Razões e emoções do voto feminino na eleição de 2018 – Silvana Krause

Isso acontece por inúmeras razões que impactam na decisão do voto. Renda, escolaridade, região de domicílio, estrutura psíquica e identidade religiosa sobrepõem-se e formatam um voto que nem sempre produz um gap de gênero suficiente para vencer uma eleição.

Diante da provável polarização em um segundo turno e considerando o resultado da eleição de 2014, outro alerta deve ser feito. A diferença entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) foi de apenas 3,3%, tornando o jogo atual ainda mais imbricado. 

A mais recente pesquisa feita entre 15 e 16 de setembro (BTG/Pactual) destaca as dificuldades de o candidato do PSL alcançar uma boa entrada no voto feminino. Ainda assim, ele segue com boas possibilidades de ser eleito. 

Há inúmeras falas para convencer as eleitoras de que o candidato com origem na caserna apresenta grande desprezo pelas mulheres. Ele já disse que ter uma filha mulher significou dar uma “fraquejada”; que mulheres devem ganhar menos, pois engravidam; e que ele não corre o risco de ter uma nora negra, pois seus filhos foram bem educados. 

Por que, então, há mulheres que apoiam um candidato que expressa valores de desprezo por elas? Existe uma dimensão emocional nesta campanha. Ela se baseia em um modelo de resignação feminina com projeção de violência, simbólica ou física, condensada na figura masculina de Bolsonaro. 

Um perfil de autoridade inibidora, associada a uma figura paternal que poda a criação e oferta a mera obediência, gerada e alimentada no espaço privado da família. Nesse sentido, é ilustrativa a resposta do candidato ao ser questionado por Miriam Leitão sobre a possibilidade da demissão de um ministro. Ele comparou com uma situação privada e familiar de divórcio. 

Nesta campanha há sentimentos que não desejam a salvação, muito comum em eleições brasileiras. Jânio Quadros apresentou a vassoura para combater o mal da corrupção, objeto comum de uso privado das mulheres-domésticas. 

Collor trouxe a oferta da “salvação”, com a aventura sedutora da voluptuosidade da “caça aos marajás”. Há nesta eleição um eleitorado que reage ao recalque da sua castração na proposta da castração química (do outro!), ao mesmo tempo em que alimenta a cultura do estupro e outras violências contra as mulheres.

No caso do Brasil, as domésticas-mães domesticadas, de segmentos abastados da sociedade brasileira, foram às ruas contra as reformas sociais propostas por Jango, com Deus e contra o comunismo, que destruiria as famílias. 

O patriarcado estava imbuído no espírito deste movimento daquelas senhoras em São Paulo, que sabiam o seu lugar, isto é, o lugar castrador do patriarcado reservado às mulheres.

Cinco séculos antes da era cristã, a ateniense Lisístrata liderou a greve de sexo que encerrou a guerra e pacificou os ânimos de espartanos e atenienses.

Inspirada nessa peça de Aristófanes, o deputado Márcio Moreira Alves incitou as mulheres brasileiras a rejeitarem o cortejo dos homens fardados em dezembro de 1968. 

Atribui-se a esse discurso o estopim do Ato Institucional número 5, que despejou os brasileiros nos anos mais sombrios por décadas. As iniciativas meritórias das mulheres atuais, que rejeitam a oficialização de que mereceriam ser cidadãs de segunda classe, é um último brado (e bravo!) antes dos anos sombrios vindouros ou a pacificação da situação de radicalização?