Artistas do ‘Lula lá’ dão as caras na reta final da eleição em palanques opostos

Era a primeira eleição com voto direto desde 1960 no Brasil. O candidato Luiz Inácio Lula da Silva enfrentava Fernando Collor de Melo na disputa pela Presidência. Apoiado pelos principais membros da elite cultural da época, Lula levou atores, músicos e intelectuais aos palanques. Mais de 20 anos depois, a classe artística mostra que a democratização do País implicou ganhos, mas também a reavaliação de apoio político: muitos nomes atuantes de 1989 sobem em palanques opostos a 15 dias do primeiro turno das eleições de 2014.

Morna durante o processo eleitoral deste ano, a “guerra dos artistas” se consolidou na última semana, quando celebridades e intelectuais participaram de eventos e formalizaram apoio aos presidenciáveis Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Antes com Lula e PT, os cantores Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raimundo Fagner e Lobão foram militar em novos palanques. Veloso e Gil agora estão com Marina. Já Fagner e o roqueiro apoiam o tucano – o último chamou até a ser chamado de reacionário.

Para o professor do Departamento de História da PUC-SP, Pedro Fassoni, a participação de celebridades ganhou força no processo de transição pós-ditadura militar e engrossou o coro da sociedade. “A mobilização de artistas nas Diretas foi um marco importante, pois eles emprestaram o prestígio e sensibilizaram a opinião pública. Eles contribuíram para engrossar a voz da multidão nas ruas.” E não é um fenômeno exclusivo do Brasil, celebridades estão nos pleitos dos EUA, como na eleição do Barack Obama, França e Uruguai.

Com a evolução da democracia e o fim dos showmícios em 1997, após decreto da Justiça Eleitoral, a participação da classe artística ganhou novas formas, mas ficou devendo na versatilidade. Fassoni acredita que as redes sociais assumiram a função de comício e viraram ferramentas de divulgação de opinião sobre os candidatos. Mas ainda não trouxe muitas caras novas ao cenário político.

Segundo o professor e os artistas José de Abreu, Raimundo Fagner, Lobão e Marcos Palmeira, ouvidos pela reportagem do iG, o contexto de “vida ou morte” vivido na época da ditadura despertou um engajamento e explicaria o diferente nível de atuação da nova geração de estrelas.

Enquanto uns postam fotos com seus candidatos e declaram apoio simbólico nas redes sociais, o professor lembra ainda que outros “erram a mão e compram brigas”. Exemplo claro: o ator José de Abreu. Petista de carteirinha, alvo de duras críticas por sua militância no Twitter, ele tem orgulho de sua história na esquerda na época da ditadura, quando cursava Direito na PUC-SP, ao lado do ex-ministro José Dirceu, condenado pelo mensalão.

Nas telas com a minissérie “O Rebu”, que teve o último capítulo exibido na sexta-feira (12), Zé de Abreu criou uma hashtag no seu perfil apostando que não vai ter segundo turno na disputa presidencial, hoje previsto para ocorrer entre Dilma e Marina. Ao iG, o ator diz que “quando chegar a hora” o brasileiro vai votar pelo bolso. “É algo que falo ao pessoal do PT e repito toda a hora. Se você achar que sua vida piorou, troca [o governante]. Se melhorou, não troca”, defende o ator filiado simbolicamente ao PT e que foi taxado de “papagaio de pirata” de Dilma na posse em 2010.

Para ele, que não reserva críticas a Marina e considera o mensalão um “deslize”, a nova política que a ex-senadora prega em seus discursos é história “para boi dormir”. E completa: “A nova política que começou com um jato caído, um jato que não tem dono, plano de voo e com uma caixa-preta que estava desligada?”. Defender um partido alvo de denúncias e condenado pelo mensalão não é tarefa fácil, desabafa o ator, que é constantemente ofendido por sua orientação política.

“O pessoal careta de direita não consegue dividir [a profissão e militância] e fala: ‘Ele é péssimo ator e ainda é do PT’. O que tem a ver uma coisa com a outra? Ainda bem que a maioria fala: ‘Ele é um puta ator, pena que é do PT’. Eu decidi ir pelo caminho mais difícil”, diz Abreu, se comparando com colegas da TV Globo, que hoje abandonaram os versos de ‘Lula Lá’ e se consideram anti-petistas. Para o ator, premiado pelo papel de Nilo em “Avenida Brasil”, um passado com o PT não é esquecido. “É igual ex-marido ou ex-mulher. É para sempre.”

Raimundo Fagner já passeou pelos principais palanques. Após apoiar Lula em 1989, migrou para o PSDB para apoiar a campanha de Tarso Jereissati, no Ceará, com a benção do ex-presidente petista. Em 2010, fez parte do coro de artistas que apoiou Marina, mas decidiu não seguir com ela e hoje está com o candidato Aécio Neves, terceiro nas pesquisas. “Não defendo partidos e não fico em cima do muro. Escolho candidatos e nunca fiz show pago. O showmício era a farra da grana”, justifica o cantor, afirmando que vota em Aécio porque conhece a trajetória do político.

Para Fagner, o PT não representa mais a mudança que tanto defende. “O PT foi uma unanimidade e rasgou a cartilha de ideologia do Brasil. Isso é muito grave”. O músico não evita perguntas sobre sua vida política e defende que todos os artistas devem divulgar opiniões. “O candidato não tem que dizer suas propostas de governo? Não é o que se espera? Então esperamos do artista que ele diga porque está apoiando tal figura.”

Figura carimbada nas campanhas políticas, ele lamenta a escassez de caras novas na classe artística engajada. “A nova geração precisa estudar a história do movimento artístico e entender o que as figuras que estiveram envolvidas naquela época pensam hoje. A gente sente falta de caras novas e dá até impressão que o nosso discurso é velho demais. Mas ele é cada vez mais atual e precisa de reforço”, diz.

“O artista é um idiota útil”

O roqueiro Lobão diz que não gosta de polêmica, mas bastaram 17 segundos de entrevista para alfinetar ex-colegas de palanque. “Caetano e Gil pulam de poleiro em poleiro e vão para quem acham que vai ganhar”, dispara. Sua própria mudança, no entanto, é classificada como fruto de uma “higiene intelectual e severa autocrítica”. A “molecagem” o fez entoar versos do “Lula Lá” no programa do Faustão, transmitido ao vivo no dia da eleição. Nestas eleições, defende o PSDB não como a melhor solução, mas como um respiradouro por quatro anos.

“Achava a ditadura uma besteira. E me dava o direito de não ser um cara engajado. Só comecei a me engajar, completamente errado, no final dos anos 80. Achei que o PT merecia aquele momento histórico”, diz. Sobre as críticas por adotar uma postura de extrema-direita anos depois, o músico afirma que as pessoas acham que partido político é time de futebol, e mudar de opinião significa ser vira-casaca. “Nada mais saudável do que a autocrítica. Viver nessa ‘bundamolice’ é falta de coragem. Muitos têm medo de colocar o pau na mesa. Quem é burro é você, meu amigo.”

O músico, que vê a elite cultural atual como inexistente, defende que artista é massa de manobra e idiota útil. “O próprio Caetano até hoje não sabe se o capitalismo é ruim. Então cala a boca e não dê palpite.” Vítima de ataques nas redes sociais, Lobão garante que sua “personalidade possante” não pode ser abatida pela “fúria imbecil” que desperta. “A álgebra do bunda mole é clara. Bunda mole vezes bunda mole dá mais bundamolice. Pau molenga com pau molenga é um pau molengão. Você pode pegar 500 milhões de paus molengas e criar um pau molenga enorme, mas inapto, impotente e medíocre. Por conseguinte, incapacitado de causar qualquer tipo de mal.”

Não existe “salvador da pátria” 

O ator Marcos Palmeira, que também estava na minissérie “O Rebu”, é um dos poucos da nova geração que declara publicamente o voto. Ferrenho defensor de Marina, a quem acompanha desde o trabalho no ministério do Meio Ambiente, Palmeira rejeita a prática de patrulha entre os artistas para descobrir quem estão apoiando. “Cada um é livre e participa da sua maneira, fazer o bem no seu dia a dia é uma forma de participar. Nem todos querem ou podem dar cara a tapa.” Ele fez parte de todo o processo de criação do partido Rede Sustentabilidade, barrado no TSE por falta de assinaturas. 

Sobre o seu apoio a Marina, ele diz ser racional e não fantasioso em acreditar que ela representaria uma figura messiânica. “Ela me representa, simpatizo com ela, mas sei que não virá como a salvadora da pátria. Essa figura não existe. Nós tivemos a prova mais do que concreta nos últimos anos”, explica o ator com alusão clara à esperança depositada no ex-presidente Lula, “que fez avanços”.

O que mais choca o ator – que colou um adesivo no próprio carro com os dizeres “Conserte o Brasil, não reeleja” – é o baixo nível do debate e a especulação que ronda a eleição. “Se você prestar atenção, 90% do que as pessoas falam da Marina é de ouvir falar, não é da boca dela. É muito louco isso.” A nova geração de atores é defendida por ele. “Os jovens não conseguem enxergar o que é certo porque tudo está muito discursivo. Com a ditadura [o engajamento] era mais fácil, você tinha um inimigo comum.”

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo