86% das questões do Enem criticado pela direita foram feitas sob Bolsonaro

De todas as questões que caíram no primeiro dia do Enem 2023, no último domingo (5), 86% foram elaboradas durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Os dados foram apresentados pelo presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Manuel Palácios, nesta quarta (8) na Câmara dos Deputados.

Palácios foi chamado à comissão de educação da casa para falar sobre o exame, alvo de ataques de políticos de direita e da bancada ruralista. Essa é a primeira edição do Enem sob este mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A prova continua no próximo domingo (12).

Na segunda-feira (6), a Frente Parlamentar da Agropecuária publicou nota em que pede anulação de duas questões, que tratam da Amazônia e do cerrado. A nota diz que as perguntas têm viés ideológico, sem “critério científico”, e criam imagem negativa e distorcida do agronegócio.

Como já havia feito em entrevista à Folha, o presidente do Inep defendeu os critérios técnicos da elaboração das provas do exame. O processo envolve a escolha de professores elaboradores por meio de edital público. O último ocorreu em 2020.

De acordo com as informações apresentadas na Câmara, 82 das 95 questões (86%) que compuseram o primeiro dia de prova foram elaboradas entre 2019 e 2021, que compreende o governo Bolsonaro.

Na prova de linguagens, 43 das 45 foram feitas nesse período. Já na de ciências humanas, que causou maior polêmica, 39 dos 50 itens são relativos a produções entre 2019 e 2021 —os estudantes só fazem 45 questões também nessa prova, mas aparecem 50 porque ele escolhe entre as cinco perguntas de inglês ou cinco questões de espanhol no momento da inscrição.

“Fazemos o possível para assegurar liberdade e independência na construção desses instrumentos [de avaliação]. A intervenção da presidência do Inep não pode acontecer. Porque, repito, professores são os responsáveis por fazer provas. E o processo de seleção desses professores é público e obedece a um conjunto de regras”, disse.

Na reunião, realizada na manhã desta quarta, parlamentares de direita insistiram que este Enem teve uma abordagem ideológica, o que Palácios rebateu. À Folha ele havia dito, na terça (7), que as perguntas do exame não pedem que o estudante concorde com temas abordados, mas que compreenda o que os textos dizem.

Ele ressaltou, na Câmara, que “a resposta correta não depende de opinião” e tem relação com a avaliação de habilidades cognitivas. Disse ainda que os textos escolhidos pelos elaboradores são extraídos de fontes legítimas e reconhecidas pela comunidade cientifica e que a composição das equipes de elaboração é feita com critérios públicos.

Palácios também defendeu, mais uma vez, a pluralidade da prova e a normalidade de que temas do exame causem controvérsia.

“Ciências humanas lidam com problemas da sociedade, então tendem a ser mais provocadores do que outros temas”, diz. “[Há] trechos que são claramente liberais e estão presentes na prova, mas também não é questão que importe”.

Sobre as acusações de que a prova teria sido usada para atacar o agronegócio, Palácios disse que não houve esse objetivo e insistiu que o foco é avaliar habilidades cognitivas de compreensão.

“É claro que o Enem não demoniza o agronegócio, é claro o Inep não demoniza o agronegócio, é claro que todos reconhecemos a imensa importância do agronegócio para o país. Mas isso não precisa ser dito, é um tanto óbvio e não parece ser um tema relevante nessa discussão”, disse.

Não é a primeira vez que o Enem é alvo de ataques de grupos políticos por causa de questões da prova. O ex-presidente Bolsonaro e aliados de direita já acusaram a prova de fazer doutrinação de esquerda.

Reportagem da Folha publicada em 2021 mostrou que perguntas que causaram polêmica e foram alvo de Bolsonaro e aliados tiveram qualidade técnica para avaliar competências. Ou seja, foram eficientes em apontar os melhores candidatos.

As questões do Enem são produzidas por professores universitários a partir de editais elaborados pelo governo. Ainda passam por um longo processos de revisão e validação de uma comissão.

Os itens são pré-testados (várias pessoas respondem às questões) para que haja a calibração de vários atributos, como grau de dificuldade e chance de acertar no chute. Isso faz parte do modelo matemático adotado no Enem, a TRI (Teoria de Resposta ao Item).

No caso do Enem 2023, as duas questões criticadas trazem trechos adaptados de artigos científicos. Ambas pedem que o participante interprete o que os autores quiseram transmitir.

Na questão sobre o cerrado (89 da prova branca), o texto do enunciado aborda a territorialização do agronegócio e diz que sua lógica tem se sobreposto aos conhecimentos dos camponeses. O trecho diz que “o modelo capitalista subordina homens e mulheres à lógica do mercado” e que há outros fatores negativos, como a “mecanização pesada” a “violência simbólica, a superexploração, as chuvas de veneno e a violência contra a pessoa”.

A prova pede que os participantes interpretem o que está escrito e apontem o que o “os elementos descritos no texto, a respeito da territorialização da produção”, demonstram.

O gabarito oficial ainda não foi divulgado —a divulgação só acontecerá após a aplicação da segunda prova—, mas de acordo com correção extraoficial publicada pela Folha, a alternativa correta seria: “Cerco aos camponeses, inviabilizando a manutenção das condições de vida”.

Já no item que trata da Amazônia (70 da prova branca), o excerto indica que “é evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver” com a “expansão da soja”, mas também afirma que a “lógica que gera o desmatamento está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas”.

O enunciado pede que o participante indique qual alternativa, “na visão do autor”, explica o que desencadeia “o problema central da situação descrita”. Segundo o gabarito extraoficial, a alternativa correta seria: “a apropriação de áreas devolutas”.

 

 

 

 

 

 

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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