Com a inflação ainda alta, quando começar a cortar os juros?

Ilan-presidente-BC

Há alguns consensos disseminados sobre a boa atuação dos bancos centrais: eles precisam de autonomia, comunicação transparente e uma meta crível de inflação para dosar os juros certos na economia e alcançar a estabilidade da moeda. A chegada de Ilan Goldfajn, antes economista-chefe do banco Itaú, à presidência do Banco Central (BC), em junho, pode representar a volta desses consensos à cena nacional após uma experiência desastrosa.

A temporada de seu antecessor, Alexandre Tombini, que assumiu em 2011, ficou marcada pela submissão aos ditames do Palácio do Planalto — de onde, sob Dilma Rous­seff, nada vinha que ajudasse a autoridade monetária a cumprir seu papel. Basta lembrar da forçada redução da taxa básica de juro quatro anos atrás.

Ali a inflação começou a sair do controle — invertendo uma trajetória que se iniciou em 1999, e atravessou as presidências de Armínio Fraga e Henrique Meirelles, de redução dos juros e do índice de preços. Em cinco anos, Tombini nunca alcançou a meta de 4,5% ao ano de inflação. Ao assumir o cargo, recebeu uma taxa próxima de 6% e o entregou com ela beirando 11%.

O BC perdeu credibilidade e ajudou a causar a desorganização na economia que culminou na crise atual. Cabe a Goldfajn o conserto dos estragos: terá de atacar a maior inflação em — ironicamente — 13 anos, enquanto o país se bate com o que pode ser a nossa mais grave recessão.

O dilema está em determinar quando começar a cortar os juros e em qual velocidade dar sequência à redução. Até agora, Goldfajn tem mostrado um estilo mais duro com o controle dos preços. Já ganhou a alcunha de “falcão”, como são chamados os banqueiros centrais que combatem sem trégua a inflação.

Tombini, por outro lado, era considerado “pomba” — e daí o pejorativo “Pombini”, popularizado entre investidores e analistas — por decisões lenientes com a escalada dos preços. Goldfajn tem repetido, em coro com a nova diretoria, que a meta a atingir é de 4,5%, e não o teto de tolerância de 6,5%, como vinha ocorrendo. Afirmou publicamente que vai buscar a taxa já no final de 2017.

A pressa tem o objetivo de reduzir as previsões de inflação — a lógica é que, quanto mais tempo o BC demorar a derrubar as projeções, mais juros serão necessários e mais desemprego será causado. Cálculos da gestora de recursos carioca Opus mostram que o BC tem de sintonizar as previsões com a meta até sete meses antes do prazo estabelecido para alcançar o alvo.

Cada ponto a mais de expectativa da inflação precisaria de 0,6 ponto a mais de desemprego para ser combatido — por meio de um aumento da taxa de juro que produza esse efeito. “O BC perdeu autonomia nos últimos anos, deixou soltas as expectativas de inflação e haverá um custo para trazer isso de volta”, diz o economista José Márcio Camargo, sócio da Opus.

A escolha do BC, totalmente defensável no longo prazo, poderá impor sacrifícios à economia no curto prazo — e por isso é questionada. Alguns analistas defendem que, dado o tamanho da crise, o BC poderia buscar os 4,5% um pouco depois, em 2018. Para compensar, reduziria a meta dos anos seguintes.

“Temo que a demora em cortar o juro seja um erro e que a economia vai pagar um custo que não precisaria”, afirma José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados. “O BC está esquecendo as condições financeiras das empresas e que há muitas à beira da morte.”

O banco holandês Rabobank estima que a taxa de juro real — hoje em 7,5% — cairia para 4,9% ao ano em 2017 se os cortes da Selic começassem já em agosto. E ficará em 5,3% caso a primeira tesourada só venha em outubro. A postura de Goldfajn acendeu um sinal amarelo nas empresas.

“Juros altos encarecem o custo da dívida, e isso nos preocupa”, diz José Roberto Lettiere, vice-presidente financeiro da Natura. “Dessa forma, há menos retorno dos negócios e menos capacidade de fazer investimentos.”

A história mostra diferentes atitudes dos bancos centrais diante de crises. Para o economista Alan Blinder, da Universidade de Princeton e um dos maiores estudiosos do tema, o corte nos juros é mais rápido ou demorado dependendo do objetivo do banco em cada país.

Durante a mais recente crise financeira internacional, que estourou em 2008, o Federal Reserve, banco central americano, cortou os juros de forma agressiva — foram 5 pontos em dois anos — porque sua missão é controlar a inflação, além de promover a geração de empregos no país.

O resultado foi que, em 2010, a economia americana voltou a crescer e, em 2014, já havia 146 milhões de empregos, a mesma quantidade de antes da crise. Já o Banco Central Europeu, que tem como base o modelo do banco alemão, criado após um período de hiperinflação na Alemanha, adotou um ritmo mais lento de corte nos juros — a memória do descontrole de preços está enraizada e o banco é mais cauteloso.

Nesse caso, com os juros caindo mais devagar, a recuperação foi mais lenta: alguns países da região ainda apresentam taxas de desemprego acima de 20% da população ativa.

O câmbio está a favor do BC no combate à inflação: o cenário mundial tem feito o real apreciar em relação ao dólar, o que torna as importações mais baratas e reduz a pressão sobre os preços no mercado doméstico. Com a aprovação da saída do Reino Unido da União Europeia, os países desenvolvidos deverão adotar taxas de juro reais negativas por mais tempo.

O Federal Reserve postergou a elevação dos juros americanos. Nesse panorama, o Brasil se torna atraente para os investidores e mais dólares deverão entrar aqui. A estimativa dos analistas é que a taxa de câmbio chegue a algo entre 3 e 3,20 reais no fim deste ano. A indústria de máquinas, que defende o dólar em 3,80 reais, reclama que isso prejudica a recuperação do setor.

Os exportadores já veem redução de 10% no saldo da balança comercial deste ano, ainda positiva em 45 bilhões de dólares. Goldfajn disse que vai intervir no mercado para reduzir a volatilidade, mas sem determinar um patamar para o câmbio, como foi feito antes de sua chegada.

“A sinalização está correta, porque o Banco Central não pode escolher quem é ganhador ou perdedor na economia com o câmbio”, diz Silvio Campos, economista da Tendências Consultoria.

Ajuda fiscal

Não depende só da política monetária a dosagem de juros na economia. O controle das contas públicas é determinante para a atuação do BC. Nesse caso, há um alento. A equipe interina de Michel Temer anunciou a meta de entregar um déficit de 139 bilhões de reais em 2017 — uma vitória do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre o time político de Temer, que queria repetir o déficit de 170 bilhões de reais previsto para este ano.

A meta foi aplaudida por muitos economistas. Ao que tudo indica, agora o Palácio do Planalto e o BC atuam em conjunto para tentar controlar a inflação — na gestão anterior, quando os preços já se mostravam em alta, havia aumento dos juros, mas o governo não parava de gastar e estimular o consumo.

De acordo com a consultoria MB Associados, a melhora da política fiscal será determinante para o ritmo de corte nos juros e para a retomada do crescimento econômico. Caso o governo consiga encaminhar um projeto de reforma da Previdência e conquiste a aprovação da proposta de controle do crescimento dos gastos públicos, a economia em 2017 poderá crescer 2% e a taxa de desemprego cair dos 11% atuais para 8%.

Mas, se nada disso acontecer, a economia vai crescer só 1%, e o desemprego ainda vai beirar os 10% no ano que vem. “É no âmbito fiscal que o jogo será ganho ou não”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados e colunista de EXAME Hoje, novo aplicativo de notícias de EXAME.

Momentos de crise servem para questionar o papel e a forma de atuação dos bancos centrais. É quando eles normalmente ganham novas atribuições — na última crise mundial, passaram também a supervisionar mais de perto o sistema financeiro —, aproximam-se dos governos para tentar soluções e criam novos instrumentos.

No Brasil, a autonomia do Banco Central é um assunto que está pendente: a discussão perdeu força com a sujeição da autoridade monetária ao Planalto nos últimos anos. Países como o Chile, indicado como um modelo para o Brasil, têm em sua legislação regras que promovem a autonomia da autoridade monetária.

“No Brasil, o BC não tem orçamento próprio nem mandato fixo para os membros”, diz o economista Marcio Estrela, especialista no estudo de bancos centrais. “Tudo isso tira a autonomia e a eficiência de atuação.” Outra discussão importante no Brasil diz respeito a estabelecer uma meta de inflação mais próxima da praticada por outros países, tanto emergentes quanto desenvolvidos.

Em média, a meta de inflação fica em torno de 2% mundo afora. Na última reunião do Conselho Monetário Nacional, no fim de junho, ficou decidido que o BC perseguirá uma meta de 4,5% em 2018, porém com tolerância menor: em vez de 2 pontos percentuais, será de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Avançar nessa agenda é essencial. É uma ótima notícia que o Banco Central esteja preo­cupado primeiro em recuperar a confiança e fazer o básico: cumprir a meta de inflação e deixar o câmbio flutuar. A crise está aí para mostrar o que pode ocorrer se não for feito o óbvio.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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