Conheça nove lições da psicologia essenciais para entender a era Trump

Em janeiro de 2017, quando o então secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, tentou afirmar que a posse do presidente Donald Trump teve o maior público da história, a sensação foi de início de uma nova e sombria era da política e da vida pública.

À medida em que foi amadurecendo, a era Trump de política conservadora passou a se definir cada vez mais pelo tribalismo, pelo medo e pelo estilhaçamento de nosso senso de uma realidade compartilhada.

E é bastante desorientador.

Passei boa parte dos últimos anos cobrindo a área de psicologia política, fazendo aos maiores especialistas em comportamento humano variações da pergunta “que diabos está acontecendo nos EUA?”. Por sorte, num momento em que realmente precisamos de respostas, eles frequentemente as oferecem.

Estas são as lições das ciências sociais a que venho recorrendo constantemente para me ajudar a explicar o que está acontecendo nos Estados Unidos na era Trump.

1. Raciocínio motivado: torcer para um time altera sua percepção sobre o mundo

A psicologia já foi definida como “a mais difícil das ciências” porque a mente humana é cheia de incoerências. Até mesmo os melhores pesquisadores podem se enrolar nelas.

Mais que isso: pode levar décadas para estabelecer uma teoria psicológica, mas novas provas são capazes de demoli-la em um mês. Mas, apesar das falhas, a psicologia continua sendo a melhor ferramenta científica que temos para compreender o comportamento humano.

O conceito psicológico fundamental —e um dos mais antigos— para compreender a política é a cognição motivada, ou raciocínio motivado. Isso significa, frequentemente, que torcer por um dado time altera nossa percepção da realidade.

Na década de 1950, psicólogos constataram que torcedores de dois times de futebol americano tinham opiniões bastante distintas sobre quem havia cometido falta em certas jogadas —ainda que estivessem assistindo às mesmas imagens. Os psicólogos concluíram que era como se cada grupo de torcedores acompanhasse uma partida diferente.

Nossos times são lentes por meio das quais interpretamos o mundo.

Algo crucial a saber sobre o raciocínio motivado é que você frequentemente não percebe que o está praticando. Somos mais rápidos em reconhecer informações que confirmam o que já sabemos, e isso nos cega diante de fatos que neguem tal conhecimento.

Talvez seja por isso que pertencer a um time torna um indivíduo mais suscetível a acreditar em notícias falsas e também a lembrar delas.

Em estudo de 2013, pessoas com inclinações progressistas tinham maior probabilidade de recordar (incorretamente) que o presidente George W. Bush estava de férias com uma celebridade durante o desastre do furacão Katrina, em 2005. Conservadores, por sua vez, tinham mais chances de dizer que se lembravam de ter visto Barack Obama apertando a mão do presidente do Irã (o que nunca aconteceu).

Estamos tão propensos a ver o mundo em termos de Nós x Eles que os psicólogos conseguem distinguir vieses a favor de um grupo mesmo quando participantes de um experimento são divididos arbitrariamente em times Vermelho x Azul.

O fato de que nossas preferências de grupo são formadas com tamanha rapidez também significa que é fácil mudá-las: começamos a ver as pessoas de maneira mais positiva caso as encaremos como compatriotas.

“Não estamos biologicamente programados para odiar ou para sermos hostis contra grupos externos”, disse Mina Cikara, neurocientista que estuda vieses intergrupais na Universidade Harvard. “Todos esses processos são flexíveis.”

2. A evolução provavelmente nos deixou com um sistema imunológico ideológico contra pensamentos desconfortáveis

Há um motivo para que nos engajemos em raciocínio motivado, um modo de raciocínio para o qual fatos em geral não importam: a evolução.

A mente humana é uma ferramenta inteligente. Nós a usamos para enviar foguetes à Lua e para inventar coisas maravilhosas, como a pizza e o ar condicionado. Mas por que desenvolvemos essa esperteza, para começo de conversa?

Uma hipótese: tornamo-nos tão inteligentes para que pudéssemos cooperar em grupos. Depois adaptamos essa capacidade de modo a realizar grandes avanços em assuntos como ciência e matemática. Mas, sob pressão, recuamos ao comportamento padronizado, de usar a mente em defesa de nossos grupos.

Observado dessa maneira, o raciocínio motivado é uma adaptação que nos vincula aos outros e ajuda em nossa sobrevivência. Ele ajuda os membros de nosso grupo a compartilhar uma realidade comum. Orienta-nos a favorecer pessoas que vemos como “nós” e a rejeitar pessoas que vemos como “eles”.

Também nos força a evitar fatos desconfortáveis que poderiam prejudicar nossos grupos. É possível perceber esse sistema imunológico em ação. Trata-se de uma espécie de “ignorância motivada”, e os psicólogos são capazes de vê-la em operação em tempo real.

Um experimento de 2017, relatado em artigo na revista científica Journal of Experimental Social Psychology, oferecia duas opções aos participantes, todos com afiliação partidária.

Eles poderiam ler e responder perguntas sobre uma opinião com a qual concordavam (o tópico era o casamento homossexual) ou ler o ponto de vista contrário. Quem optasse por ler a opinião com a qual concordava participaria de uma rifa que pagava US$ 7 ao vencedor. Quem escolhesse ler a opinião oposta teria a chance de ganhar US$ 10.

Seria esperado que todo mundo preferisse ganhar mais dinheiro, certo? Mais dinheiro é melhor do que menos dinheiro.

Não. A maioria dos participantes (63%) preferiu ler aquilo que já conhecia, abrindo mão da oportunidade de ganhar US$ 10. “As pessoas não sabem o que está acontecendo do outro lado e não querem saber”, disse em entrevista o psicólogo Jeremy Frimer, da Universidade de Winnipeg, que comandou o estudo.

Em outro teste, Frimer e colegas basicamente pediram aos participantes que classificassem quão interessados estavam em aprender sobre pontos de vistas políticos alternativos em comparação com atividades como “olhar para a parede”, “sentar em silêncio”, “caminhar num dia de sol” e “extrair um dente”.

O resultado: ouvir o que um oponente político tem a dizer não é tão horrível quanto ter um dente arrancado, mas chega perto. E é muito mais terrível que caminhar ao sol.

Esse é um ponto-chave que muita gente desconsidera ao discutir fake news ou a bolha de filtros em nosso ecossistema de mídia online.

Evitar fatos inconvenientes para nossa visão de mundo não é apenas um hábito passivo e inconsciente que praticamos. Nós agimos dessa forma porque consideramos esses fatos genuinamente desagradáveis. Eles insultam nossos grupos e, assim, nos insultam. Por isso rejeitamos esses fatos, da mesma forma que o sistema imunológico rejeitaria um patógeno.

“A responsabilidade primária do cérebro é tomar conta do corpo”, disse Jonas Kaplan, psicólogo da Universidade do Sul da Califórnia, em entrevista de 2017. “O self psicológico é a extensão cerebral disso. Quando nosso self se sente atacado, [o cérebro] ativará as mesmas defesas que aciona para proteger o corpo.”

E há uma complicação final que ajuda a manter as pessoas afastadas dos fatos. Na maioria das vezes, não são os fatos em si que as pessoas evitam: são as conclusões a que levam.

Essa é a chamada “aversão a soluções”. Ela ajuda a explicar por que muitos conservadores relutam em aceitar o que a ciência tem a dizer sobre a mudança do clima: muitas das soluções para essa questão exigiriam maior intervenção governamental e mais regulamentação.

Talvez por isso tantos partidários de Trump encarem com desconfiança a investigação do FBI sobre a interferência russa na eleição americana de 2016. A possível conclusão —de que a disputa sofreu influências externas— é perturbadora.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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