Inflação muda hábitos de consumo, adia planos de estudo e aumenta dívidas de brasileiros

Os sinais do longo período de inflação alta, visíveis em uma ida ao supermercado, na contratação de serviços ou em outras atividades cotidianas, reduziram o poder de compra e transformaram a relação do brasileiro com o dinheiro. A escalada de preços vêm provocando mudanças de hábitos, o adiamento de planos e elevando o endividamento da população, revelam duas pesquisas Ipec, realizadas a pedido do GLOBO. Os impactos foram mais severos entre os mais pobres, segundo os levantamentos.

Quatro em cada dez diminuíram a quantidade de alimentos básicos comprados ou deixaram de adquirir determinados itens, enquanto 36% fizeram o mesmo com remédios. Na área da saúde ainda, cerca de metade diz não ter mais plano privado.

Giselle de Souza, ex-vendedora de pano de prato em Brasília, é um bom exemplo. “Já deixei de comprar carne e algumas verduras para conseguir trazer arroz, feijão e óleo”, conta (leia relato na página ao lado).

Em outro efeito, 80% postergaram a compra de bens de maior valor — de carros a eletrodomésticos —, enquanto 60% afirmaram ter adiado planos de começar curso ou estudos. Pior: 32% dizem ter abandonado o curso que já estavam fazendo. Tanto o adiamento como o abandono são decisões que podem acarretar perdas salariais no futuro.

Quase metade contraiu dívida para pagar despesas, o que aparece há meses em distintos levantamentos sobre a saúde financeira das famílias. Em julho, 78% delas estavam endividadas, e 29% com contas atrasadas, de acordo com dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Com a alta, os indicadores atingiram o maior patamar desde 2010, quando começaram a ser medidos.

Na maioria dos casos, os especialmente afetados fazem parte do grupo mais pobre e menos escolarizado. Entre aqueles com renda familiar mensal de até um salário mínimo, 69% afirmaram ter protelado o início dos estudos — na média da população, o índice é nove pontos percentuais menor. Neste mesmo grupo, 60% contraíram dívidas para coibir despesas correntes (48% no geral) e 44% venderam bens para saldar pagamentos em atraso (30% no geral).

Na campanha eleitoral de 2018, inflação era um tema lateral. Uma pesquisa do Ipec naquele ano mostrou que apenas 6% dos brasileiros (o equivalente na época a 10 milhões de pessoas) a consideravam um dos maiores problemas. Em quatro anos, foi a área que deu o maior salto, chegando a 18% (ou 30,6 milhões de pessoas). Hoje fica atrás somente de desemprego, corrupção, saúde e educação na lista de preocupações dos brasileiros.

O país fechou 2017 com uma inflação de 2,95%, de acordo com dados do IBGE. No ano passado, portanto antes da guerra na Ucrânia, os preços saíram do controle. O brasileiro começou a sentir uma carestia de dois dígitos a partir de setembro de 2021 e não parou mais. Este ano, os preços ganharam novo ímpeto após a invasão russa, que afetou o mercado de petróleo e de alguns alimentos.

Mesmo com as recentes medidas para forçar a queda artificial do valor dos combustíveis, o Brasil é o quarto com a maior taxa de inflação dos últimos 12 meses no ranking das 20 maiores economias do mundo. Apesar da desaceleração recente, o IPCA acumulado em 12 meses está em 10,07%.

Em grande parte do mundo, o impacto econômico da pandemia seguiu um roteiro semelhante. Houve elevação nos valores das commodities e desarranjo nas cadeias produtivas e na logística global. Em vários lugares, empresas previram que a demanda cairia e reduziram a produção. Outras tiveram que fechar as portas devido à pandemia.

O aumento repentino da procura por determinados produtos, como computadores, causaram elevação de preços e escassez de chips, com reflexos em diferentes setores — a venda de carros novos na pandemia é um exemplo. Concomitantemente, governos tomaram medidas para estimular a demanda. O resultado disso tudo foi a explosão da inflação.

Este ano, a guerra na Europa complicou ainda mais a situação, com seus efeitos nos preços dos produtos exportados pelos países envolvidos, principalmente petróleo e alimentos.

No Brasil, a dinâmica teve agravantes locais. O trabalho do Banco Central de trazer o IPCA para perto do teto da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional foi dificultado pelo dólar, que se manteve alto devido, entre outras coisas, à instabilidade política quase constante e às incertezas quanto à política fiscal. A cotação da moeda subiu da casa de R$ 4,70 em março de 2020 para patamares próximos a R$ 5,80 ao longo de 2021, encarecendo importações e alimentando a inflação.

— A elevação da inflação é um fenômeno global provocado por consequências da pandemia na economia. No Brasil, essa conjunção de fatores foi potencializada por uma percepção de risco maior. Essa situação afetou o câmbio. Por isso o Brasil teve um efeito inflacionário mais pronunciado e persistente — diz a diretora da área de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências Consultoria Integrada, Alessandra Ribeiro.

Fonte: O Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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