Minas Gerais vira ‘refém’ da mineração em relação perigosa

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Unidade da Samarco

Minas Gerais é considerado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) o Estado mais importante para o setor. Ele representa 53% da produção do país e, das cem maiores minas, 40 estão em suas terras. Não resta dúvida de que a economia da unidade federativa está completamente atrelada à atividade, mas, mais do que isso, há também uma dependência histórica e uma crença de que esta é a vocação do Estado.

Essa relação de Minas com a mineração é permeada de sentimentos de apropriação e de medo, e o caso do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, uma das principais cidades produtoras de minério do Estado, mostra isso. O prefeito da cidade, Duarte Júnior (PPS), por diversas vezes disse que, se a Samarco saísse de lá, Mariana pararia. Protestos em defesa da mineração foram feitos para tentar preservar empregos e a economia local.

No entanto, os estragos provocados pelo rompimento da barragem da Samarco superaram toda a degradação ambiental causada pela exploração do ouro nos últimos séculos. O desastre “matou” o rio Doce, trouxe danos à fauna e à flora típicas das regiões por onde a lama de rejeitos passou e gerou prejuízos sociais a mais de 30 cidades às margens do curso d’água, de Minas ao Espírito Santo.

Para o chefe do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Francisco Eduardo de Andrade, a mineração não precisa ser vista como única alternativa para o Estado, mesmo estando em quase metade dos municípios mineiros (cerca de 400). Ele acredita que muito desse discurso é proveniente de interesses políticos e econômicos. “Parece que é como se Minas Gerais só fosse mineração, e não é. Nunca o Estado foi só Minas. Ele tem as Gerais”.

Andrade acredita que investir na agricultura e nas vocações tradicionais de cada região seriam a melhor alternativa à exclusividade minerária. “As pessoas acabam entrando nessa dependência, mas é uma mentalidade construída por um discurso ideológico muito forte, de décadas”. Ainda para o professor, a época da economia aurífera foi menos degradante em termos sociais e ambientais do que hoje, com a extração de minério de ferro. “Não era uma mineração capitalista e antes era muito distribuída no seio da população. Óbvio que também reproduzia pobreza, e a riqueza mineral sempre foi concentradora, mas era menos. Além disso, as ferramentas de antes eram mais rudimentares e dependiam da força humana. Não eram grandes máquinas que transformam toda a paisagem”, compara.

O arqueólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Carlos Magno Guimarães também chama a atenção para o fato de que a percepção do ambiente também era diferente no período do ouro. “O que se sabia naquela época era muito menos. Hoje temos mais consciência, mas, mesmo assim, a apropriação da riqueza produzida no Estado ainda continua concentrada na mão de um grupo muito pequeno. Mudou o processo de exploração, mas a retirada da riqueza continua”. Para quem vive nas cidades com a extração, há a máxima de que a prática traz desenvolvimento, gera empregos e alavanca a economia. Por outro lado, os impactos ao meio ambiente são constantes e, às vezes, negligenciados. Mãe de uma das vítimas da ruptura da barragem de Fundão, Maria Nilza Vieira Albino, 56, afirma que o medo era muito presente. “Meu filho morreu trabalhando em um lugar perigoso daquele. Eu falava para ele sair de lá”. 

Exportação

A balança mineral de Minas Gerais resultou em um saldo de US$ 14.295,7 bilhões no ano passado. Em 2013, esse valor foi de US$ 18.117,8 bilhões. As exportações de bens minerais têm uma representação muito significativa no Estado: 52,8% do total exportado em Minas Gerais em 2014. Metais. Minas respondeu por 47,4% das exportações de minério de ferro e 55,7% de ouro do Brasil no ano passado. Saldo. Mais da metade do saldo do setor mineral brasileiro vem de Minas Gerais. O Estado corresponde a 54% da arrecadação. Imposto. No ano passado, Minas ocupou o 1º lugar em arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Dentre os municípios mineiros, Nova Lima é o que mais arrecada, seguido por Mariana. Itabira. Dos dez maiores municípios mineradores (produção), sete estão em Minas. Itabira é o maior do país.

Empregos

Além de gerar impostos e movimentar a economia mineira, o setor de mineração também é responsável por milhares de empregos. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), atualizado em outubro de 2015, eram 60.698 trabalhadores formais, com carteira assinada, na extração mineral no Estado. Considerado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como uma atividade que envolve risco, a própria OIT tem uma convenção para garantir a segurança dos trabalhadores de minas. Entre as obrigações aos empregadores está a eliminação e controle dos riscos em sua fonte. O último levantamento feito pelo Ministério da Previdência Social, em 2013, contabilizou 1.524 acidentes de trabalho ligados à mineração em Minas Gerais. Também foram constatados 11 óbitos.

US$ 53,6 bi

Mesmo com os impactos evidentes e acidentes recorrentes, grande parcela da população apoia a permanência da mineração no Estado e a justificativa principal é exatamente a dependência financeira. Vítima do rompimento da barragem de rejeitos de Mariana, na região Central do Estado, Andrina Rodrigues, 66, acredita que fechar a mineradora na cidade pode piorar a situação.

“No começo eu ficava louca, mal dormia, agora passou um pouco do susto, mas ainda continuamos atentos à sirene. Deviam ter fiscalizado mais para nada disso acontecer, mas se a Samarco fechar, vai piorar ainda mais (a empresa está sem produzir no município). Não tem jeito, a cidade depende dela”, acredita. Essa é uma realidade do país, mas muito mais forte em Minas Gerais. Os investimentos no setor mineral brasileiro projetados para o período de 2014 a 2018 serão de US$ 53,6 bilhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Somente Minas Gerais receberá o volume de US$ 22,4 bilhões, o equivalente a 41,8% do montante. A atividade está presente em 400 municípios mineiros, mas de acordo com dados de 2012 da Fundação João Pinheiro, apenas 15 deles representam 80% da indústria extrativa do Estado. Entre eles estão Mariana e Ouro Preto.

Os que concentram maior parte do Produto Interno Bruto estadual são Nova Lima (1,49%), Ouro Preto (1,08%) e Itabira (1%). O professor da Ufop Francisco Andrade acredita que há sim uma economia forte em relação ao minério, mas defende que, se há um efeito danoso às práticas econômicas e relações sociais tradicionais, deve-se reavaliar a situação. “A mineração afeta muito os modos de vida tradicionais comunitários dessas povoações, muito antigas, de 300 anos. Ela degrada muito e afeta as relações”

Fonte: O Tempo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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