Eleitores dizem que Marina deve reduzir ‘marinês’, falar para o povão e fazer alianças

 

Uma das famas atribuídas a Marina Silva é a de que ela é que nem Copa: só tem de quatro em quatro anos.

O discurso recorrente de que a presidenciável da Rede se posiciona menos do que deveria e só aparece na temporada eleitoral enerva sete de seus eleitores, convidados a vir na Redação da Folha na quinta-feira (17) para contar por que votam nela. 

“Vejo como uma narrativa, como fake news, isso de ela estar sumida”, afirma o jornalista Leonardo Milano, 22.

Marina fala manso e não há problema algum nisso, dizem eles. “Tem muito de machismo” em achar que ela precisa falar grosso para ficar em evidência, vide “aquela terrível frase do Ciro Gomes”, diz a socióloga Gisele Agnelli, 39.

Refere-se a quando o pré-candidato do PDT disse que à adversária faltava “apetite” para concorrer, e “o momento é muito de testosterona”. “Marina tem mais bolas do que Ciro, que fala alto e irrita”, afirma Gisele.

Ela tem também a cara do povo, afirma o professor da Fundação Getulio Vargas Marcos Fernandes, 54. Nascida Maria Osmarina Silva no Seringal Bagaço, zona rural de Rio Branco (AC), ela declarou em 2010 que gostaria de ser “a primeira mulher negra de origem pobre a governar o país”.

Já trabalhou como seringueira e doméstica, sobreviveu a malária e hepatite. “É muito mais popular em sua história do que o próprio Lula, que vem da elite do operariado”, diz Marcos.

Para os eleitores, a ruptura de Marina com Lula, de quem foi ministra do Meio Ambiente, nunca foi perdoada pelo PT, ao qual ela foi filiada por 24 anos. “É como sair do Terceiro Comando e ir para o ADA”, brinca o desempregado João Paulo Tavares, 33, citando facções criminosas do Rio —a segunda uma dissidente da primeira.

Já no grupo há divergências sobre o “marinês”, o modo peculiar como ela se expressa —um discurso “lindo” para uns e prolixo demais para outros. 

“Acho que ela se expressa de uma forma, não sei dizer… Mais complicada de entender”, diz a auxiliar de cozinha Debora de Carvalho, 33, evangélica como sua candidata. “Muitas mulheres se identificam com ela, pelo fato de ser uma pessoa humilde.” 

Outra divergência: seu apoio a Aécio Neves (PSDB) para o Planalto no segundo turno de 2014, após apanhar do PT na primeira fase. Sua ex-sigla insistia que ela era aliada de banqueiros.

Em alguns pontos todos estão de acordo: ela é ficha limpa num momento em que político fora da Lava Jato virou espécie em extinção e é “a primeira terceira via viável” após anos “de monopólio PT-PSDB”, resume o universitário Bernard Ferreira, 21. 

“As pessoas tentam ridicularizar seu discurso, como se não fosse possível trazer uma palavra nova”, afirma Leonardo. “Querem o outsider, alguém que não viva da política. Ao mesmo tempo, veem quem não está neste mundo e dizem: ‘Pô, tá sumida’. Cara, não faz o menor sentido.”

ALIANÇAS 

Os eleitores de Marina não veem por que enjaulá-la num campo ideológico. Leonardo se diz “cansado de ouvir da direita que ela é esquerdista”, e vice-versa. “É uma questão tão irrelevante. São os estudantes da USP que querem saber isso, a população não está nem aí.”

A presidenciável não pode se dar ao luxo de dispensar alianças, reconhece a turma. Gisele quer uma nova política, mas “regras são regras”, afirma. “Se não conseguir fazer [parcerias], vai ser o maior erro estratégico dela.”

Ter como vice Joaquim Barbosa, do mesmo PSB ao qual Marina se filiou antes de criar seu partido, seria um sonho.

Marina falar em “presidencialismo de proposição”, montado a partir de um programa de governo e contraposto ao de coalizão, é lindo. No papel.

“Mas não pega no coração da população” nem é realista, diz Marcos. “No day after [dia seguinte ao pleito], a regra é” ter de lidar com um Congresso afeito ao toma lá, dá cá.

“Mas a gente não pode esquecer que a grande qualidade dela é chamar todos pra mesa”, diz a administradora Claudia Immezi, 48. É aí que Marina, inclinada a refletir antes de partir pra briga, faz diferença, aposta João Paulo. “Ela sabe a hora certa de falar, de dar sua cartada. Quem fala demais dá bom dia a cavalo.”

É esperar para ver se, em outubro, as urnas favorecerão o perfil pacificador ou “estão mais pra quem fala que vai resolver na bala”, diz Marcos.

Bernard crê ser possível se unir a partidos sem ceder a parlamentares “ruins”. “Ela conseguiria governar com o Eduardo Suplicy e não com a Gleisi Hoffmann [ambos do PT]. Com o Roberto Requião, não com o Renan Calheiros [os dois do MDB].” 

MARINÊS 

De tanto usar expressões como “desadaptação criativa” e “transversalidade”, a ex-senadora ganhou a pecha de chata —e fluente num dialeto próprio, o “marinês”.

No que define como “crítica construtiva”, Marcos aponta que Lula e Ciro “são pedagógicos” e ela, não. João Paulo pensa igual. O petista, por exemplo, “vai onde estão as massas, monopoliza todo mundo”.

Gisele ensaia uma defesa da candidata. “O conceito de sustentabilidade é difícil, não há uma tradução coloquial” para um assunto tão complexo, afirma.

A oratória rebuscada “é correta também”, afirma Debora, que no passado diz que seu único contato com política era distribuir santinhos em boca de urna, o que é proibido. Agora, quer “saber mais sobre o assunto, já que minha visão é muito baseada na TV”. “Só acho que Marina podia falar na forma do povão. Ela vem do povão, mas deve ter aprendido [a falar difícil], né?”, afirma Debora.

É justo dizer que ela não domina a língua do povo? Leonardo acha que não. 

Veja bem, argumenta: voto ela tem. Uma montanha deles —19% em 2010 e 21% em 2014. 

Um feito e tanto para quem nunca superou os 2 minutos de tempo de TV, menos de um quinto do que o PT tinha. “Dizer que não consegue se comunicar é muita presunção”, diz ele —que votou em Eduardo Jorge (PV) em 2014 por ver o discurso dele como “mais aguerrido”.

“As pessoas têm tendência a admirar professor”, completa Leonardo. Analfabeta até os 16 anos, Marina se formou em história e tem especializações em psicopedagogia e teoria psicanalítica.

O tom por vezes pastoral da presidenciável evangélica, segundo o grupo, também pode ter ressonância com boa parte religiosa do eleitorado.

FÉ EVANGÉLICA 

Marina é da Assembleia de Deus. Isso faz diferença na hora de votar —ou não— nela?

Dos sete eleitores, há três evangélicos (Debora, Claudia e Bernard) e dois ateus (Marcos e Gisele). João Paulo é católico e Leonardo não tem credo. 

Só Debora diz explicitamente que, sim, a fé da líder da Rede é um ativo eleitoral. “O evangelismo muitas vezes tem pastores que fazem uso errado com dízimo, mas se a pessoa é evangélica, está ali para praticar o bem. Pra mim já é um ponto bom.”

Para Claudia, Marina ser evangélica não quer dizer nada, embora admita que, para ela, “a postura [da pré-candidata] é influenciada pela fé que professa”.

Mas, ao destacar um livro que a fez se afeiçoar a Marina, não é a Bíblia que cita. “Fui atraída pela capa [da biografia “Marina – A Vida por uma Causa”], com o rosto dela iluminado. No dia comparei com uma revista que trazia o rosto belíssimo de uma mulher. O de Marina era sofrido, mas muito mais bonito.”

Não é por compartilhar da mesma crença que Marina merece seu voto, diz Bernard. “Mas acho que ela tem uma missão por ser evangélica e por ser progressista.” Até ajudaria a reverter “a visão de reacionarismo cristão” que dá a entender que o segmento “virou homogêneo”, afirma.

“Ela é evangélica e defende o Estado laico.” Bernard lembra que Marina, mesmo sendo pessoalmente contra o aborto, disse que nenhuma mulher deve ser presa se recorrer à prática.

Marcos elogia Marina por “não vir com o discurso estereotipado da ‘bancada BBB’ [Boi, Bala e Bíblia, apelido das frentes parlamentares ruralista, de segurança e religiosa].

“Também sou da bancada dos ateus, meus filhos só falam de Darwin, caso grave”, brinca Gisele. “E sou absolutamente feminista, pró-aborto. Acho incrível como a Marina respeita a diversidade.” 

APOIO A AÉCIO

Leonardo é o mais crítico à aliança com o então presidenciável tucano em 2014. “Foi um erro crasso, estrategicamente devastador. Ela se sentiu muito atacada pessoalmente pela campanha do PT e fez política com o fígado”, afirma.

Fora que alegar ignorância a respeito dos esquemas de corrupção associados a Aécio não cola, segundo o jornalista. “Marina já estava na política há muito tempo. Acho um pouco complicado dizer que não sabia.” 

Basta resgatar o diálogo grampeado do senador Romero Jucá, raposa velha em Brasília, com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado —quando Jucá disse que via “todo mundo na bandeja para ser comido”, e seu interlocutor afirmou: “O primeiro a ser comido vai ser o Aécio”.

A três meses do pleito de 2014, Marina, então vice de Eduardo Campos, declarou que “em hipótese alguma” subiria no palanque do PSDB. Após perder o primeiro turno, lá estava ela, tendo mão beijada pelo tucano. 

Claudia conta que discutia no Twitter com um sujeito que “batia na mesma tecla” para criticar Marina: “Aécio beijou a mão dela, Aécio beijou a mão dela… Legal, eu vi a foto, vamos além”.

“Prefiro não comentar [em quem optou naquele segundo turno]. Mas não votei na Dilma”, diz Marcos, em tom envergonhado. Também João Paulo admite ter seguido Marina e escolhido Aécio.

Gisele não viu problema no arranjo. “Eram dois candidatos no segundo turno, dois ruins. Ou apoia um ou fica fora.” Para Claudia, “os eleitores se sentiram absolutamente à vontade para não acompanhá-la” no voto em Aécio.

Bernard relativiza: o tucano acatou uma série de exigências de Marina, e só depois ela topou endossá-lo. Leonardo rebate: “Ela engana a militância quando diz que acredita que isso de fato seria cumprido”. Todos sabem que esse tipo de compromisso, na política, são palavras ao vento, diz. 

SUSTENTABILIDADE

A Folha pergunta: o discurso ambiental ecoa no eleitorado? Ou o povo está mais preocupado com asfalto, hospital que funciona etc.?

Leonardo rememora uma fala de Ciro sobre a ex-colega de Esplanada no governo Lula. “Ele disse que Marina estava preocupada com suruba de peixe.” 

Na época se discutia a transposição do rio São Francisco. Marina, segundo Ciro, veio com um papo da “ictiofauna” (conjunto de peixes) ameaçada pelas obras do projeto.

“Como se perde tempo neste país”, afirmou o pedetista em 2017.

Sustentabilidade não é o avesso de questões sociais, diz Gisele. Quando se fala nisso, “erroneamente se pensa só em ambiente, mas passa por tudo”. Inclusive por novas formas de empregabilidade. 

“Ela dá exemplos práticos. Você pode usar garrafa PET para produzir energia solar, e isso geraria uma renda de até R$ 1.500 para agricultores”, exemplifica Marcos. 

E tudo bem que hidrelétricas são importantes, mas “ela coloca a vida e o meio ambiente acima do PIB”, tal qual uma “vanguardista”, diz Bernard.

POR QUE ELES QUEREM MARINA

1- A presidenciável pela Rede é vista pelos eleitores como a única terceira via com chances de encerrar os anos de “monopólio PT-PSDB”

2- Sua história de vida  —de seringueira no Acre à ministra em Brasília— garante a Marina adjetivos como força e coragem

3- A fala serena da candidata é considerada pelos eleitores uma vantagem no pleito, por se contrapor ao “populismo” e “gritaria” de adversários

4- Ela também está disposta a dialogar com todos os espectros políticos e setores da sociedade, segundo eles, e se aliar “aos bons”

5- Não para repetir o presidencialismo de coalizão, garantem, mas sim para colocar em prática a promessa da “proposição”, de conseguir governar pelas propostas que apresenta 

6- Eles também são entusiastas de um projeto de desenvolvimento sustentável —bandeira clássica de Marina

7- Defendem ainda que a presidenciável nunca figurou em escândalos de corrupção

8- Marina ser mulher é outra característica exaltada pelos eleitores, que defendem posições de poder para elas

ELEITORES DE CIRO SERÃO OS PRÓXIMOS DA SÉRIE

Folha conversou nos últimos meses com eleitores que declaram voto nos principais pré-candidatos a Presidência nas eleições de outubro. Jair Bolsonaro (PSL), Luiz Inácio Lula da Silva ou a alternativa do PT nas urnas, Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) já apareceram na série de debates. No fim de maio, é a vez dos que dizem preferir Ciro Gomes (PDT) no Palácio do Planalto.

 

 

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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