Mercado eleitoral não é competição moral, mas disputa por corações e mentes – Wilson Gomes

Se a visão da parte de cima da política, o domínio dos políticos, partidos e governos, tem inspirado pesadelos, a vista não tem sido melhor quando se mira, na parte de baixo, os ativistas e cidadãos interessados em política e as representações e mentalidades que compartilham.

Neste momento, por exemplo, há duas linhas de força de baixo para cima com sérias consequências para o que vai acontecer até outubro. De um lado, o sentimento antipolítica, aquela sensação de que a política é simplesmente repugnante. De outro, a pressão de certos segmentos da militância para que os seus candidatos segurem a todo custo todas as suas pautas temáticas.

Ambas, curiosamente, decorrem de uma mesma representação distorcida e irrealista da política democrática.

Uma posição não prospera numa democracia por ser moralmente superior às outras, por advir de algum grupo muito meritório e virtuoso ou por ser a mais verdadeira e honesta. Nem mesmo porque há de produzir o maior bem possível ao maior número de pessoas.

Quer dizer, esses critérios, juntamente com outros, podem influenciar o êxito político de uma posição, mas ela só será bem-sucedida se a maioria dos cidadãos e/ou ou dos representantes eleitos for convencida.

Muitos, contudo, concluirão desse fato que só prospera na política a mentira e que os que já têm poder lutam por interesses próprios e não têm escrúpulos. Forja-se, nessa frustração, a representação de uma espécie de sociedade de impotentes: nada há que se possa fazer para valer e representar alguma coisa politicamente, todos os caminhos estão fechados para gente como nós, só nos resta desprezar a política e as elites que nela podem satisfazer os próprios apetites. Eis a antipolítica.

Dessa ojeriza, decorrem duas atitudes, pelo menos. A primeira é, de algum modo, retirar-se do jogo —ou não jogando de fato nem quando for a nossa vez, como os anuladores de voto, ou punindo o sistema através de bofetadas eleitorais, como as votações em macacos, palhaços ou loucos para dizer aos políticos o quanto os achamos bestiais, circenses e lunáticos.

A segunda é aderir à retórica do “reiniciar o sistema”, que consiste em não reeleger essa classe política desprezível, mas um presidente que não é como os outros ou um líder que irá punir os políticos e depurar a política. Curiosamente, essa é a porta aberta para recrutar políticos ainda piores e para nos tornar insensíveis à corrupção e aos comportamentos antirrepublicanos.

Afinal, se a política é uma atividade de celerados, descobrir que o sujeito que havia sido escalado para acabar com a corrupção é profundamente corrupto não diminui a antipolítica. Antes, a reforça, pois é prova cabal de que nenhum político presta.

A outra atitude é a de quem considera que os candidatos são como os campeões das disputas medievais. Cada casa tem o seu campeão, que a representa e se baterá em seu lugar até o fim da justa.

Isso contrasta com uma campanha política democrática, em que os candidatos não prevalecem pela própria destreza ou força nem pela fé dos que o apoiam, mas por preferências agregadas dos cidadãos. São posições em um sortido mercado de alternativas, em que os clientes decidem a partir de uma variedade de critérios e necessidades.

Os que pensam disputas eleitorais como justas entre cavaleiros consideram uma desonra não se sustentar todo o credo da casa pela qual se luta. Se nós queremos o aborto como política pública, juízes cristãos nas cortes ou que o governo corte 50% dos gastos em todas as atividades não essencialmente estatais, cabe ao candidato assumir explicitamente essas causas.

A democracia tem o inconveniente, contudo, de que o político e a ideia que ele sustenta precisam ser populares. O mercado eleitoral democrático não é uma competição epistêmica ou moral, é uma disputa por corações e mentes.

Claro, se pode sempre exigir que o seu candidato fale tudo, mas apenas quando se é capaz de oferecer como contrapartida votos suficientes para elegê-lo. Caso contrário, será suicídio para o candidato e sepultura para a pauta.

“Garanta-me a eleição e uma maioria parlamentar folgada que lhe darei políticas de matar de inveja suecos e uruguaios” —esse é único contrato realista da esquerda. Na versão da concorrência: “Traga-me os votos que eu lhe darei a Hungria e a Rússia, tudo junto e misturado”. Fora isso, é irrealismo.

Mas e a verdade? Ora, verdades não faltam em sociedades pluralistas, a questão é que elas frequentemente colidem e há sempre desacordos morais permanentes entre partes igualmente legítimas de um país democrático. Por isso há que negociar, fazer compromissos. Não é fraqueza nem maldade, é democracia.

Wilson Gomes é professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de -Crônica de uma Tragédia Anunciada?
Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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