Viver um papel – Ruy Castro,

Acho que já vi esse filme. Mesma ideia, mesmo cenário, mesmo enredo –enfim, um remake. Há algumas diferenças sem importância. O que acaba de estrear é um blockbuster em 3D, cheio de efeitos por computador. O outro, de 1960, era em preto-e-branco e a imagem parecia granulada, como se a tela estivesse suja de caspa. Não por acaso, os ternos do ator do filme original viviam polvilhados da dita.

No filme antigo, o protagonista era um homem. No que está em cartaz, uma mulher. Mas os personagens são iguais: carismáticos, messiânicos e, de propósito, mal-ajambrados. Vieram do nada e venceram às próprias custas –um se tornou deputado, prefeito e governador antes de se candidatar à Presidência; a atual foi deputada, ministra e senadora, e esta é a sua segunda candidatura. Por terem subido sem precisar de ninguém, não acreditam em conversas ou negociações –pelo menos, quando há alguém olhando.

Julgam-se acima da política e, como são fenômenos eleitorais, espremem-se em siglas nanicas ou inexistentes, sabendo que os grandes partidos tentarão pegar carona em sua popularidade. Eleitos, tendem a virar as costas aos partidos que os adotaram e a governar à base de espasmos –imprevisíveis, destrambelhados e contraditórios. O herói do filme de 1960, por exemplo, fazia isto com folclóricos bilhetinhos para seus ministros.

Como você já percebeu, a estrela do filme de hoje é Marina Silva; a do antigo, Jânio Quadros. Assim como Jânio e sua vassoura, Marina representa a pureza, o novo, o rompimento com as velhas práticas. E, assim como com Jânio, a palavra exata é representar –viver um papel. Afinal, é um filme, não?

Na verdade, é um filme ainda mais antigo. Chamou-se “A Grande Ilusão” (“All the King’s Men”), de 1949, com Broderick Crawford no papel de Marina –digo, de Willie Stark.  

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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