Não está fácil ser homem hoje – Vera Iaconelli

Os homens têm sido criticados o tempo todo por tudo. As reações deles vão do ressentimento mudo à franca violência. O cidadão que já foi modelo de virtude, cujo comportamento estava acima de qualquer suspeita, se vê pela primeira vez julgado por parâmetros inéditos. Se colocarmos de lado os que têm convicção no erro e “só não estuprariam mulheres feias” como alguém disse, teremos bons homens perplexos e deprimidos com a situação.

Como toda criação humana, os atributos que associamos à virilidade são contingentes e mudam a partir da cultura e da época. A virilidade hoje se ancora na exceção, no privilégio e no poder sobre os demais.

Uma mãe se queixa dos filhos homens que exploram seu serviço doméstico e gastam seu salário dizendo que “não tem jeito, eles são homens”. Outra dirá do companheiro controlador e negligente que “os homens são assim”. Essas afirmações não passam despercebidas pelos ouvidos infantis. Sem se dar conta, a queixa embute a afirmação de que esses são atributos masculinos, portanto, quem quiser ser considerado homem deverá seguir-lhes o exemplo ou terá sua masculinidade posta à prova.

Denunciar comportamentos misóginos é diferente de atribuí-los a uma suposta natureza masculina. Assim como grande parte das mulheres recusa os adjetivos “bela, recatada e do lar” por não definirem a feminilidade, assim também cabe questionar os termos que seriam intrínsecos à masculinidade.

Os homens foram criados para tomar a palavra por períodos mais longos e interromper as mulheres sempre que quiserem, pois suas opiniões seriam mais importantes. Criados para não prestar atenção no que elas dizem e para repetir o que acabaram de dizer como se não tivesse sido falado, pois o que sai da boca delas conta menos.

Eles foram criados com todo cuidado para não viverem situações de fragilidade e constrangimentos, enquanto a fragilidade feminina é suposta de saída. Ao saírem de casa, os meninos exigem o mesmo tratamento ainda que nem se deem conta disso. A posição que ocupam torna difícil, por exemplo, para muitos homens acreditarem no fato de que uma mulher não se renda aos seus encantos, pois tudo é feito de forma a camuflar a fragilidade masculina sempre à espreita.

A abordagem sexual implacável, que já foi considerada masculina e normal, passou a ser denunciada como abusiva, deixando alguns homens incrédulos diante da recusa feminina. Afinal, eles são irresistíveis, enquanto as mulheres não sabem direito o que querem, pois “La donna è mobile”.

“Anatomia de um escândalo” (Netflix, 2022) ajuda a pensar a confusão de línguas com a qual estamos nos deparando. Para além da monstruosidade que associamos aos casos de estupro, a série tem a qualidade de apontar para a arrogância como fundamento de uma masculinidade execrável e violenta, que não escapa aos cidadãos bem intencionados.

O mal-estar masculino de hoje é bem-vindo, pois passa pelo reconhecimento de que não vai ser fácil desfazer o engodo a partir do qual foram criados. Tampouco é fácil enfrentar a própria resistência a se considerar um igual.

Infelizmente a misoginia também é reproduzida pelas mulheres que se identificam com esse lugar de poder sobre o outro, tanto na posição subalterna —quando apelam para um mito masculino—, quanto na posição de dominação —quando querem elas mesmas ocupar esse lugar.

Aos homens que desejam estar à altura de seu tempo, que sirva de consolo que incômodo e o luto são condições desejáveis e necessárias para que mudanças ocorram.

Aos demais, devo informar: seus dias estão contados.

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e “Criar Filhos no Século XXI”. É doutora em psicologia pela USP

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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