Jornal, qualidade e relevância – Carlos Alberto Di Franco
Internet é, frequentemente, o bode expiatório para justificar a crise do jornalismo. Os jovens estão “plugados” horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é só a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.
O público dos diários, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornalismo de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços – estratégias convenientes e necessárias-, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas.
O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na internet. Ele quer conteúdo relevante: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.
Para sobreviverem, os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o que é relevante. O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada vez mais importante.
Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para isso, a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. Para estes, deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem.
Será que estamos dando respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer parte do nosso exame de consciência diário.
Antes, os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje, não cumprem algumas delas. Não servem mais para nos contar o imediato, o que vimos na TV ou acabamos de acessar na internet. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas. Não há outra saída!
O que se nota é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem: a seleção de notícias, o jornalismo de alta qualidade narrativa e literária.
Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo), uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance, é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça.
É preciso “contar a história de uma forma que nenhum blogueiro faz, algo para ser lido com prazer”. É para isso que o público está disposto pagar. A fortaleza do jornal não é dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de sua credibilidade.
Estamos em uma época em que informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. Assistimos a um processo de superficialização dos jornais.
Queremos ser light, leves, coloridos, enxutos. O risco é investir na forma, mas perder no conteúdo. Olhemos para o sucesso da revista britância The Economist. Algo nos deveria dizer. Não é verdade que o público não goste de ler. O público não lê o que não lhe interessa, o que não tem substância, o que não agrega, não tem qualidade. Um bom texto, para um público que compra a imprensa de qualidade, sempre vai ter interessados.
Daí a premente necessidade de um sólido investimento em treinamento e qualificação dos profissionais. Para mim, o grande desafio do jornalismo é a formação dos jornalistas. O jornalismo não é máquina, tecnologia, embora se trate de suporte importantíssimo.
O valor dele se chama informação de alta qualidade, talento, critério, ética, inovação. Por isso são necessários jornalistas com excelente formação cultural, intelectual e humanística. Gente que leia literatura, seja criativa e motivada.
O conteúdo precisa fugir do previsível. O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Fazemos denúncias (e é importante que as façamos), mas, muitas vezes, faltam consistência, apuração sólida.
O resultado é a pauta superada por um novo escândalo. Fica no leitor a sensação de que não aprofundamos, não conseguimos ir até o fim. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.
Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das idéias e das políticas públicas. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.
Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes.
O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
Só um sério investimento em qualidade, rigor e relevância garantirá o futuro dos jornais. Ninguém resiste a uma boa história, ao texto bem apurado, ao ímã mágico de uma bela reportagem.
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia. E-mail: difranco@iics.org.br
Fonte: Blog do Noblat