Arcabouço fiscal é um risco eleitoral para o governo Lula, diz André Singer

Um dos principais estudiosos do lulismo, termo que ele cunhou, o cientista político André Singer, 65, diz que o primeiro ano do terceiro mandato do petista foi marcado por um “reformismo fraco em câmera lenta”.

Na visão dele, nos dois mandatos anteriores do atual presidente (2003-10), houve um processo gradual de distribuição de renda sem provocar perdas radicais para o capital. Agora, diz, esse fenômeno está sofrendo os efeitos do arcabouço fiscal.

“O arcabouço é muito restritivo. Ele impõe uma contenção grande de gastos”, diz Singer, que é filiado ao PT e exerceu os cargos de porta-voz e secretário de Imprensa no primeiro governo Lula.

Em entrevista à Folha, ele diz que o cenário de redução no crescimento pode inverter a sensação de bem-estar da população em 2024, gerando prejuízos para o governo nas eleições municipais de outubro, que podem se estender até 2026. O risco, aponta, é revitalizar a oposição de direita.

“Em anos eleitorais, os governos têm que pôr a balança para cima, no sentido de que as coisas estejam melhorando”, afirma.

A ideia de um “reformismo fraco”, que o sr. usou para definir os governos anteriores de Lula, se aplica ao atual?
O reformismo fraco são mudanças muito graduais, praticamente homeopáticas, que você tem dificuldade às vezes para perceber. Porém, à medida que elas se acumulam, resultam numa mudança mais expressiva. Por exemplo, [nos governos anteriores de Lula] foi ocorrendo um aumento paulatino do salário mínimo real. Cada um era pequeno, às vezes 2%, 3%, mas, no total, acabou dando 70%, o que é bastante coisa.

Essa ideia de lulismo em câmera lenta é minha com o professor Fernando Rugistky [da Universidade of the West of England]. Entendemos que o principal item da política econômica do primeiro ano foi o arcabouço fiscal, que é, na nossa análise, muito restritivo. Ele impõe uma contenção grande de gastos. Segundo cálculos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, se houvesse arcabouço fiscal entre 2003 e 2010, não teria sido possível fazer o que foi feito.

O arcabouço pode matar esse reformismo, ainda que fraco?
O presidente Lula, assim como fez nos dois primeiros mandatos, continua procurando brechas. O arcabouço pode anular as tentativas de reformismo? A rigor, pode. Nós não estamos dizendo que isso vai acontecer. Antes mesmo de tomar posse, o presidente negociou com o presidente da Câmara a chamada PEC da Transição. Ela assegurou os R$ 600 de Bolsa Família e acrescentou R$ 150 a mais por criança. Além disso, conseguiu recursos para dar continuidade a programas que são típicos do reformismo fraco, como o Farmácia Popular.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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