Governo federal ignora inflação e repassa menos de R$ 1 para alimentação de aluno

Imagine o que se consegue colocar em um prato de comida com apenas R$ 0,53, especialmente considerando a alta de preços dos alimentos nos últimos meses. Pois é esse o valor do repasse do governo federal para a alimentação de cada aluno da pré-escola, justamente o que está na primeira infância, fase crucial do desenvolvimento.

Para os que estão no ensino fundamental e no médio, o valor é ainda mais baixo, R$ 0,36 por estudante. A verba per capita só ultrapassa R$ 1 para os horários escolares estendidos. Nas creches é R$ 1,07; no ensino integral, varia entre R$ 1,07 e R$ 2.

Esses são os valores do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), que beneficia 40 milhões de matriculados em instituições públicas de ensino no Brasil. Com o aumento da fome no país, cresce o número de crianças e jovens que têm no prato de comida servido nas escolas a sua única refeição do dia.

Diante disso, uma rede de instituições redigiu uma carta aos candidatos das próximas eleições com um apelo para que se comprometam com o reajuste do repasse para a alimentação escolar.

O documento alerta para o fato de que o valor do Pnae não teve reajuste significativo desde 2010. Além disso, houve redução de 20% em valores reais no orçamento do programa entre 2014 e 2019. Neste ano, considerado estratégico diante da perda nutricional dos dois anos de fechamento escolar da pandemia, o orçamento sofreu redução para R$ 3,96 bilhões —em 2021, foram R$ 4,06 bilhões.

A carta ressalta que, enquanto o valor para a compra de alimentação nas escolas cai, a inflação dispara, especialmente a de alimentos. Cita, por exemplo, a alta de 84% no preço do óleo de soja, de 39,7% no do arroz e de 34,4% no da carne, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado entre julho de 2020 e julho de 2021.

O documento propõe que o orçamento do programa mais do que dobre, atingindo cerca de R$ 8 bilhões, e que se estabeleça, em lei, uma atualização anual do valor atrelada ao IPCA de bebidas e alimentos —atualmente não há regra para a correção.

A melhora nutricional da alimentação escolar torna-se ainda mais urgente diante do aumento da fome no Brasil. Novas pesquisas dão a dimensão do tamanho da tragédia, como a divulgada nesta quarta-feira (8) pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Atualmente, 33 milhões de pessoas passam fome no país, de acordo com o levantamento.

Além disso, 6 a cada 10 brasileiros, ou seja, 125,2 milhões de pessoas, convivem com algum grau de insegurança alimentar.

O estudo ressalta a importância do programa de alimentação escolar nesse contexto, e há um dado específico que chama a atenção para a vulnerabilidade das crianças: o número de domicílios com menores de 10 anos em insegurança alimentar grave dobrou do final de 2020 para o início de 2022, indo de 9,4% para 18,1%.

O Pnae, de acordo com a lei que o criou, em 2009, “tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento” dos estudantes, assim como para “a aprendizagem e o rendimento escolar”, por meio de ações de educação alimentar e da “oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o ano letivo”.

De acordo com o site do Ministério da Educação, o programa tem caráter suplementar ao investimento de estados e municípios na alimentação escolar. No entanto, alunos de cidades mais pobres muitas vezes contam somente com os centavos do repasse do governo federal para se alimentar.

“O que observamos é uma realidade muito díspar. Municípios com alta arrecadação chegam a destinar até cinco vezes mais do que é transferido pelo governo federal, enquanto os mais pobres, onde estão as crianças e os adolescentes em situação de maior vulnerabilidade alimentar, não conseguem aportar recursos adicionais para a compra de alimentos”, afirma à Folha Mariana Santarelli, coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar e assessora de políticas públicas da FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, que lideram a iniciativa da carta aos candidatos.

“O resultado disso é o reforço das desigualdades no acesso à alimentação. No semiárido brasileiro, por exemplo, essa é uma realidade, uma vez em que há grande dependência dos municípios em relação à transferência de recursos federais, e o Pnae é o único repasse para a compra de alimentos nas escolas públicas”, explica Santarelli.

 

 

Fonte: Folha de São Paulo

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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