‘É preciso ter uma agenda para os próximos 20 ou 30 anos’, diz presidente da Fiat

Cledorvino Belini chegou à Fiat em 1973, para trabalhar na divisão de tratores. Naquele ano, a fábrica de carros em Betim (MG) era apenas um projeto no papel –o acordo de interesses acabara de ser assinado pelo então governador de Minas, Rondon Pacheco, e por Giovanni Agnelli (1921-2003), presidente da empresa italiana.

Hoje, Belini é o presidente do grupo Fiat na América Latina, empresa que é líder em produção e vendas no Brasil.

Mais uma vez, enfrenta um período conturbado, com queda nas vendas e interrupções na produção. Ele fala à Folha sobre o cenário atual da política e da indústria, além das expectativas para um futuro próximo.

Folha – O senhor já passou por diversas crises nesses 41 anos de Fiat. Os problemas atuais são maiores que os de outrora?

Cledorvino Belini – Cada momento tem sua peculiaridade. Tivemos épocas difíceis, como a hiperinflação e a queda nas vendas após 1997. Esse zigue-zague é uma característica do setor no Brasil. Quando há estabilidade, boa massa salarial e baixa inflação, o mercado tende a ir melhor. Mas, se a massa salarial é consumida pela inflação, há queda nas vendas.

Isso está acontecendo agora?

No momento em que o Brasil não cuidou adequadamente de conter a inflação, começou a gerar expectativas negativas e a sociedade perdeu a capacidade de consumo. Então veio a alta de juros, e ficou mais difícil pagar prestações. Mas nosso pessimismo é sem justificativa.

Por quê?

Se olharmos o resto do mundo, há situações muito mais complicadas. Quando falo para colegas italianos que o Brasil tem um endividamento de 58% sobre o PIB, eles dão risada. Dizem “aqui é de 130%, vocês estão preocupados com o quê?”.

Esse pessimismo não tem a ver com a percepção de que outros mercados já apresentam recuperação pós-crise, enquanto o Brasil vai na contramão dessa retomada?

Em nosso caso, a correção é fácil. Estamos com um superavit primário de 1,9%, mas fazê-lo chegar a 3,5% é simples, basta um arrocho fiscal não tão difícil.

Por que houve queda de investimentos no Brasil?

Tem a ver com as expectativas. Questões como descontrole fiscal, aumento da inflação e diminuição do consumo afetam o caixa das empresas. As que investem a curto prazo precisam equalizar os estoques e acabam por pisar no freio.

É esperado que 2015 seja um ano difícil. Quando a economia voltará a crescer?

Acredito que a partir do próximo ano teremos os primeiros sinais de melhora, tudo depende da credibilidade. Quando o mercado vê sinais positivos, surge o otimismo e a máquina começa a funcionar. O que vivemos hoje é o descrédito. Não há investimento nem consumo, é o pior dos mundos.

Deverão ocorrer novas paradas de produção até o fim desse ano? Há preocupação com demissões?

As montadoras têm, ao todo, cerca de 140 mil funcionários. Se movimentarmos dois, vira manchete. Porém os fornecedores de componentes e serviços não esperam duas vezes. Diminuiu a demanda, eles ajustam de acordo com a necessidade. Quando esse setor faz um reajuste de 10% na mão de obra, envolve 150 mil pessoas. E isso acontece num piscar de olhos, mas é muito pulverizado. Há 200 mil empresas que trabalham para a indústria automotiva.

Como contornar a crise atual do setor?

Temos que conseguir mercado para sustentar todo o sistema. Não adianta ficar segurando em férias coletivas, é preciso entender a economia como um todo. E, quando o setor automotivo não vai bem, todo mundo já pensa “opa, amanhã meu negócio pode também não ir bem”.

A indústria automotiva nacional tornou-se dependente de estímulos pontuais do governo. Como o sr. vê essa situação?

Os incentivos foram dados nos momentos em que o setor estava realmente precisando. Lidamos com uma cadeia que tem 1,5 milhão de empregados e a maior carga tributária do mundo, 33%, enquanto a média dos países fica em 15% e não passa de 6% nos Estados Unidos. Quando o governo baixa o IPI e aumenta as vendas, arrecada mais.

As novas fábricas esperam por medidas que deem ao país mais competitividade para exportar. Isso também preocupa a Fiat?

Estamos competindo com escala. O grande desafio é o desenvolvimento tecnológico do produto, da concepção à execução. Não importa se a peça vem da Malásia, da China ou dos EUA e é montada em Singapura, pois assim é o mundo globalizado. A Apple é um bom exemplo disso.

Mas um dos objetivos do governo com o programa Inovar-Auto é estimular a produção local de componentes.

Esse negócio de índice de nacionalização é uma proteção do mercado, um dia vai acabar. Se uma empresa é competitiva, irão comprar dela em qualquer parte do mundo. Vamos montar onde for competitivo e iremos vender onde houver mercado. Essa é a tendência.

Ainda há espaço para o surgimento de uma montadora 100% nacional?

Houve várias iniciativas de empreendedores que tentaram estabelecer a indústria nacional, mas o setor exige investimentos muito altos, com retorno a longo prazo.

O país ainda não tem tamanho de mercado para tanto, ainda não há justificativa para fazer uma empresa totalmente brasileira.

A defasagem no preço da gasolina é um ponto que afeta diretamente a indústria automotiva. Como deve ocorrer a recomposição dos valores?

De forma gradual, para manter as rédeas da inflação. Mas precisa ser feito.

Quais são os principais temas que devem ser priorizados em 2015 para que o país volte a crescer?

Há pontos fundamentais, como a reforma política. Temos 30 partidos e mais de 30 ministérios. É uma equação de 900 pessoas que precisam se falar, o que é algo extremamente complicado.

Salvo honrosas exceções, é difícil identificar os posicionamentos ideológicos.

O Brasil necessita de um pacto transparente pela governabilidade. Precisamos de uma agenda nacional para os próximos 20 ou 30 anos.

Há ainda que se fazer a reforma tributária, simplificar o processo. Nos EUA, uma fábrica igual à minha tem dois funcionários para cuidar da burocracia tributária. Aqui, preciso de pelo menos 200 pessoas para fazer isso.

Outra questão importante é a reforma trabalhista. Temos uma lei obsoleta, que gera insegurança jurídica. Por exemplo, fazemos um acordo com o sindicato, mas depois a Justiça pode não aceitar o que foi acertado.

Na visão do senhor, qual candidato está mais preparado para alinhar as relações entre empresas e governo?

O próximo governo, qual seja eleito, terá de passar por um período difícil para depois acelerar a atividade econômica do país. Acredito que qualquer um dará um choque de credibilidade. O mais importante será manter o diálogo com os empresários e as entidades. Todos os candidatos têm condição de estabelecer um pacto de governabilidade transparente. O importante é que coloquem a economia no eixo, com visão de longo prazo.

CLEDORVINO BELINI
Idade: 65
Formação: administrador de empresas pela Mackenzie, com pós-graduação em finanças pela USP
Carreira: começou na Fiat em 1973, na divisão de tratores. Após passar por diversos departamentos, assumiu a presidência da empresa em 2004

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FIAT/2013
Faturamento: R$ 23,5 bi
Lucro líquido: R$ 290 mi
Funcionários: 19 mil
Principais concorrentes: Chevrolet, Ford e Volkswagen

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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