Indústria defende recuperação sem intervencionismo

​Setor que mais perdeu participação na economia nas últimas décadas, a indústria brasileira tem ficado para trás também em relação aos seus pares internacionais.

De acordo com entidades do setor, a reversão desse cenário passa por um novo tipo de estratégia: uma política industrial sem intervencionismo estatal e a solução de questões que também beneficiam os demais setores, como investimentos em digitalização da economia e sustentabilidade do processo produtivo.

As transições para uma economia verde e digitalizada, além da necessidade de rever as cadeias produtivas diante de eventos inesperados como guerras e pandemias, tornam o momento propício para que o país volte a elaborar uma estratégia para o setor. O processo eleitoral de 2022 também é visto como oportunidade para discussão do tema.

O peso da indústria de transformação ou manufatureira na economia brasileira está hoje em 11%, menor patamar de todas as séries históricas disponíveis desde 1947. Sua participação no emprego formal e nas exportações também caiu.

Na comparação internacional, o país responde por uma parcela na produção mundial que é praticamente a metade da verificada há 30 anos. A fatia nas exportações globais também está no menor patamar da série elaborada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria).

Algumas faces desse processo são a saída de multinacionais do país, como montadoras, e o fechamento de companhias brasileiras tradicionais em diversos setores.

A última Pesquisa Anual Industrial do IBGE, divulgada em 2021 com dados para 2019, destaca a indústria automotiva como a que mais encolheu entre 2010 e o último ano antes da pandemia. Esse segmento caiu da 3ª para a 6ª posição no ranking do instituto. Na outra ponta, destaca-se o desempenho positivo na fabricação de produtos alimentícios, que se manteve como o principal segmento em termos de geração de valor.

Os três estados mais afetados pela desindustrialização no período foram Amazonas, onde está a Zona Franca de Manaus, Bahia e São Paulo —os dois últimos perderam posteriormente unidades da Ford no país. Outro exemplo é o setor de couro e calçados, no qual o total de empresas no país caiu de 12,3 mil para 8.000 na última década. ​

Países desenvolvidos e grandes economias emergentes têm adotado uma série de estratégias para a indústria que ganharam força a partir da saída da crise financeira de 2008. Em geral, focadas na digitalização dos processos produtivos.

Na última década, outro pilar se destacou, com a necessidade de adoção de processos produtivos mais sustentáveis. Por fim, a pandemia e a guerra na Ucrânia mostraram a necessidade de diversificar fornecedores e fortalecer indústrias estratégicas.

“As políticas industriais anteriores estavam baseadas no protecionismo, na reserva de mercado para indústrias nascentes. Hoje os ‘drivers’ são essas duas tendências: a digitalização e a necessidade de mudar o processo produtivo para que ele seja mais sustentável”, afirma Samantha Cunha, gerente de Política Industrial da CNI.

“Isso significa ser mais integrado do lado das exportações e das importações. Significa ampliar mercados, acessar tecnologia de ponta e insumos de melhor qualidade, ter maior concorrência que estimule a inovação.”

Para isso, afirma ser necessário um Estado mais indutor do que intervencionista e que seja capaz de resolver questões relacionadas ao Custo Brasil, que beneficiam também outros setores, como a simplificação tributária. “Nem demais, nem a ausência [do Estado].”

Rafael Cagnin, economista do IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), cita um trabalho da Unctad, órgão das Nações Unidas, que lista mais de 115 experiências de grandes estratégias de desenvolvimento que sinalizam o caminho para uma reindustrialização do país.

Um quarto delas está voltado à indústria 4.0. Metade enfatiza a sustentabilidade ambiental. Quase todas contam com investimento público em infraestrutura física e digital, inclusive por meio de bancos de desenvolvimento, e em pesquisa e tecnologia.

Também buscam uma indústria aberta e integrada ao mundo, com atração de investimento externo e privado e algum tipo de cooperação internacional. Por fim, ele destaca a necessidade de reciclagem e qualificação de mão de obra.

“Existe o vício de achar que política industrial é sinônimo de substituição de importação e protecionismo. É uma estratégia datada e já superada”, afirma Cagnin.

“A gente fala em uma forma de a indústria revolucionar a si própria, tornando-se mais digital e sustentável, fazendo dela um veículo de transformação do sistema produtivo como um todo. Quem moderniza o sistema produtivo é a indústria. Uma agricultura moderna é uma agricultura fortemente industrializada.”

Ele afirma que o processo de redução da participação da indústria na economia é natural, assim como foi a redução da agropecuária anteriormente. Mas isso se deu em economias avançadas quando esses países já haviam se tornado ricos em termos de renda per capita e porque eles exportaram linhas de baixa tecnologia para outros países e se concentraram em atividades de maior valor agregado.

Não é o caso do Brasil e diversos países da América Latina que passam por uma desindustrialização precoce.

Cagnin cita ainda o exemplo dos EUA, que estão reconstituindo competências industriais, mas com foco em alta tecnologia, como na produção de semicondutores mais avançados. E também a Europa, que busca recuperar a segurança energética em bases mais limpas, via cadeia do hidrogênio.

O Estado brasileiro está atrasado nessa discussão, mas o país possui muitas empresas que estão se movendo.

“A gente precisa criar condições para que esses exemplos de empresas na fronteira tecnológica se multipliquem e que isso se transfira para o tecido industrial como um todo, empresas de menor porte, do interior do país e aquelas que não estão inseridas no mercado internacional”, afirma Cagnin.

Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV e colunista da Folha, afirma que o Brasil possui experiências positivas de incentivos a setores, como a criação da Embraer, posteriormente privatizada, e a atuação da Embrapa na modernização da agropecuária. E também políticas frustradas, como os estímulos à indústria naval e outros programas muito dependentes de recursos públicos criados nas gestões Lula e Dilma.

“A gente passou um período em que as políticas eram muito caras e não eram bem desenhadas. Precisamos olhar o que deu e o que não deu certo, extrair lições de forma que possamos orientar a política pública e minimizar o tempo perdido”, afirma.

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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