Entre a tristeza e a vergonha – Iraci Gama Santa Luzia

 Às vezes, os sentimentos confundem a percepção da realidade dos fatos, especialmente quando a situação é muito grave e provoca reações inesperadas, ou, pelo menos, indesejadas. Neste caso, foi uma vergonha grande, tão grande, que me tomou de susto e quase me asfixia. A minha cabeça ficou pesada, os meus ouvidos se recusavam a traduzir as palavras que ecoavam por todo o auditório, entrando, com força de verdade, pelos ouvidos das demais pessoas presentes, com seus significados de condenação para uma comunidade que não se esforçou, diante da possibilidade de sediar o evento de cultura mais importante do Estado da Bahia, e, pelo seu valor, dentro do conjunto de ações do Ministério da Cultura, um dos mais importantes do país. Naquele espaço, naquela hora, eu representava a comunidade condenada, pela condição que assumo de Presidente do Conselho Municipal de Cultura, Esporte e Lazer, numa eleição que envolveu a sociedade civil e o poder público. O meu coração, por isso, batia muito forte, parecia descompassado dentro do peito. Os colegas, à minha volta, gritavam para eu interromper o orador e discordar das suas afirmações. Mas eu não tive coragem de fazê-lo. O meu controle sobre mim mesma, pela força do exercício profissional de cinquenta anos, lidando com educação, me impediram de ficar de pé, para contestar o que acabava de ser proferido, apesar de a palavra do Secretário ser um libelo condenatório sobre a minha cabeça. Sim, ao som daquela trombeta que alardeava a indisposição, o desinteresse, o descaso da minha cidade para com a 5ª Conferência Estadual de Cultura, eu me sentia uma verdadeira ré. A cadeira do auditório era acolchoada, mas, sob o peso daquela afirmação letal, ela se transformava em cama de faquir, de onde os pregos saíam para alfinetar todo o meu corpo trêmulo de vergonha e de tristeza.

O orador continuava falando. Respondia a outras perguntas e a alguns questionamentos de uma plateia angustiada, por diferentes razões, incluindo pontos da própria conferência, como hospedagem, que era, àquela altura, o assunto mais crítico e que fez muitos delegados retornarem a suas cidades, naquele mesmo dia. Terminado aquele primeiro momento de comunicação, foi aberto espaço para a fala dos presentes e, obviamente, me inscrevi. Aguardei de pé, ansiosamente, a minha hora de falar, porque era preciso esclarecer para todos o que realmente aconteceu. A pessoa que indagou ao Secretário: “Por que a Conferência não aconteceu em Alagoinhas?” não era conhecida nossa, nem sabemos se era do Território, mas merecia uma explicação. Ele e todos os outros. E a demos, pontuando a caminhada do Conselho de Cultura com a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer desde segunda-feira, 19 de agosto, quando apresentamos à SECULT, a “Varanda Cultural” – uma proposta de participação dos artistas de Alagoinhas na 5ª Conferência e aí soubemos, pelo funcionário da Secretaria que nos recebeu no Palácio Rio Branco que o evento seria em Feira de Santana. Buscamos a razão para essa mudança. Contingenciamento de despesas – disse ele. A reforma do Centro de Cultura de Alagoinhas não se concluiria a tempo de sediar o evento e eles queriam usar o espaço da SECULT. Por isso, Feira de Santana era a opção, porque o Centro de Cultura está em perfeitas condições. Dissemos lá que nossa cidade possui outros espaços adequados para a Conferência e nós os buscaríamos, para trazer este evento de volta para Alagoinhas, enquanto o Secretário André Barros garantia apoio da Prefeitura. Deixamos claro que não nos conformaríamos com essa perda.  E fomos à luta.

De lá do Palácio Rio Branco ligamos para o Departamento de Educação da UNEB, em Alagoinhas e falamos com o professor Ubiratan Menezes que logo se comunicou com a Diretora do Departamento de Ciências Exatas e da Terra – professora Vera Vale, marcando encontro conosco para o outro dia, dez horas da manhã. Saímos da UNEB na terça-feira, 20 de agosto, com o documento assinado pelos Diretores, autorizando a utilização do espaço externo, das salas de aula, laboratórios, etc. Produzimos um oficio de encaminhamento dessa informação ao Secretário Albino Rubin, ao qual anexamos algumas fotos do Campus, para melhor conhecimento da área a ser utilizada. E, na quarta feira, 21 de agosto, já estávamos de volta ao Palácio Rio Branco, com todo esse material que entregamos à mesma pessoa que nos recebeu na segunda-feira. Aguardamos a resposta da SECULT que só chegou por telefone, uma semana depois, dizendo da necessidade de reunir com o pessoal da UNEB, em Alagoinhas e nós procuramos os Diretores e marcamos o encontro para o dia seguinte, onde estavam os Diretores dos dois Departamentos, a Prefeita do Campus e os Coordenadores do Programa Pós-Crítica – Mestrado em Crítica Cultural. Foi uma manhã inteira, mostrando tudo e discutindo as possibilidades de contribuição que, aliás, já estavam no oficio de 20 de agosto. E à tarde, o contato com o Secretário de Cultura – André Luiz Nunes Barros – garantiu um outro elenco de necessidades para o evento: palco, iluminação, sons, cadeiras, toldos para praça de alimentação, transporte, etc. Ao sair de Alagoinhas, o grupo liderado pela Sra. Taiane Fernandes demonstrava satisfação com tudo que viu e ouviu, e garantia mandar esses dados num Termo de Cooperação, o que foi feito e enviado por e-mail, para o Secretário uma semana depois. Este o imprimiu no dia 05 de setembro e fez contatos para pegar assinaturas. Eram muitas pessoas para contatar e nós vivíamos um período de atribulações, discutindo a Resolução 4.131/13 da ANTT do Ministério dos Transportes, que autorizava a desativação da nossa ferrovia e a implantação de outra, em Feira de Santana, para fazer o mesmo percurso. Foi numa Audiência Pública da Câmara de Vereadores, no dia 20 de agosto, que abordamos também a questão da Conferência e obtivemos apoio dos edis, dos deputados e da comunidade em geral. Estivemos em audiência com o Governador Jacques Wagner, no dia 06 de setembro, e em Audiência Pública na Assembleia Legislativa, no dia 10 de setembro, por causa da questão da ferrovia, mas não descuidamos da Conferência.

Na sexta-feira, 13 de setembro, o Secretário Municipal me comunicou que recebeu, no dia anterior, um telefonema, cobrando as assinaturas e ele passou as da Prefeitura e me pedia as da UNEB que fui buscar no Campus, imediatamente, onde encontrei os Diretores, em diferentes reuniões e marcamos entrega do documento para o período da tarde. Mas, nessa mesma tarde a Sra. Taiane Fernandes telefonou ao Secretário André dizendo que a Conferência não seria em Alagoinhas e não adiantava reclamar que era decisão do Governo, mas não disse onde seria. Entendemos que o recado era para não “espernear”, mas nós “esperneamos”. Fizemos um documento ao Governador, pedindo que intercedesse por Alagoinhas e região. Levamos cópia desse documento, com seu protocolo de entrega, aos Deputados do Território 18: Aderbal Caldas, Joseildo Ramos e Paulo Azi, pedindo também a ajuda deles. Isso na segunda-feira, dia 16, à tarde. Andamos entre a Governadoria e os Gabinetes da Assembleia Legislativa e levamos a última via para a SECULT, de onde já saímos à noite. O Deputado Aderbal Caldas colocou seu Gabinete para tentar uma audiência com o Secretário Estadual e, por volta das 19 horas, telefonou para nosso Secretário de Cultura dizendo que o professor Albino Rubin estaria na Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa, no dia seguinte e nos convidou para esse momento que ele nos colocaria em contato com o Secretário. Aceitamos o convite e na terça-feira às onze horas, estávamos lá, quando o Secretário falou sobre as Políticas de Cultura para a Bahia, destacou as conferências como espaço de decisão e explicou que em 2013, ela seria realizada em Alagoinhas, mas como Alagoinhas demorou para dar resposta, ele teve que buscar outro espaço e encontrou um apropriado em Camaçari – a Cidade do Saber. Naquele momento, eu, Aderbal e André nos entreolhamos, surpresos. Após esta fala, todos os deputados se pronunciaram e Aderbal Caldas o parabenizou, pelo trabalho exposto e, representando nosso Território, pediu que ele reconsiderasse a posição quanto a Alagoinhas, que estava pronta para receber a Conferência e, por isso, ele (Aderbal) trouxera a Presidente do Conselho e o Secretário de Cultura que estavam ali para falar com o Palestrante sobre esse assunto. A palavra voltou ao Secretário Albino Rubin que comentou todas as falas e respondendo a Aderbal Caldas confirmou o problema do contingenciamento do Estado e que Alagoinhas demorou quinze dias para responder.

O Presidente da Comissão franqueou novamente a palavra e nós, então, a pedimos e discordamos do Secretário, expondo todos os passos que caminhamos, desde o dia 19 de agosto, quando fomos à SECULT, pela primeira vez, até a tarde de 16 de setembro na Governadoria e naquela manhã, dia 17, na Assembleia Legislativa, sempre envidando esforços para que a Conferência fosse em Alagoinhas. Dissemos também que reconhecíamos as melhores condições oferecidas por Camaçari, em face de possuir a infraestrutura, devidamente instalada, embora tivéssemos oferecido todas as condições necessárias para que o evento acontecesse na nossa terra. E na fala conclusiva da sessão, o Secretário confirmou a explicação do contingenciamento do Estado, lembrando que: 1) a divulgação da Conferência foi feita com o nome de Alagoinhas, no ônibus que viajou por todos os Territórios; e 2) a redução do tempo de realização da Conferência que passou de quatro dias para dois. Agradeceu a Alagoinhas pelo esforço, pediu desculpas por ter de transferir a Conferência para outra cidade e prometeu trazer um grande evento para o nosso município, em 2014, sem ser “prêmio de consolação”. O Secretário André Barros pediu, então, que em 2015, Alagoinhas esteja na “cabeça”. Saímos dali conformados com a situação, entendendo que os problemas internos da SECULT eram mesmo graves e que “lutamos até o fim”, como disse o Deputado Aderbal Caldas.Voltamos para Alagoinhas, achando que deveríamos explicar o ocorrido  à comunidade e ficamos aguardando que a SECULT nos informasse, oficialmente, a decisão de mudança, o que até hoje não aconteceu, tanto que pedimos essa informação, por telefone, insistentemente, sem resultado, razão por que preparamos o oficio n° 131/13 para fazê-lo formalmente.

Chegou a véspera da Conferência e a decisão nossa foi participar como ouvinte, acompanhando dois membros do nosso Conselho que eram Delegados. E chegamos a Camaçari, de peito aberto, para participar. Principalmente, queríamos ouvir mais sobre Sistema de Cultura, para fortalecer o processo de Alagoinhas, que está em andamento, já aprovado na Câmara de Vereadores e caminhando para a organização do Plano Decenal que terá o apoio do Mestrado em Crítica Cultural da UNEB/Alagoinhas. Entramos animados em Camaçari e nos admiramos com a Cidade do Saber – um espaço mesmo muito especial. Entramos com ânimo maior ainda, no auditório, para aprender, interagir, contribuir, participar. Ouvimos a palavra de todos – da Mesa e dos Delegados. A plateia em clima de tensão se posicionava com perguntas, palavras de ordem, observações sobre hospedagem, descontentamento com a empresa “Pau Viola”, etc. E já no princípio da tarde, veio a hora da fala do Secretário Albino Rubin para responder a todos, incluindo a pergunta: “Por que a Conferência não aconteceu em Alagoinhas?”, “Porque demorou de responder” – disse ele. A universidade se prontificou com o espaço físico, mas nós precisávamos de definições – concluiu.

Resposta curta e taxativa. Palavras esmagadoras e provocativas, principalmente, depois de tudo que aconteceu no processo e que explicamos aqui. Depois do nosso encontro na Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa, em que o Secretário falou do contingenciamento e pediu desculpas a Alagoinhas, prometendo um grande evento para 2014, sem “prêmio de consolação”, não podíamos esperar a resposta que saía de sua boca, agora, diante de toda a Bahia Cultural. Não dava para acreditar no que víamos e ouvíamos. Por isso, a nossa fala, dentro do auditório da “Cidade do Saber”, foi carregada de tanta emoção. Não podíamos contar toda a trajetória como fizemos nesse texto, porque o tempo era de três minutos, para cada um, mas selecionamos elementos, em ordem cronológica, para demonstrar que nós é que buscamos a SECULT e as providências todas, em tempo hábil. E finalizei a minha fala pedindo ao Secretário que pensasse no peso da responsabilidade que colocava nos ombros de Alagoinhas e que esperava a reconsideração dos fatos nas suas observações finais, porque ele sabia de tudo e do nosso esforço para que a Conferência ficasse no nosso Território. Os trabalhos da manhã foram suspensos às treze horas e quarenta minutos porque o Governador estaria na sessão das quatorze horas, e o Secretário prometeu responder a todos os questionamentos, após o intervalo.

E ficamos a refletir e indagar por qual motivo o Secretário mudou de ponto de vista. Diante dos deputados, na Assembleia Legislativa, um pedido de desculpas para Alagoinhas, o reconhecimento pelo nosso esforço. Diante da comunidade cultural da Bahia, a condenação explícita para a nossa cidade, sem rodeios, sem meias palavras. Duas versões para uma mesma história em tão curto espaço de tempo. O que motivou essa diferença, senhor Secretário? Como o senhor teve coragem de colocar Alagoinhas na berlinda, perante toda a representação da cultura no Estado da Bahia, sabendo que nós é que apresentamos à SECULT as condições indispensáveis quanto ao espaço físico e equipamentos (por parte da UNEB e da Prefeitura Municipal) pela experiência acumulada de atividades culturais coletivas, desde 1978, realizadas com o apoio e participação do próprio Governo do Estado (Fundação Cultural e Secretaria de Cultura) e pelo reconhecimento da importância de um evento de tal magnitude para o Território 18, o que compensaria todo o esforço que fizemos para sediar a Conferência.

E pensar que passei grande parte da minha vida, brigando com os governos que não respeitavam os sindicalistas, os trabalhadores, os opositores, que não valorizavam a cultura, a educação, o meio ambiente… E aí sonhava com a esquerda no poder. Sonhava e batalhava… E a esquerda chegou ao poder. A esquerda está no poder… com a minha colaboração. E o professor Albino é a própria imagem do PT, por suas convicções, e por isso, também o respeito que sempre tivemos por esse homem. Secretário, o seu comportamento, para com Alagoinhas, foi decepcionante. Ficou entre a crueldade e a deselegância. Um capítulo com esse conteúdo, não cabia no livro de memórias do movimento cultural de nossa terra, assim como esse episódio não cabia no currículo do nosso Professor/Secretário Estadual de Cultura da Bahia. A Conferência acabou para mim, naquela hora. Saí do auditório, cambaleante, cheia de tristeza, morta de vergonha!

 

Alagoinhas, 17 de outubro de 2013

Iraci Gama Santa Luzia

 

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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