‘Ação contra poder é tradição anarquista’, diz ícone da contracultura

Qual a relação das manifestações com o anarquismo? Em que medida a violência se legitima enquanto forma de protesto? Apartidarismo ou antipartidarismo?

Claudio Willer, 72, dinossauro da contracultura brasileira, parceiro de Roberto Piva, com inúmeros livros publicados, seja como tradutor, poeta maldito ou ensaísta –suas especialidades são a geração beat e o surrealismo–, apresentou uma conferência na noite de quinta, na PUC-SP.

Willer foi presidente da UBE (União Brasileira de Escritores), em quatro mandatos, é doutor em Letras na USP, tendo ministrado ali um curso de pós-graduação e dois de extensão universitária.

A conferência foi mediada pelo professor Edson Passetti, da pós-graduação de Ciências Sociais da PUC. Passetti interveio várias vezes:

“A revolta é fundamental. Gostamos muito dela. Meu respeito aos que apanharam e bateram na polícia. São saudáveis, e não vândalos.”

“Colocar o vandalismo como minoritário tem como endereço certo inibir este potencial. Pedir para a polícia acompanhar uma manifestação… sinceramente, aí vira desfile.”

Na plateia, vários alunos de graduação e pós-graduação. A seguir, trechos da conferência, acrescidos a outros de entrevista de Willer, depois, num boteco da Vila Madalena:

ANARQUISMO

Tomando a liberdade como valor fundamental, identifico-me como anarquista. A liberdade não é um valor, é uma prática. Sou também antipartidário, na medida em que a representação extra-partido traz mais resultado pois escapa da instrumentalização e do aparelhamento.

Há um gene de anarquia em manifestações localizadas como a da Rocinha, em que os moradores pediram saneamento, em vez de teleférico.

As manifestações despontaram fora das capitais, em cidades como Chapecó, Imperatriz ou Macapá. É algo sem precedentes. Lula e Dilma estão sendo devorados pelo monstro que engendraram.

SOCIAL DEMOCRACIA

Está havendo uma crise da representatividade. Mas os resultados das manifestações visam ao aperfeiçoamento da democracia representativa.

Temas como subvenção do transporte e melhoria de serviços públicos fazem parte de uma pauta social-democrata.

Não tem nada a ver com maio de 68. Eles querem que as instituições estatais e empresariais funcionem melhor. Gostaria que a burocracia entrasse na pauta, ela é tão séria quanto a
corrupção.

GOVERNO

Resta ver se a rapidez meteórica do atendimento a reivindicações não irá liquidar de vez a credibilidade de dirigentes e representantes.

O que o Congresso fez, votando de bate-pronto, pode ter o efeito da convocação dos Estados Gerais na França em 1789: em vez de atenuar a crise, resultou na queda da Bastilha e na deposição da monarquia. Transformar a corrupção em crime hediondo é o típico formalismo brasileiro.

MÍDIA

As relações entre a mídia e a sociedade são complexas e ambivalentes. À condenação das manifestações nos jornais e na TV seguiu-se a repercussão da violência policial, o que ampliou o apoio dado a elas. As depredações foram mostradas com ênfase desproporcional -mas isso não desmobilizou a opinião pública.

REDES SOCIAIS

Com 100 milhões de pessoas conectadas, o que chega é o meio digital. Mas há uma tensão séria entre a rede livre, como o “repórter ninja”, e o Facebook, obtusamente aparelhado por militantes de direita e evangélicos.

Montamos um dossiê com 61 relatos dos vexames a que são submetidos os usuários que se manifestaram contra a censura de imagens artísticas como “O Nascimento de Vênus”, de Boticelli. Também chegaram casos de censura a temas políticos dos protestos.

VIOLÊNCIA

É legítima para quem faz, mas não tem legitimidade social. O histórico de ações diretas é desastroso. Agora, saques e invasões são coisas diferentes. Uma coisa é a intervenção simbólica em prédios associados ao poder constituído. Estes que o fazem, assim chamados entre aspas de vândalos, continuam uma tradição do anarco-niilismo.

Outra coisa são os saques, cometidos pela mesma turma que faz arrastões.

MPL E PERSPECTIVAS

Eram minoritários e cresceram com uma mídia instantânea. Revoltas anteriores, do século 18 à contracultura, tiveram um fundamento e uma expressão filosófica, artística, poética. Qual o fundamento e qual a expressão cultural das manifestações atuais?

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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