Com plano de criar superaérea, dono da Azul nunca engoliu demissão da JetBlue
O plano de David Neeleman de recomprar a JetBlue, em sociedade com o BNDES numa operação que incluiria também a portuguesa TAP, conforme revelou a Folha ontem, representará, se concretizado, a superação do maior trauma da vida empresarial do americano e que remonta a 14 de fevereiro de 2007.
Naquele feriado de São Valentim, as operações da JetBlue, até então a empresa aérea mais querida e admirada dos EUA, entraram em colapso. Passageiros ficaram presos dentro de aviões na pista por mais de dez horas. Em seis dias, 11 mil voos foram cancelados.
Um pedido de desculpas no YouTube e as medidas adotadas pelo fundador e então presidente da companhia -como a adoção de uma “Carta de Direitos dos Passageiros da JetBlue” – não foram suficientes para aplacar o descontentamento dos acionistas.
Três meses depois, Neeleman foi surpreendido quando, ao final de uma reunião do conselho de administração, depois de ter feito todas as apresentações sobre a gestão no trimestre, foi comunicado da sua demissão sumária.
Não houve transição, como é praxe no mundo corporativo. Para aumentar a ofensa, Neeleman foi substituído pelo diretor de operações, Dave Barger, que, em tese, seria o responsável pelo caos no feriado de São Valentim.
Neeleman não só não demitiu Barger, como também assumiu a responsabilidade pelo caos em uma tentativa de minimizar os danos à imagem da companhia.
Entretanto, os acionistas viram em Barger qualidades mais mundanas, como a capacidade de gerir o dia a dia de uma companhia que cresceu muito rapidamente.
“O conselho queria que eu desaparecesse. Agora, eles têm sempre que ler sobre o David”, disse Neeleman em uma entrevista à Folha em 2011, época em que estava sempre nas revistas de negócios dos EUA devido ao sucesso da brasileira Azul.
ESTRELA
Neeleman é uma estrela no mundo dos negócios. Admirado por seu espírito empreendedor -antes de Azul e JetBlue, criou e vendeu outras duas empresas aéreas e mais um negócio de TV ao vivo em aviões-, Neeleman é também um visionário que não gosta de ser contrariado.
Diagnosticado com síndrome de deficit de atenção, quer tudo para “ontem” e não tem paciência com detalhes.
Contrariado, Neeleman vendeu suas ações da JeBlue e começou a negociar com os mesmos investidores que o ajudaram a fundar a americana a criação de mais uma empresa aérea, desta vez no Brasil, sua terra natal.
Neeleman nasceu em São Paulo em 1959. Seu pai, o jornalista Gary Neeleman, era correspondente de uma agência de notícias. Não fosse a certidão de nascimento brasileira, não poderia ter fundado a Azul, uma vez que o controle de companhias aéreas no Brasil é restrito a brasileiros.
Voltou ainda criança para os Estados Unidos, mas retornou ao Brasil, dessa vez para o Nordeste, aos 19 anos, em uma missão de iniciação na religião mórmon. Foi quando aprendeu português e a realidade das favelas.
Conhecedor dos aviões da Embraer -a JetBlue foi a primeira compradora dos jatos da família E-190/195-, Neeleman traçou um plano que agradou o governo brasileiro, numa época em que TAM e Gol dominavam o setor, com mais de 96% do mercado. Além de quebrar o duopólio (hoje as duas têm 75% de participação), Neeleman fez a aviação crescer para o interior e provou que havia mercado para jatos da Embraer no Brasil.
Por mais de um ano, ele resistiu às ofertas do governo para que entrasse na privatização da portuguesa TAP com financiamento do BNDES. Mais recentemente, porém, enxergou na oferta do Brasil uma oportunidade para efetivar seu desejo de retomar a JetBlue -a partir da criação de uma superaérea nacional.
Fonte: Folha de São Paulo