A crise da democracia – José Viegas

Quando li a coluna do Merval na quarta-feira, embora não tenha visto o artigo de The Economist, pensei: não posso deixar de me meter nesse assunto – a crise da democracia representativa.

Primeiro porque ela é global. Fora, quem sabe, os países nórdicos, nenhuma sociedade democrática está institucionalmente e animicamente feliz. Segundo, porque as causas desse processo são múltiplas.

A crise da democracia parece andar de braços com uma deterioração também global na qualidade de vida: vão piorando os processos decisórios (públicos e privados), a qualidade dos serviços prestados (públicos e privados), assim como parecem também andar de braços dados uma expansão progressiva e avassaladora da corrupção e uma descrença também crescente e profunda no sistema representativo.

Terceiro porque não se vê solução à vista.

Em resumo, o capitalismo liberal e a democracia representativa, que são os sistemas dominantes no mundo, não se têm mostrado capaz de enfocar e resolver os principais problemas do nosso tempo.

As principais questões do planeta estão por resolver. Pior, tudo indica que estão se agravando os desequilíbrios climáticos, os problemas financeiros, os sistemas urbanos, a desigualdade, a corrupção, o terrorismo, a segurança pública, a já mencionada má qualidade dos serviços, ou seja, uma pilha de fracassos que são a própria expressão da crise da representatividade democrática.

Um governo que seja ao mesmo tempo a favor das liberdades individuais e coletivas, disciplinador e regulador eficaz das atividades econômicas, capaz de sobrepor-se às estruturas organizadas de corrupção e merecedor do apoio ativo dos cidadãos é um sonho que vai ficando cada vez mais distante da realidade. É preciso que a democracia cumpra as suas promessas.

A culpa, logicamente, não é da China nem de qualquer país pouco democrático, mas economicamente bem sucedido. A culpa, logicamente, não é de Adam Smith, o melhor teórico do capitalismo, e sim da maneira pela qual estamos encarando os problemas da atualidade, tanto na escala macro – a ausência de uma ordem ou um consenso global – quanto na escala micro – a qualidade da vida dos seres humanos.

A meu ver, a razão principal que nos levou a esta situação verdadeiramente preocupante, está no processo de desregulação da economia mundial, que começou com Reagan e Thatcher e se desenvolve desde os anos 90, causando, entre outras coisas, a maior crise financeira desde a Grande Depressão, a maior concentração de renda da história dos Estados Unidos e de outros países, o afrouxamento dos controles e das restrições sobre a movimentação do dinheiro e a fermentação de um clima de permissividade e desfaçatez que foi se estendendo a todos os domínios da vida (pública e privada).

Não há como negar que esse clima de desordem e impunidade facilitou a vida dos corruptos e dos que agem em função dos interesses próprios, dá força aos adeptos de soluções violentas e está na raiz da atual crise da democracia representativa.

José Viegas é embaixador aposentado e ex-ministro da Defesa

 

Fonte: Blog do Noblat

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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