Carta aberta ao ministro da Saúde – Jayme Ramos de Almeida Filho
Sou médico e trabalho no SUS em dois hospitais do Rio de Janeiro. Sou natural de Salvador. Conheço praticamente todo o interior do Brasil.
Gostaria de relatar minha indignação com as medidas adotadas pela presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
Está claro que o ministro não conhece a realidade do país e seus médicos.
Diz o ministro que temos 1,98 médicos para cada mil habitantes. Pode ser que esse dado seja exato, mas há muitos países com menos médicos por habitante (Chile, Equador, México, Austrália…) com sistemas de Saúde Pública melhores que o nosso.
O que nos falta são locais adequados e com infraestrutura para um bom atendimento; e remuneração digna para os profissionais, com plano de carreira.
O ministro diz que não se importaria de pagar a um médico a mesma coisa que um juiz do interior recebe. Um juiz no interior da Bahia, por exemplo, tem salário de R$30.000,00. Por que não oferecer o mesmo salário ao médico?
Isso, aliado a uma boa infraestrutura – um médico, sem a aparelhagem necessária para a realização de exames diagnósticos, ambulâncias para possíveis transferências, uma farmácia bem equipada, etc., não pode fazer nada – proporcionaria uma distribuição muito melhor de profissionais do que a que temos hoje.
Cito como exemplos a situação dos ambulatórios médicos de Canavieiras, (Bahia); de Codó (Maranhão) e de São José dos Ausentes (RS), locais onde os postos de saúde são como barracos de favela, com o chão de terra batida. Neles não há sequer um aparelho de radiografia.
No caso de São José dos Ausentes, até sem luz elétrica! Será que poderíamos considerar essas situações, que são comuns no interior do país, a regra e não a exceção, dignas tanto para os pacientes quanto para o profissional? A resposta é não.
Acredito que o ministro desconheça essa realidade já que desde estudante, de acordo com sua biografia disponível na internet, ele estava mais preocupado em liderar movimentos estudantis e atuar como coordenador nacional de campanha do PT (tendo Lula como candidato) do que a se dedicar efetivamente à profissão.
Ele ainda deve explicações sobre seu diploma de especialização: há evidências de ter sido forjado. Sei que não é necessário ser médico para ser ministro da Saúde, mas se há mentira nesse detalhe, será que podemos crer que no discurso oficial não haja outras inverdades?
Acho muito fácil qualquer pessoa dizer que sabe o que é melhor para o SUS, quando essa pessoa não trabalha ou usa o sistema. E tenho certeza que tanto nosso ministro quanto nossa presidente contam com planos de saúde privados.
Não sou contra a vinda de médicos estrangeiros para o Brasil, desde que:
1º – seja resolvido o problema da infraestrutura sucateada ou praticamente inexistente no interior do país;
2º – haja melhor remuneração para os profissionais, com instituição de plano de carreira nos moldes do nosso sistema judiciário;
3º – que as vagas sejam ofertadas em primeiro lugar aos profissionais brasileiros, uma vez resolvidas as etapas anteriores;
4º – que os profissionais estrangeiros sejam submetidos ao exame nacional Revalida.
Não consigo entender o esforço que o ministro faz para que isso não seja feito, uma vez que a Lei diz que os profissionais estrangeiros têm que revalidar seus diplomas obtidos em qualquer lugar do mundo.
O ministro gosta muito de citar o exemplo da Inglaterra, dizendo que 40% de seus médicos são estrangeiros.
Bem, eu conheço o sistema de saúde inglês. Lá, os profissionais estrangeiros (40% do total) são em sua maioria indianos que tiveram de revalidar seus diplomas. Essa também é a realidade na França, na Alemanha e nos EUA.
Por que nosso sistema de avaliação deve ser diferente? Somos piores que esses países?
Outro dado que o ministro não cita: 70% dos processos por erro médico na Europa são contra médicos estrangeiros. Isso apesar deles terem se submetido ao Revalida local. Imagine-se então num país (Brasil) onde não precisariam se submeter ao exame para exercer a medicina.
O ministro diz que o exame como é feito hoje é muito difícil, só que esse exame já foi ministrado em faculdades de medicina do Nordeste e SP e teve quase 80% de aprovação em alunos do sexto ano (dado pode ser confirmado no site do CFM).
Enfim, acho que temos aqui uma inversão de valores. Não se constrói um prédio sem antes construir uma fundação forte e sólida. Vejo nessas medidas do governo uma tentativa de construir uma casa começando pelo teto.
Jayme Ramos de Almeida Filho, cirurgião geral no Hospital Miguel Couto e cirurgião vascular no Hospital Souza Aguiar, ambos no Rio de Janeiro.
Fonte: Blog do Noblat