‘Há uma esquerda que reclama, mas, ao mesmo tempo, não quer mudar tanto assim’, diz Marcos Uchôa

Foram duas as vezes em que os ventos da política quase definiram o rumo de Marcos Uchôa. Na primeira delas, em 1975, o então jovem de 17 anos estava em uma fila, prestes a se inscrever no vestibular, quando ouviu um sujeito recomendar o curso de ciências sociais. Sem outras opções na manga e, àquela altura, um entusiasta da tentativa de reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE), acatou a sugestão. “Era a volta da política, achei interessante”, conta.

Com cabelos longos que se estendiam para além da linha dos ombros e uma rotina preenchida por partidas de futebol na praia, o carioca destoava de seus colegas de classe —em sua maioria, mais velhos e já empregados. Mas seriam outros os motivos que o fariam desistir da graduação. “A gota d’água foi quando, em uma reunião de estudantes, estavam debatendo se apoiariam ou não a China. Achei de uma pretensão, de um ridículo. Não deu pra mim.”

A segunda vez ocorreu neste ano, quando se filiou ao PSB e se lançou candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro aos 64 anos. Defendendo bandeiras como a urgência de dar comida aos que passam fome, a criação de uma renda mínima e a ampliação do ensino público integral, nas últimas semanas ele percorreu cidades do estado como Volta Redonda, Rio Bonito, Macaé e Cabo Frio.

No dia 30 de agosto, porém, o que parecia ser o início da aventura do jornalista que trocou as telinhas pela política após 34 anos de TV Globo chegou ao fim. Afirmando não ter recebido do presidente do PSB no Rio de Janeiro, Alessandro Molon, as verbas que lhe cabiam para investir em sua campanha, Uchôa renunciou ao pleito.

“Desde maio que estou perguntando para o Molon [quanto receberia]. Não para saber o número certo, mas a ordem de grandeza para me planejar. Passou maio, passou junho, passou julho. No domingo, dia 28 de agosto, não só não tinha o dinheiro, mas faltava informação [de quando receberia]. Constatei que era tarde demais”, afirma à coluna. “Era como se quisessem que eu jogasse os 15 minutos finais do jogo.”

A ideia de entrar para a política começou a amadurecer em novembro do ano passado, pouco depois de deixar a maior emissora do país, durante uma festa reservada na capital fluminense. O ex-comentarista Arnaldo Cezar Coelho era o anfitrião, e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (PSDB-RJ), um dos convidados.

Após o convescote, surgiu uma oportunidade para que o jornalista se encontrasse com Maia em um hotel, onde o parlamentar estava hospedado. A ideia de Uchôa era saber o que o veterano pensava de seu ensaio para a entrada na política institucional. “O Rodrigo Maia é filho de exilado político, né? Ele nasceu no Chile, na verdade. A gente tinha um pouco dessa coisa em comum, filhos de exilados. E o Cesar Maia [pai de Rodrigo] lá atrás foi do PDT junto com o meu pai [professor exilado em 1964]. Mas o Rodrigo Maia foi politicamente mais para a direita, e eu fui mais para a esquerda”, diz.

No mesmo dia em que foi estimulado por Maia a seguir com seus planos e chegou a ser convidado para fazer parte do projeto de ampliação do PSDB no Rio de Janeiro, Marcos Uchôa se dirigiu à casa do deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), hoje candidato a governador do Rio, para ter um segundo parecer. Mais uma vez, recebeu apoio.

“Eu não queria sair da TV Globo para ir para o PT ou para o PSOL, porque acho que estaria fechando portas para um diálogo que queria ter. Iam falar: ‘Ah, é petista, não quero falar com você’. E eu, justamente, acreditava que tinha a capacidade de poder falar com todo mundo. [Naquele dia] achei que o que o Freixo estava falando tinha sentido para mim. E eu achava que ele tinha chance [de se eleger] ali no PSB. A coisa se decidiu muito facilmente.”

Mas o martelo só foi batido mesmo em casa, após muitas conversas com sua esposa, Tereza. Com ela, está casado desde os 22 anos e tem três filhos, Conrado, Lara e Gustavo. “Não tomo nenhuma decisão dessas sem ser com a Tereza junto. Ela tem 51% das ações”, afirma, rindo.

Questionado sobre quais foram as suas motivações para pensar em disputar a Câmara, o jornalista diz que a primeira delas era usar a sua voz e a sua credibilidade para alertar a sociedade de que mais quatro anos de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência seria ruim. Em segundo lugar, falar ao Rio de Janeiro que, após sucessivas gestões de governadores presos e cassados, o estado poderia ser comandado por alguém como Freixo. Ser eleito, de fato, era a terceira e a última de suas prioridades.

De acordo com o raciocínio de Uchôa, ter transitado entre pessoas de direita, de centro e de esquerda e ser alguém que gosta de dialogar seriam atributos desejáveis em um “momento pós-Bolsonaro”, em que todos devem procurar “conversar com o outro lado em vez de se xingar”. “Não sou nenhum Felipe Neto ou um cara do Flow [Podcast], mas tenho certo peso. Tem pessoas que gostam do meu trabalho.”

“Mas, de certa maneira, gastei um pouco do meu patrimônio, né? [risos] Porque eu perdi pessoas que gostavam de mim como repórter e agora se incomodaram com os meus posicionamentos. Mas eu sabia que isso ia acontecer, e achava que o preço a se pagar valia para ajudar a tirar o Bolsonaro [do poder].”

Embora não tenha sido a política o motivo de seu pedido de demissão da rede Globo, uma coisa sucedeu a outra de maneira quase imediata, diz. “Cheguei a pensar em uma ONG, mas não tem ONG maior que a política”, afirma sobre os planos que traçou.

Antes de entrar de cabeça no universo das campanhas, Marcos Uchôa nem sequer tinha redes sociais. Consigo, carregava as credenciais de correspondente internacional que atuou nas coberturas mais emblemáticas das últimas décadas. No seu currículo há guerras como a do Iraque, terremotos como o do Paquistão, tsunamis como o de Fukushima, múltiplas edições do Fórum Econômico Mundial, dez Olimpíadas, oito Copas do Mundo e estadias de longa duração em cidades como Nova York, Londres e Paris.

Fonte: Folha de São Paulo – Coluna de Monica Bergamo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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