Leis antiterrorismo em tramitação no Senado preocupam movimentos sociais

Passada a aprovação do Marco Civil da Internet na Câmara dos Deputados, na última terça-feira (25), o foco agora se volta para a casa vizinha. O Senado, além de ser o atual responsável por conduzir o texto de regulamentação da internet, pode, a qualquer momento, nas próximas semanas, avançar com a tramitação das leis antiterrorismo – como foram apelidadas – e que estão estagnadas desde o final de fevereiro.

O Marco Civil da Internet chegou oficialmente ao Senado na última quarta-feira, 26, e pode contribuir para atrasar ainda mais a votação desses projetos que, de acordo com os seus articuladores, deveriam ser aprovados antes da Copa. Se o Marco Civil não for debatido e votado em 45 dias, passa a trancar toda a pauta da Casa, impedindo que qualquer proposta legislativa seja votada.

De um lado, diminuem as probabilidades de ter uma legislação antiterrorista promulgada antes da Copa do Mundo, que se inicia em junho. De outro, o Senado mantém na pauta a possibilidade de que, a depender das articulações políticas, uma lei antiterror seja aprovada a toque de caixa.

A tentativa de tipificar o terrorismo na legislação brasileira é atualmente encabeçada por três projetos de lei diferentes.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 728, de 2011, é o pioneiro e, provavelmente, o menos promissor dos três. Apresentado pelos senadores Marcelo Crivella (PRB RJ), provável candidato ao governo do Rio, Ana Amélia (PP RS), futura candidata ao governo gaúcho; e Walter Pinheiro (PT BA), o texto pretendia tipificar o terrorismo antes mesmo da realização da Copa das Confederações 2013 e cita explicitamente a Copa 2014 como justificativa, argumentando que é preciso que “honremos os compromissos assumidos na subscrição dos Cadernos de Encargos perante a FIFA”.

O PL 728 foi enviado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) no final de fevereiro e, somente no dia 24 de março, foi designado à relatora Gleisi Hoffmann (PT PR). Caso aprovado na CCJ, não precisa ir a Plenário e segue diretamente para a Câmara dos Deputados (decisão terminativa).

Entretanto, nas quatro comissões em que tramitou, o PL 728 recebeu pareceres desfavoráveis de três – apenas a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) o aprovou. Prevê penas de 15 a 30 anos para quem “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo” (em caso de morte, a pena aumenta para 24 a 30 anos). A pena aumenta um terço se praticado em estádios de futebol no dia de jogos da Copa. O PL ainda define penas para terrorismo contra coisa (8 a 20 anos), ataque a delegações (2 a 5 anos), violação de sistemas de informática (1 a 4 anos), falsificação (2 a 6 anos) e revenda ilegal de ingressos (6 meses a 2 anos) e falsificação de credencial (1 a 5 anos), dentre outros.

A condenação mínima do PL 728 é cinco vezes a prevista pela Lei 7.170/83, a quarta e última Lei de Segurança Nacional da Ditadura Brasileira, ainda em vigor, que prevê 3 a 10 anos de reclusão para quem “praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo”. Foi esta a Lei aplicada no enquadramento de Humberto Caporalli, 24 anos, e Luana Bernardo Lopes, 20, durante o protesto em 7 de outubro do ano passado, no Centro de São Paulo. Na época, os dois jovens foram acusados de participar do quebra-quebra de uma viatura policial, detidos na delegacia e encaminhados a Centros de Detenção Provisória no estado (leia o depoimento de Humberto aqui). A acusação dos jovens sob a legislação do período ditatorial chegou a ser criticada pela ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Duas semanas após o PL 728 ter sido proposto, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), líder do partido no Senado, apresentou uma proposta bastante similar, o PLS 762/11.

A definição de terrorismo e a pena são exatamente as mesmas do PL 728, com pequenas modificações nos critérios que levam ao aumento da condenação: o PL 762, por exemplo, define que a pena aumenta de um terço se o terrorismo é praticado “em locais de grande aglomeração de pessoas”.

O PL 762 também prevê condenação ao terrorismo contra coisa e traz penas para incitação ao terrorismo (3 a 8 anos), grupo terrorista e financiamento ao terrorismo (5 a 15 anos).

O futuro do PL 762 é duvidoso. O projeto esteve próximo a ser votado na CCJ, ao final de 2012, após receber relatório favorável do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Entretanto, o próprio senador Aloysio Nunes retirou o PL da Pauta atendendo a um ofício da Presidência do Senado para que o texto tramitasse em conjunto ao PL 707/11, do senador Blairo Maggi (PR MT).

O texto de Maggi, por sua vez, apesar de ter sido publicado em novembro de 2011 não havia avançado na tramitação nem conseguido relatórios favoráveis, como obteve o PL 762 de Aloysio. Além disso, a definição de terrorismo do texto de Maggi é distinta:

Por fim, ambos os projetos foram anexados ao PL 236/12, da reforma do Código Penal Brasileiro, que tramita com mais de 140 projetos apensados – tornando ainda mais complexo o futuro da lei antiterrorismo. Agora, é preciso que o Senado vote a reforma do Código Penal para que o PL 762 seja aprovado.

A lei antiterror

Após o PL 762 ser apensado à reforma do Código Penal, o mesmo senador Aloysio Nunes participou do PL 499, talvez o mais conhecido dos projetos antiterrorismo. Proposto por uma comissão mista de 14 senadores e deputados presididos pelo senador Romero Jucá (PMDB RR) e o deputado Cândido Vaccarezza (PT SP), o projeto foi publicado em novembro de 2013.

O texto tem pontos bastantes similares ao 762 e ao 728, define terrorismo como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”, e mantém a mesma pena de 15 a 30 anos de reclusão. O projeto também prevê condenação ao terrorismo contra coisa, incitação, formação de grupo terrorista e financiamento.

A diferença é que, por ser proposto por uma comissão mista, o PL 499, inicialmente, não precisaria passar à CCJ e seria avaliado – e votado – pela própria comissão que o propôs no Senado e na Câmara.

Contudo, em fevereiro de 2014, o senador Paulo Paim (PT RS) entrou com requerimento para que o texto fosse enviado à Comissão de Direitos Humanos. “Eu apresentei a pedido de comissões de direitos humanos do Brasil e a nível internacional. Me apresentaram que essa lei, da forma que está, irá criminalizar os movimentos sociais”, explica o senador à Pública.

Paim confirmou que o requerimento foi uma estratégia para que a matéria não fosse votada prontamente. “Da forma genérica como está escrito, abre espaço para você inibir que haja manifestações como as jornadas de junho que aconteceram no País. Não terá o nosso apoio. Eu acho que não há necessidade ter uma lei antiterrorismo no Brasil. É um trabalho desgastante, desnecessário e que não corresponde à realidade da jovem democracia brasileira”, completa.

O deputado Cândido Vaccarezza discorda: para ele, é necessário que o Brasil tenha uma lei antiterrorismo. “Há 25 anos, quando foi elaborada, a Constituição disse o seguinte: é preciso ter uma legislação específica do crime de terrorismo que será regulamentada em Lei Federal – isso nunca foi discutido ao longo desses anos”, disse à reportagem. O deputado explicou que o PL 499 se insere em um conjunto de mais de 100 assuntos que estão sendo avaliados pela Comissão Mista da Consolidação da Legislação Federal e regulamentação de dispositivos da Constituição Federal, criada em 2013 pelo Senado e Câmara.

Quando questionado se a legislação poderia criminalizar movimentos sociais, Vaccarezza responde: “isso é uma crítica de quem não entende do assunto. Não existe hipótese em um projeto desse de criminalizar movimentos sociais. Não cabe na lei”, assegura.

Vaccarezza afirma que o PL 499 não tem nenhuma relação com as manifestações de rua ou black blocs. “Nada disso. Tem relação com o seguinte: vai ter Copa, teve a vinda do Papa, o Brasil cada vez mais vai receber eventos internacionais, vem o Elton John na Bahia… Se um grupo terrorista quiser matar metade da delegação americana, vai ser julgado no Brasil pelo Código Penal, não tem um código específico para punição de crime terrorista”, argumenta.

Fonte: iG

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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