Com Damares, conselhos da área de direitos humanos perdem verba e participação da sociedade

Em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU) na segunda-feira de Carnaval, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, ligado à pasta responsável por fiscalizar presídios, estava em pleno funcionamento.

Na prática, porém, desde 2019 o governo tem enfraquecido a atividade do mecanismo, assim como de outros grupos que acompanham violações de direitos humanos. Seja alterando a composição para aumentar sua influência, retirando recursos ou mudando o foco de trabalho desses colegiados.

Foi o que ocorreu, por exemplo, no conselho voltado à população LGBT, que passou a tratar de qualquer tipo de discriminação e intolerância. Atualmente, há 15 colegiados ligados ao ministério de Damares que tratam de pautas como direitos de minorias, combate à tortura e reparação a perseguidos pela ditadura. Parte tem caráter consultivo ou de elaboração de propostas. Mas alguns realizam atividades práticas, como fiscalização e gestão de fundos.

Em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro editou um decreto para extinguir dezenas de conselhos com a participação da sociedade civil. O Supremo Tribunal Federal proibiu a eliminação dos criados por lei, o que exige a aprovação do Congresso Nacional, mas não dos instituídos também por decretos O governo optou então por mudar a composição e o processo de seleção de parte deles.

A ação no STF ainda não foi analisada em definitivo e o relator é o ministro André Mendonça, que comandou a Advocacia-Geral da União no governo Bolsonaro, quando defendeu a validade do decreto. Duas entidades pediram que Mendonça se declarasse impedido de analisar o caso. O ministro se negou, destacando que a jurisprudência do STF não fala de impedimento em ações diretas de inconstitucionalidade e a AGU tinha a atribuição de defender a norma. Há ainda um pedido feito diretamente ao presidente do STF, Luiz Fux, para analisar o impedimento.

No caso do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, responsável por indicar os peritos que integram o mecanismo citado por Damares na ONU, o governo usou uma briga judicial para mudar sua composição. Nove dos 12 representantes da sociedade civil foram destituídos no mês passado pela ministra.

No Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura , o governo tentou acabar com a remuneração dos peritos responsáveis por fiscalizar denúncias de tortura nos presídios e instituições socioeducativas. A medida foi barrada pela Justiça Federal.

Após a declaração de Damares na ONU, o mecanismo , em nota, alertou para o desmonte da equipe administrativa, reclamou da falta de autonomia financeira e citou a destituição de integrantes do conselho que elege seus integrantes. Ao GLOBO, o ministério reiterou que o mecanismo está em “pleno funcionamento” e alegou que os peritos continuam remunerados, todas as vagas estão preenchidas e há apoio administrativo e orçamentário.

Mudança contestada

Nem sempre as tentativas de mudar os colegiados dão certo. Em setembro de 2019, a Procuradoria-Geral da República questionou no STF a restrição da participação da sociedade civil no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Três meses depois, o ministro Luís Roberto Barroso restabeleceu os mandatos de conselheiros afastados e a realização de assembleia para a escolha dos integrantes, que havia sido substituída por um processo seletivo. Em março de 2021, o plenário confirmou a decisão.

O processo de seleção, instituído em alguns órgãos, é criticado por Mônica Alkmim, do Movimento Nacional de Direitos Humanos no Conselho Nacional de Direitos Humanos:

— Como são editais construídos no âmbito do governo, já no processo de escolha, você elimina movimentos e organizações que têm muito mais uma participação da sociedade civil.

Outro problema é a demora em fazer reuniões. O conselho de combate à tortura se encontrou pela última vez em 26 de agosto de 2021, pela indefinição na nomeação de seus integrantes. A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos não se reúne desde 29 de junho de 2021, mas, segundo o ministério, as reuniões “têm acontecido com a frequência devida para atender às demandas”.

O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa e a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo foram recriados com novas regras. O frei Xavier Jean Marie Plassat, da Comissão Pastoral da Terra no segundo colegiado, lamentou a redução no número de integrantes:

— É um aspecto bem importante. A mola propulsora de muito que tem sido feito no combate ao trabalho escravo historicamente tem partido da sociedade civil.

Lucia Secoti, da Pastoral da Pessoa Idosa, presidia o conselho voltado para esse público em 2019, quando perdeu o posto. Para ela, o que há agora é um conselho de fachada:

— Não há controle social. Se não há, não há formulação de política, de diálogo. Tem esse colegiado selecionado por eles, aprovando o que eles levam.

 

Fonte: O Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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