Agora não é tarde: Divórcios na 3ª idade disparam 239% em Salvador nos últimos dez anos

O Natal da artista plástica Maria Rita Pardo, 69 anos, é quase um comercial de margarina. Foi com os cinco filhos e os netos passar o feriado, a ceia, a troca de presentes e tudo que o dia pede na praia de Barra do Gil, na Ilha de Itaparica. Só tem uma coisa que é diferente daquele tipo estereotipado de família grande: não tem um marido em uma das pontas da mesa. E ela não pretende mudar isso.

Há seis anos, depois de 47 juntos, o ex-marido decidiu sair de casa. Nas palavras de Maria Rita, “encontrou uma mulher mais novinha” por quem se apaixonou. Entre trancos e barrancos, o divórcio saiu no ano passado. E, hoje, ela é uma das pessoas com mais de 60 anos que decidiram tomar uma decisão que, até algum tempo atrás, era bem rara: se separar na terceira idade.

Em Salvador, o número de divórcios entre pessoas com mais de 60 anos mais do que dobrou, em uma década, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Lá em 2003, o número de divórcios ficou na marca dos 1.600. Já em 2013, foram 3.822. Ou seja: houve um aumento de 239% nas separações entre os idosos. A capital tem índice maior que  o estado,  a região Nordeste e o país (ver abaixo).

“Quando a gente vê que não vai mais dar certo, não quer prender ninguém. Hoje, eu que estou livre e não quero nunca mais perder essa liberdade”, conta a professora, que ostenta cabelos curtos arruivados, sobrancelhas bem arqueadas e três tatuagens. Estas – todas feitas no ano passado, por um dos filhos, que é tatuador – incluem uma cruz na têmpora direita, uma lua no braço direito e o símbolo do signo de Libra nas costas. Aos risos, conta que viu na televisão e achou bonito. Decidiu fazer.

Nesses seis anos, voltou a trabalhar: dá aulas de artes na Universidade Aberta da Terceira Idade (Uati), na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), e de artesanato e pintura em tecido na casa onde mora, no Cabula. Quatro dos filhos moram com ela – desses, dois são casados, mas construíram casas nos andares de cima. Não tem uma semana em que não vá a um baile com as amigas.

 

 

Maria Rita tem um namorado há dois anos e se encontram eventualmente, mas ele não participa ativamente da vida. É o segundo desde o divórcio: o primeiro acabou porque tentou interferir demais em sua rotina. “Não quero mais lavar cueca”, brinca. Já o ex-marido… “Ele não vai (passar as festas de fim de ano com a família), e a gente nem se encontra. Ele está com outra pessoa, procura os filhos pelo Face(book)”, explica ela.

Hora ideal
O professor aposentado José Diogo Santos Monteiro, 76, engrossa duplamente as estatísticas de separação entre idosos. Aos 60, se divorciou pela primeira vez. Na segunda separação, já tinha 70. Em ambos os casos, o motivo foi o mesmo: queria mais liberdade. “Eu sempre fui um cara livre e hoje, solteiro, sou ainda mais livre. Não tenho essa responsabilidade de ter horário para chegar em casa”, conta.

Os 20 anos de união com a primeira esposa não foram impedimento para tomar coragem e pedir a separação. “Não tem por que se preocupar com os anos. O mais importante é a convivência”, comenta ele, que tem uma filha de 28 anos com a primeira mulher e um filho de 20 com a segunda. Com esta, foram mais 10 anos de união. “Moramos juntos, mas não estava mais dando certo”, diz o solteirão.

Maria Rita tem a mesma percepção sobre o tempo certo de mudar os rumos. “Se eu soubesse, teria me separado antes. No início, tudo era perfeito, mas, depois, ele só ficava reclamando de tudo. Muitos homens são assim. Se tornam rabugentos, falam mal e mexem com a sua autoestima”, lamenta ela.

Hoje, a artista plástica recomenda que as amigas façam o mesmo. Afinal, para quê continuar insistindo em algo que não dá certo? “Você chega na terceira idade, vai ficar parecendo um móvel velho em casa, sofrendo, em depressão? Vivo aconselhando minhas alunas a fazer o que fiz”, revela.

Tendência
Na Região Metropolitana de Salvador, o aumento foi ainda maior: 253% a mais, no número de uniões desfeitas. Os números daqui seguem uma tendência, mas são menores do que os do estado inteiro (221%), da região Nordeste (212%) e do país (183%).

Para o coordenador de disseminação de informações do IBGE, André Urpia, isso ainda representa um número pequeno, quando se observa o total de casamentos em Salvador e nos outros contextos. Mas, na maior parte das vezes, acontece como foi com Maria Rita: o homem pede o divórcio. “É assim depois dos 30 anos de casamento. É o contrário dos primeiros anos, quando a mulher costuma pedir mais, segundo os dados que temos”.

Isso, para ele, também está diretamente relacionado ao percentual de novos casamentos. Embora os homens encarem mais frequentemente uma nova união, o interesse das mulheres está começando a crescer também. “Acredito que a coisa do estilo de vida pode contribuir para isso. E tem toda essa questão do empoderamento feminino, da confiança de partir para um novo casamento”, opina.

A professora Celeste Guedes, 70, afirma que não pretende casar de novo, e diz que sua vida está muito bem assim, obrigada. Há cinco anos, o marido também quis sair de casa para viver com outra mulher. “Ele disse para mim que encontrou uma de 52 com corpinho de 25”, lembra ela. Dois anos depois, veio o divórcio no papel. Na época, não foi fácil. Ela precisou de um tempo para se reerguer.

Atualmente, não tem namorado e nem pretende. O ex foi seu primeiro, mas, agora, só quer saber de curtir as três netas. Mora sozinha em um apartamento na Estrada Velha do Aeroporto e, duas vezes por semana, tem aulas também na mesma Uati onde Maria Rita trabalha. Viaja sempre para as praias de Jauá e Barra do Jacuípe com as filhas.

O feriado de Natal é todo na casa da filha mais velha, de 43 anos. Além dela, tem um filho de 39 e três netas. Encontra o ex vez ou outra nos aniversários da família e, no Natal, ele passa na ceia após  a meia-noite – sozinho, sem a nova mulher. “Fica cada um no seu canto. Nunca brigamos pessoalmente durante a separação. Foi tudo na Justiça. Tem que ser assim. Se não está feliz, tem que partir para outra. Não espere 43 anos”, aconselha.

Fonte: Correio da Bahia

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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