Comissão da Verdade fará esforço para levar torturadores a tribunais

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) terá uma lista de mais de cem agentes remanescentes da ditadura envolvidos em tortura, mortes e desaparecimentos forçados. Todos deverão ser levados aos tribunais caso prospere o entendimento jurídico já pacificado em cortes internacionais e na Justiça brasileira, segundo o qual crimes como tortura e desaparecimentos não prescreveram e sua punição não se choca com a Lei da Anistia de 1979. Essa será a principal recomendação da CNV.

No topo do grupo acusado de graves violações aparecerão personagens como Sebastião Rodrigues de Moura, o major Curió, responsável pelas ações no Araguaia, onde foram eliminados 70 militantes do PCdoB, e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-Codi da Rua Tutóia em São Paulo, por onde passaram cerca de meia centena de ativistas desaparecidos.

No quadrilátero da Tutóia, no bairro do Paraíso, funcionou a Operação Bandeirantes (Oban), por onde passaram presos políticos torturados, como a presidente Dilma Rousseff, e dezenas de vítimas que conviveram com militantes desaparecidos. O relatório da CNV vai distinguir os agentes envolvidos, classificando-os em dois grupos, os mandatários (os generais que presidiram o País no período da ditadura e os comandantes militares) e executores (militares e policiais que atuaram na linha de frente da repressão).

Entre os militares é certo que, além de Curió e Ustra, figurarão comandantes como generais Nilton Cerqueira, Álvaro Pinheiro, Thaumaturgo Sotero Vaz, Leo Frederico Cinelli, Ricardo Agnese Fayad e José Nogueira Belham; entre os oficiais, Lício Maciel, Pedro Ivo, Jacy Ochsendorf e Souza, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Enio Mandetta, Onero Cezar Machado e tantos outros.

Na ala dos civis que participaram de violações, a CNV identificou um grupo de policiais que mais tarde migrou para a Polícia Federal, entre os quais está o delegado Aparecido Laertes Calandra. Também serão relacionados os delegados Dirceu Gravina, Sérgio Guerra e Carlos Alberto Augusto.

O relatório vai hierarquizar a cadeia de comando e centrará suas críticas nos presidentes da República que deram ordens no período mais agudo da repressão, entre 1968 e 1976, os generais Artur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. Este último, embora tenha dado início à abertura política, assumiu depois que seu irmão, o então ministro da Guerra, Orlando Geisel, organizou e deu cartas brancas para a erradicação do foco guerrilheiro no Araguaia. Abaixo deles serão relacionados os comandantes da Aeronáutica, Exército e Marinha.

Outro dado relevante do relatório está no número de vítimas. Os desaparecidos políticos aumentaram com as investigações da CNV: são 200 e não os 142 relacionados nas listas divulgadas por outras entidades de direitos humanos nos últimos 30 anos. A maioria está no mais forte episódio da luta armada, a Guerrilha do Araguaia, onde 70 militantes do PCdoB foram assassinados, 41 deles em dependências sob o controle das Forças Armadas depois de feitos prisioneiros. Foram fuzilados friamente depois que o regime militar decidiu, a partir de 1973, pelo extermínio do foco guerrilheiro a qualquer custo.

O número de mortos e desaparecidos deve ficar em 434, embora os familiares ouvidos pela CNV tenham acrescentado uma lista com mais seis nomes, que podem ser incluídos até o texto final do relatório, previsto para o próximo dia 10, em cerimônia no Palácio do Planalto.

Baixa localização de desaparecidos

Em seus dois anos de trabalho, a CNV não conseguiu cumprir a principal meta de seu programa, que era localizar o paradeiro dos desaparecidos. Apenas um, o líder camponês Epaminondas Gomes de Oliveira, foi encontrado e seus ossos entregues à família. Outros dois, Zequinha Barreto, que morreu ao lado de Carlos Lamarca, na Bahia, e João Leonardo Rocha, morto ao retornar do exílio, teriam sido localizados, mas os corpos ainda não foram resgatados.

Os coordenadores da CNV justificam que o baixo índice de localização deve-se à recusa das Forças Armadas em prestar esclarecimentos. Embora as gerações atuais não tenham relação com o período do arbítrio, os militares ainda tratam o confronto com a esquerda armada como se tivesse sido uma guerra convencional. Nem a CNV nem o governo tiveram força política ou determinação para convencer o ministro da Defesa, Celso Amorim, e os comandantes das forças a ordenar que os remanescentes apontassem o destino dos 200 corpos.

O presidente da Comissão da Verdade de São Paulo, deputado Adriano Diogo (PT), critica o que chama de investigação inconclusa por não esclarecer o paradeiro dos desaparecidos e vários outros episódios. “Os militares vão dizer: ‘não nos encham mais o saco’, o caso acabou. E não falarão mais nada”, diz o deputado, que defende a prorrogação dos trabalhos. Em São Paulo, a comissão atuará até março do ano que vem.

Integrantes da CNV farão périplo

Depois de entregar o relatório à presidente Dilma Rousseff, no próximo dia 10, os integrantes da CNV farão um périplo por Brasília, entregando cópias do documento ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, aos presidentes do Senado, Renan Calheiros, da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e ao procurador Geral da República, Rodrigo Janot.

A CNV vai recomendar a responsabilização penal dos remanescentes da repressão, mas depositará esperanças numa eventual decisão de Janot, que pode entrar no STF com uma ação direta reivindicando a inclusão na Constituição de uma emenda adequando a legislação brasileira às normais internacionais – das quais o Brasil é signatário – e que permita apuração e punição de crimes considerados imprescritíveis.

O relatório também será apresentado em sessão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil pelas violações no Araguaia e cobra com insistência uma nova posição do Estado brasileiro em relação aos crimes da ditadura militar. Segundo a Corte, a Anistia de 1979 foi, na verdade, uma autoanistia e não pode ser usada como suporte para a impunidade.

A estratégia jurídica será sustentada em precedentes sobre casos já decididos pelo STF e que não questionam a Lei da Anistia. Em função de um trabalho já desenvolvido nesse sentido pelo Ministério Público Federal, há vários processos tramitando na Justiça Federal em que torturadores ou responsáveis por desaparecimentos forçados são réus.

Fonte: iG

 

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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