadas na história política nacional.

O ineditismo de Celina Guimarães, a resiliência de Bertha Lutz e o pioneirismo de Carlota de Queirós e de Alzira Soriano – entre muitas outras mulheres que se tornaram símbolo da luta pelo voto no Brasil –  não foram acompanhados, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, de uma disposição política para fazer com que o voto das mulheres se transformasse em representação feminina.

Se o Brasil teve sua primeira deputada em 1933, a primeira senadora veio 46 anos depois. Só em 1979 é que Eunice Michiles assumiu uma cadeira na Casa. Aos 92 anos, ela se recorda que foi recebida com flores e poesia.

Hoje aposentada da política, ela conta que a adaptação ao ambiente do plenário, que nem sequer tinha banheiro feminino, foi um processo intenso. “Eu me sentia muito apavorada, mas, com o tempo, consegui sentir que estava fazendo o meu caminho e dando o meu recado.” Progressista, Eunice defendia a liberdade religiosa e o direito de a mulher planejar ter ou não filhos.

Para a senadora e única pré-candidata à Presidência da República em 2022, Simone Tebet (MDB-MS), o preconceito contra as mulheres acabou no Senado, mas a luta feminina segue também por lá.

Segundo Simone, essa violência está inconsciente nos colegas. “Eles nem sempre percebem a violência que provocam quando interrompem a mulher numa reunião. Nessa hora, o burburinho aumenta e é preciso que a gente eleve a voz ou às vezes até bata na mesa.”

A cientista política Graziella Testa, da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV, afirma que as pioneiras da política brasileira não conseguiram gerar uma trilha para que outras mulheres também passassem e, segundo diz, em função da concentração de renda.

O curioso, de acordo com Graziella, é que, mesmo com o sufrágio se expandindo (deixa de ser facultativo em 1946), as mulheres vão ficando para trás e isso em função da demora do País em adotar iniciativas de incentivo. “Elas são muito recentes e vergonhosamente tardias”, diz.

Atraso que é estampado em todos os rankings. Um deles, elaborado pela União Interparlamentar (IPU) após as eleições de 2018 e focado em cargos no Legislativo, coloca o Brasil na 133ª posição de uma lista com 193 países. O modelo de cotas para candidaturas e não a reserva de cadeiras – escolha feita por países como Suécia e Espanha – nos deixa na antepenúltima posição na América Latina, quando o tema é participação feminina na política, segundo critérios da ONU Mulheres.

Graziella defende a adoção, no Brasil, da reserva de cadeiras e não apenas a obrigatoriedade de 30% de candidaturas, 30% de recursos para mulheres e voto feminino contabilizado em dobro para cálculo do fundo eleitoral – os três incentivos em vigência.

“E é bom deixar claro que há desenhos possíveis para a adoção da reserva de cadeiras no nosso sistema eleitoral. Não é preciso adotarmos a lista fechada, como fazem outros países. A verdade é que não existe um modelo ideal, mas várias possibilidades, como calcular o quociente eleitoral de outra forma para mulheres.”

Para a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), o avanço registrado nos últimos anos é muito lento, mas pode ser acelerado a partir da regra que dobra o valor do voto feminino no cálculo do fundo eleitoral. Isso, segundo ela, leva os partidos a buscarem, encontrarem, apoiarem e incentivarem mulheres que já são líderes em seus grupos.

 

Fonte: O Estado de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo