Geração pós-Real encara a inflação

Os mais velhos sabem. Um dragão verde e violento, que cospe fogo e tudo incinera, reinou absoluto como símbolo de um dos piores males que assolou a economia nacional: a inflação. Em 1994, quando o Plano Real triunfou feito um São Jorge, o bicho sucumbiu. De lá para cá, desapareceu do imaginário popular. Pergunte a um jovem que cresceu na estabilidade que animal representa a inflação. A não ser que ele seja leitor de crônicas da economia do século passado, não vai saber. A inflação para essa geração não é um dragão. É, no máximo, uma lagartixa feiosa.

No ano em que completa a sua maioridade, 21 anos, a estabilidade já não está tão estável quanto antes. Nos 12 meses encerrados em julho, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 9,56%. O Estado conversou com jovens na faixa de 20 anos para saber como eles veem, pela primeira vez na vida, a inflação se aproximar dos dois dígitos. 

A maioria tem dificuldade até para definir o que é inflação: “alta de preços por causa da crise; aumento de impostos”, foram algumas tentativas de definição. Mas isso não significa que esteja alheia à perda de valor de compra da moeda. Ao contrário. A nova geração tem senso aguçado de quanto vale o real. 

Câmbio. Evandro Silva lamenta os efeito da alta do dólar
Câmbio. Evandro Silva lamenta os efeito da alta do dólar

Evandro Eliziario da Silva, 19 anos, que vive com a família na zona leste da capital paulista, se baseia no pão e no leite para medir a inflação. “Quando eu era criança, meu avô me dava duas, três moedas de 50 centavos para eu comprar pão e leite. Não se compra nada com moedas hoje.” O que mais lhe incomoda é o efeito da alta do dólar, que prejudica o seu passatempo favorito, andar de skate. Sempre que pode, sai do trabalho no Tatuapé, pega o metrô para o centro e vai fazer manobras na Praça Roosevelt. “As camisetas mais legais da DGK (marca descolada criada por um skatista americano) custam pelo menos uns US$ 50: isso hoje dá mais de R$ 150 e acho que é um tipo de inflação, não?” 

Algo que causa estranhamento aos jovens é ver que preços podem subir de maneira acelerada e generalizada – e não pontual e lentamente, como parecia a lógica. Barbara Castellari Peixoto, de 20 anos, se mudou de Barueri para a capital paulista, onde cursa Direito na Universidade Mackenzie. Ganhou um carro dos pais. Ocorre que, pouco antes da compra, o preço do veículo subiu, algo que lhe pareceu inimaginável. Também estranhou o aumento das passagens aéreas, das roupas, de tudo, enfim, ao mesmo tempo. “Havia uma estabilidade maior, agora está tudo subindo. Eu nunca senti antes o que estou sentindo agora”, diz. Ela até pediu aumento de mesada. “Mas acho que meu pai não vai dar.” 

Os pais, aliás, que viveram a hiperinflação, têm apresentado as melhores lições de como se defender dos reajustes. Tatiane Donesi, de 21 anos, trabalha como vendedora para bancar o curso de Radiologia na Faculdade das Américas (FAM). Nos últimos anos, a vida dela, da irmã e da mãe engrenou. Compraram celular, trocaram os móveis, a geladeira. De um ano para cá, a situação virou. “A gente até precisa de um fogão novo, mas não vai dar. Ficou tudo mais caro. A maior loucura é a conta de luz.” Para fazer o dinheiro render, ela conta que a mãe mudou o jeito de ir às compras. “Agora, procuramos promoções em grande mercados e fazemos compras maiores”, diz Tatiane, que tem passado a lição aos amigos. “Eu falo para todo mundo: não dá para comprar de picadinho, gasta mais.” 

Lista de compras. Para economizar, Kally trocou produtos
Lista de compras. Para economizar, Kally trocou produtos

Outras prioridades. Mesmo com os recentes dissabores financeiros, a alta dos preços não é a maior preocupação da moçada. Antes da inflação, estão a instabilidade política, a corrupção, as deficiências na educação e na saúde. A vendedora Kally Ferreira, 19 anos, percebeu que seu R$ 1,1 mil já não rende como antes. “Quando eu era criança, me sentia rica com R$ 1 porque podia comprar dois sonhos e uma coca-cola pequena. Agora, para economizar, troquei o arroz parboilizado, que gosto, pelo normal”, diz ela. “Mas na lista de coisas que mais me incomodam, antes dos preços, estão a política, a falta de ética e a falta de educação. No metrô as pessoas não se levantam nem para dar lugar a uma senhora.”

Fonte: O Estado de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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