Não tem nada ganho – Ascânio Seleme
O principal objetivo da campanha de reeleição será aumentar a rejeição do PT e do petismo e, com isso, desestabilizar os números de Lula
O manjado discurso de jogador de futebol depois de boa vitória no primeiro jogo de um mata-mata serve muito bem para a eleição presidencial deste ano. Não tem nada ganho, ainda tem a volta, disse Arrascaeta depois da partida em que o Flamengo bateu o Corinthians por 2 x 0 pela Libertadores. Esse deveria ser também o discurso do PT e de Lula nessa fase da campanha.
O que se ouve de petistas, porém, é outra coisa. Repetem que o objetivo é sacramentar a vitória logo no primeiro turno. Não que discurso de vitória seja inapropriado, mas dá a impressão que o PT não trabalha com pesquisas, não enxerga como os eleitores têm se mexido nestes últimos dias.
Lula tem tudo para ganhar no segundo turno e deve ganhar, mas não será fácil esta campanha, que nem começou. Vitória no primeiro turno é apenas um sonho. Pesquisas ainda apontam essa possibilidade, mas o avanço de Bolsonaro deveria desassossegar o PT. Já dá para perceber que ocorre um crescimento do presidente. Como se viu na última pesquisa Genial/Quaest, a distância de Lula a Bolsonaro caiu de 14% para 12%. Entre os evangélicos, Bolsonaro cresceu 14 pontos de março a agosto, tendo hoje 48% deste eleitorado. Uma enormidade que ainda pode aumentar com a entrada na campanha de Michelle Bolsonaro, que fala o idioma da mulher evangélica.
A pesquisa mostrou também que a avaliação negativa de Bolsonaro caiu 8 pontos, e que o apoio ao presidente entre os jovens de 16 a 24 anos subiu 6, reduzindo a diferença para Lula de 28 para 13 pontos percentuais. São más notícias que não podem ser ignoradas pelo PT.
O bolsonarismo vai intensificar na campanha a pauta da difamação baseada na moral e nos costumes. O PT será demonizado com as fake news habituais e outras tantas que serão ainda inventadas. Embora não tenha o perfil de elite, como a maioria dos líderes petistas, Lula não escapará do carimbo de corrupto e ex-presidiário. Mas não será dele a cara do demônio. Essa, todos já conhecem, é a do ministro do STF Alexandre de Moraes, indicado para a função de capeta por Bolsonaro há mais de um ano. O principal objetivo da campanha de reeleição será aumentar a rejeição do PT e do petismo e, com isso, desestabilizar os números de Lula.
Tem mais. O bolso sempre joga papel importante em eleição presidencial. A redução do preço da gasolina já começa a ser medida, e os efeitos da PEC eleitoral terão impacto justamente quando começar a campanha. As duas primeiras parcelas de R$ 600 do auxílio Brasil somadas à possibilidade de se recorrer a um crédito consignado de até R$ 2 mil podem colocar nas mãos das famílias mais pobres R$ 3,2 mil até o final deste mês. No próximo dia 9, uma semana antes da campanha começar oficialmente, as duas primeiras parcelas do auxílio serão depositadas. Não por acaso, a terceira parcela entra na conta dos beneficiários no dia 24 de setembro. Se bobear, o governo ainda antecipa a quarta parcela. É fácil imaginar como este dinheiro será explorado por Bolsonaro. Ou não?
O 7 de Setembro servirá para medir qual terá sido o alcance das medidas eleitoreiras e a profusão de mentiras que já estarão impregnadas na campanha. Se Bolsonaro moderar o discurso golpista, indicará que está contando com a possibilidade de ir ao segundo turno com alguma chance de ganhar. Golpe ele poderá sempre tentar, antes, durante ou depois das eleições. A transferência das comemorações da Independência para o Rio também guarda alguma lógica com este raciocínio. Afinal, com tanques e tropas na Avenida Atlântica, a cena será grandiosa e eloquente mesmo com público menor. Da mesma forma, a presença militar tende a inibir um discurso mais inflamado.
O PT certamente já entendeu que a guerra eleitoral dificilmente acabará no dia 2 de outubro em razão do arsenal de “boas notícias” e da avalanche difamatória que vem por aí comandada por Carlos Bolsonaro. Deve ter entendido também que não cabe mais o salto alto usado até algumas semanas atrás. A hora é de calçar as chuteiras. O jogo bruto vai começar.
Foto: O Globo