Brasil não está preparado para o envelhecimento da população

O envelhecimento da população brasileira já é uma realidade, como aponta a última pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Apesar disso, o país não está se preparando para enfrentar as consequências desse fenômeno nas próximas décadas, afirmam especialistas ouvidos pela Folha.

Diante deste cenário, o médico gerontólogo Alexandre Kalache projeta que o Brasil deve pagar um preço muito alto, pois vai acumular pessoas doentes, carentes, com incapacidades e sem saber quem vai cuidar delas.

“Países desenvolvidos primeiro enriqueceram para poder envelhecer. As pessoas serão na velhice o produto de tudo que aconteceu na sua vida antes e nós estamos envelhecendo com pobreza e crescente desigualdade”, afirma ele, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

A nova pesquisa do IBGE, divulgada no final de julho, mostra que a proporção de pessoas abaixo de 30 anos recuou de 49,9% da população do país em 2012 para 43,9% em 2021. No período, o número de brasileiros nessa faixa etária baixou de 98,7 milhões para 93,4 milhões. Ou seja, uma queda de 5,4%.

No sentido contrário, a fatia com 30 anos ou mais subiu de 50,1% da população em 2012 para 56,1% em 2021. O grupo pulou de 99,1 milhões para 119,3 milhões no mesmo intervalo. O avanço foi de 20,4%.

Kalache cita ainda que, antes da pandemia, projeções indicavam que o Brasil deveria atingir o pico populacional em meados de 2040. Mas, em decorrência da crise sanitária, isso deve acontecer antes. Com isso, afirma que é necessário que o país já comece a pensar no futuro. E, uma das políticas necessárias é manter as pessoas no mercado de trabalho.

Pesquisador associado do FGV/Ibre e ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto cita que o envelhecimento populacional não é uma questão restrita ao Brasil, e já atingiu países como França e Alemanha, por exemplo.

Segundo ele, ao mesmo tempo que o Brasil apresenta uma longevidade da população, há uma queda na taxa de fertilidade. Dentro deste cenário, se faz necessário atenção para algumas questões visando um melhor futuro da população.

Entre elas, a elaboração de uma política de saúde para essa população, que inclua desde um atendimento diferenciado até projetos de cidades inteligentes, uma vez que as pessoas estarão com a mobilidade reduzida.

Também é preciso investir na educação para os mais jovens. “O mercado hoje exige um trabalhador mais qualificado para lidar com questões mais complexas. Só com o aumento da produtividade é possível manter o crescimento econômico-social, já que teremos menos gente ingressando no mercado de trabalho.”

Além disso, é preciso uma política previdenciária que se prepare para um país que terá uma parcela menor da população trabalhando e um aumento do número de aposentados.

Bibiana Graeff, jurista e professora no curso de gerontologia da EACH-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades), afirma que Brasil já foi referência em direitos para os idosos, principalmente após a Constituição de 1988 e o Estatuto do Idoso, de 2003. Depois disso, porém, o país estagnou no tema, aponta ela.

Para ela, as questões relacionadas à população idosa não devem ser vistas como algo isolado, mas como todo um retrocesso em questões relacionadas a direitos humanos. “São pessoas muitas vezes vistas como um peso para sociedade que são vistas como se não contribuíssem para a sociedade.”

A advogada Fernanda Zucare, membro da Comissão de Direito Médico da OAB, concorda que o país não está preparado para o envelhecimento e enfrenta desafios, principalmente na área da saúde.

“Temos um SUS (Sistema Único de Saúde) extremamente comprometido e que não comporta bem toda população que nele é atendida”, diz ela que ressalta que o país enfrenta um movimento grande de migração do sistema privado para o público, em razão do aumento dos preços dos planos de saúde e do desemprego.

Hoje, um projeto de lei prevê a elevação de 60 para 65 anos a idade de classificação como pessoa idosa. A proposta, em análise na Câmara dos Deputados, tem como autor o deputado Bibo Nunes (PL-RS) que justifica que, quando o Estatuto do Idoso foi sancionado, em 2003, a expectativa de vida era de 71 anos, que aumentou e chegou a 76 anos, em 2017.

A advogada de família e sucessões Maria Stella Torres Costa afirma que a legislação já dá mostras que considerar idoso alguém com 60 anos talvez seja cedo demais.

Já Kalache discorda do projeto e diz que, num país com taxa de desigualdade social tão elevada quanto a do Brasil, rotular como idoso aquele que tem 65 anos significa retirar cinco anos de direitos.

O médico cita quatro pilares necessários para garantir um bom envelhecimento —saúde, conhecimento, capital social e o financeiro. Para ele, porém, faltam políticas públicas voltadas para o futuro nessas áreas no país hoje.

Jovens adultos afirmam que a ansiedade quanto ao futuro é uma questão que já começa a preocupar no âmbito individual. É o caso do advogado Mateus Amaral, 23, que vive em São Paulo.

“Hoje sou CLT e isso é de uma certa forma um alívio, pois posso ser uma das últimas gerações com aposentadoria garantida”, diz ele. Sobre a saúde, ele diz que um de seus objetivos é ter recursos financeiros para não depender do SUS, pois enxerga que o sistema pode não dar conta de toda a demanda.

“Me vejo refém do plano privado do plano de saúde e, ao mesmo tempo, me assusta a forma como os eles criam tarifas absurdas, que se beneficiam da precarização do sistema público”, diz ele que classifica que praticar esportes e manter uma boa alimentação é uma espécie de “previdência de hábito”.

Amaral enxerga com certo otimismo o envelhecimento em cidades menores, que podem proporcionar melhores estruturas aos cidadãos. Foi o que fez Bárbara Malavoglia, 33 anos, professora de dança e ioga que decidiu sair de São Paulo e hoje vive na zona rural de Itamonte, cidade de Minas Gerais.

A mudança que aconteceu em meio à pandemia foi um movimento que ela não relaciona diretamente ao envelhecimento, mas para a vitalidade. “O modo de vida na capital é desgastante e o trabalho online me permitiu essa mudança para estar em um lugar em que tenho tempo. Aqui, eu consigo me permitir descansar.

 

Fonte: Folha de São Paulo

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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