“Altos salários na TV não existem mais”

“Lembro-me da época dos altos salários na TV na década de 1990. Isso não existe mais, é limitado a pouquíssimos apresentadores”. A análise pessoal de Otávio Mesquita sobre o mercado da TV aberta no Brasil é sinal dos novos tempos. Aos 54 anos – quase 30 de carreira -, o apresentador está prestes a reinventar sua história na televisão: em 2014, deixa de ser funcionário para produzir pela primeira vez o próprio programa. “Esse modelo no SBT é um sucesso. RatinhoRaul Gil e Marília Gabriela fazem assim”, explica ele.

As emissoras não divulgam dados exatos, mas passando o olho pelas grades de programação é fácil detectar que em alguns casos no mínimo 10% da programação são parcerias – onde os apresentadores e produtoras não têm contrato padrão de trabalho ou produzem de maneira independente todo o conteúdo.

Otávio assistiu a toda essa movimentação de camarote: ele já havia deixado para trás a época áurea da televisão brasileira – que conheceu bem de perto -, quando deixou o comando do “Claquete”, da Band, em dezembro de 2013, após 16 anos de emissora.

Em 1998, quando assinou contrato com a Manchete para apresentar o “Domingo Total”, Otávio recebia um salário que ultrapassava R$ 100 mil com as participações publicitárias. “Teve mês que o faturamento passou disso e sobrou esse valor no meu bolso, acredita? Bons tempos, era feliz e não sabia (risos)”, lembra, com bom humor, sobre o programa que ficou marcado pelos serviços do astrólogo Walter Mercado, dono do inesquecível bordão “Ligue Djá”. A fase de sucesso o levou ao primeiro emprego no SBT. “Tinha um salário igual aí ao do (Celso)Portiolli“, compara.

Portiolli é um dos raros apresentadores fora da Globo (ali ainda os contratos padrão prevalecem) que permanece no sistema de contrato longo, assim como ElianaFaustãoAna Maria Braga, Rodrigo Faro e, mais recentemente, Sabrina Sato.

Fifty-fifty

Uma década depois, a volta de Mesquita ao SBT se estabelece em um cenário desfiador, em que apresentadoras do porte de Adriane Galisteu e Daniella Cicarelli topam trabalhar de graça. “Estou propondo um modelo de negócio, uma parceria entre a emissora e o artista. No faturamento total, são retirados os custos que a TV tem e o restante é dividido 50% para cada parte”, explica Otávio, sobre o modelo que também pode incentivar a volta de Gugu Liberato à televisão este ano.

“Para alguns apresentadores é uma ideia interessante e para a emissora é redução de despesas na certa, pois elas são pagas pelo faturamento, além de não precisar pagar altos salários”, comenta o apresentador, assumindo os riscos. “O problema do apresentador é o programa não faturar, mas isso dificilmente acontece porque é tudo planejado. Sempre fui publicitário e tenho uma rede de negócios e relacionamentos grande”.

Terceirização da programação

Em busca de alternativas, os modelos de parceria são inúmeros. Em alguns casos, com salários menores acrescidos de cachês e participações nos merchandising para engordar o montante das disputadas estrelas. Em outros, a saída está em produções totalmente independentes, como é o caso do “50×1”, comandado por Álvaro Garnero na Record.

Após um período de experiência como funcionário da Rede TV!, em 2005, o apresentador decidiu botar a mão na massa – da pauta à edição – e entregar o programa pronto para ser exibido.

“Era um projeto caro e a Record não queria arcar com isso, com hora extra de equipe para viajar 200 dias por ano. Então decidi não ser funcionário da Record e montei a Amora Produções. Quando a emissora procura a terceirização da programação, ela busca minimizar custos”, analisa Álvaro, que comanda uma equipe com seis pessoas. “No meu caso, o apresentador banca a produção, divide as cotas de publicidade com a emissora e cada um vende a sua parte”, explica.

Álvaro também estipulou dividir o conteúdo em temporadas para otimizar o tempo e os gastos. “O primeiro programa durou 1 ano e 3 meses direto. Foi cansativo e caro. Mudamos para temporadas menores e anuais”, conta, festejando a sexta edição da atração, exibida aos domingos na emissora do bispo Edir Macedo.

A decisão do dia de exibição na grade é da emissora, que, nesse caso, também disponibiliza dois diretores para acompanhar à distância os episódios e se responsabilizar pela aprovação do conteúdo que vai ao ar.

R$ 50 milhões de receita

A longevidade da parceria e do modelo, no entanto, depende do apoio de boas marcas desde a estreia. Do contrário, o modelo está fadado a naufragar. “Tive uma experiência mal-sucedida com produção independente na Record. Eu mesmo vendia o espaço publicitário, mas a emissora cobrava cerca de US$ 20 mil pela venda do horário, um preço maior do que o faturamento que eu tinha vendendo todas as cotas de publicidade, fora o custo com a produção. Resultado: durou quatro episódios”, recorda Paulo Markun, jornalista e ex-presidente da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura.

Proprietário da produtora Revanche há 15 anos, Markun atualmente finaliza 23 episódios do próprio programa, “No Retrovisor”, previsto para estrear no Canal Brasil em abril deste ano.

“Meu programa nasceu com dois patrocínios fortes, de uma cervejaria, a Itaipava, e da Nestlé. Esse planejamento tem que ser feito antecipadamente para o ano todo”, adverte Álvaro, que em 2013 contabilizou R$ 50 milhões de receita com o programa, quase 70% a mais do que o gasto de produção. “Para 2014, havia três cotas disponíveis e cinco patrocinadores querendo entrar”, comemora o produtor de outras atrações exibidas pela Record, como “Extreme Makeover” e o reality show “Amazônia”.

Sem exclusividade

A parceria, explica Álvaro, garante independência ao produtor para negociar com outras emissoras. “Não há exclusividade, mas a preferência é da Record. Se eles não se interessam ou se já foi exibido primeiro lá, posso colocar o programa no mercado”, explica, sobre a possibilidade de também emplacar atrações nos canais por assinatura.

Amaury Jr, na Rede TV!, Astrid Fontenelle, com o ‘Chegadas e Partidas’Selton Mello, com ‘Sessão de Terapia’, no GNT, e Lázaro Ramos, no Canal Brasil, já produzem seus próprios conteúdos independentemente. Esse movimento é irreversível e definitivo”, analisa Mauro Garcia, diretor executivo da Associação Brasileira de Produtoras de TV.

Lei da TV Paga

Em contrapartida à lei da selva que se estabelece nas relações entre produtores independentes e emissoras, onde vence o mais forte – leia-se o que vende mais publicidade -, uma novidade surge como céu de brigadeiro para os produtores independentes. Aprovada em agosto de 2011, a Lei do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) – também conhecida como Lei da TV Paga – obriga a ampliação do espaço nas grades, no mínimo de três horas e meia, para a exibição de conteúdo nacional, terceirizado e independente dos canais.

O impacto já é sentido e, apesar de destinada à TV Paga exclusivamente, há quem aposte na contaminação do mercado de produção audiovisual como um todo. “A Lei da TV paga dá fôlego para as produtoras. A TV é uma fábrica de demanda, vai estimular ainda mais a criatividade do nosso trabalho”, analisa Álvaro.

E os números já confirmam um crescimento jamais visto. Só no ano passado, a O2 Produções, deFernando Meirelles, finalizou 13 projetos televisivos – entre eles as séries “Som e Fúria”, “Antônia” e “Cidades dos Homens”, exibidos na Globo – contra 5 em 20 anos. A nova produção, “Os Experientes”, estreia na emissora ainda em janeiro. “Só vejo horizonte azul para as produções independentes. Nosso departamento agora conta com dois executivos de televisão, contratamos roteiristas, assistentes. São seis, sete pessoas a mais, além daquelas que possuem contrato por projeto, que chega a precisar de cem pessoas”, diz Andréa Barata Ribeiro, diretora executiva e sócia de Meirelles, listando as vantagens das produções terceirizadas.

“A emissora tem acesso à novidade de trabalhar com bons roteiristas, diretores e produtores que estão no mercado sem o custo operacional de ter uma equipe fixa na folha de pagamento. No caso da TV paga em especial, boa parte das produções poderá ser financiada”, aponta Andréa, citando o Fundo Setorial, de fomento à produção audiovisual, que acumula R$ 2 bilhões para serem destinados a produções nacionais para os canais por assinatura.

G2C e Band Content

E, enquanto a banda toca de lá, as emissoras da TV aberta já ouvem a música e começam a ensaiar alguns passos da dança. Recentemente, alguns canais de televisão criaram departamentos para gerir em conjunto os conteúdos que serão exibidos. A Globo criou o G2C para cuidar da gestão e distribuição nos canais da TV paga e aberta e a Band fez a mesma coisa criandor a Band Content, que cuida da distribuição e gestão do conteúdo próprio e da produção de terceiros nas duas frentes.

 

“São dois movimentos importantes que estão acontecendo nos dois setores. Na TV aberta, as produções independentes têm proporções menores, mas elas devem acontecer cada vez mais”, completa Mauro.

Lento, mas progressivo

“Boa parte das TVs brasileiras tem estrutura de produção considerável porque historicamente foi assim que surgiu o modelo no Brasil, copiando o modelo da rádio e seu próprio conjunto de artistas, funcionários, etc. Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, onde a TV tem inspiração do modelo do cinema e vive com o conteúdo das produtoras independentes”, explica Markun. Ainda que com certa timidez, o cenário das produções independentes se estabelece no Brasil e vai modificando as grades de programação. Há ainda a questão das igrejas, clientes que pagam valores altos para ocupar bons e longos horários das emissoras.

“Vi o pouco espaço para produções independentes acontecer na própria TV Cultura, que tinha uma estrutura interna disponível e estabelecida que acabava pressionando para que as coisas continuassem a ser produzidas internamente”, cita Markun, que aponta para os sinais do futuro. “Isso tende a mudar por causa da nova legislação e da crise do setor. A Globo é exceção porque o faturamento se sustenta, ainda que a audiência tenha caído. Mas todas as emissoras vivem um momento de crise em decorrência de um processo mundial de queda de audiência. A terceirização do conteúdo tem sinais evidentes de crescimento, parte de um processo lento, mas progressivo. Particularmente, eu tenho trabalhado nisso”, aposta Markun.

Fonte: iG

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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