“Soprador de apito” – José Jorge Andrade Damasceno

Ouvinte de rádio desde tenra idade, este escrevente tem na memória um feixe de lembranças de momentos da história e do cotidiano retratados pelo meio de comunicação de maior alcance e versatilidade, desenvolvido pela engenhosidade humana. O aparelho capaz de captar as ondas hertzianas é parte inexorável do desenvolvimento pessoal, cultural e social de quem escreve estas linhas, pois, por intermédio do rádio, se teve contato com o mundo externo, a partir de audições de diversos programas irradiados por emissoras de longe e de perto, por intermédio dos quais fora possível observar e perceber o mundo a sua volta.

Emissoras como a ZYC31, Rádio Emissora de Alagoinhas; PRA4, Rádio Sociedade da Bahia, Rádio Jornal do Brasil, Rádio Globo e Rádio Tupi do Rio de Janeiro são algumas das emissoras ouvidas, sempre com o rádio colado aos ouvidos e com uma avidez de quem precisava daquele aparelho para por meio dele se informar, se entreter e instruir, tanto no processo de apreensão da realidade a sua volta, como no processo de apropriação do vernáculo, então correta e cuidadosamente empregado por seus locutores.

Episódios como os incêndios ocorridos na cidade de São Paulo no início dos anos 1970, quando os edifícios Andraus e Joelma arderam no centro da capital paulista, deixando grande número de mortos e feridos, mobilizando grande quantidades de pessoas, recursos hospitalares e veículos, cuja transmissão era feita pelos locutores das principais emissoras paulistanas e ouvidas por milhares de pessoas ansiosas e aflitas por saber o que estava acontecendo nos locais sinistrados.

A mais de dois mil quilômetros dos acontecimentos, este escrevente ouvia com atenção e perplexidade as informações transmitidas pelas rádios Bandeirantes, Record e Panamericana, cujas ondas curtas de 25 metros permitiam as irradiações alcançarem tão distantes plagas, propiciando ao ouvinte as notícias no calor da hora a respeito do calor dos prédios que ardiam em chamas; descrições a respeito do desespero das pessoas acossadas pela morte que as espreitava, quer fosse por meio das chamas do fogo intenso, quer fosse pelos saltos no vazio que poderiam salvar a uns que tivessem mais sorte ou que conduziria ao asfalto abrasador como ponto final do existir de muitos daqueles seres humanos.

Além das informações noticiosas e da audição de músicas que marcavam a programação de grande parte das emissoras brasileiras, a irradiação de partidas de futebol aos domingos era uma vertente da programação radiofônica bastante comum naquele tipo de veículo, movimentando equipes esportivas bem diversificadas e até certo ponto especializadas, principalmente nas grandes emissoras do Rio Janeiro, São Paulo e outras praças.

Grandes nomes entraram para a memória do “rádio esportivo”, muitos deles de grande projeção nacional como os de João Saldanha RJ (que chegou a ser técnico da Seleção Brasileira de 1970 antes de Zagalo assumir); José Cabral, marca indelével da rádio Nacional do Rio de Janeiro, Waldyr Amaral com um estilo todo próprio de irradiar as partidas de futebol; Doalcey Bueno de Camargo de narração tão imponente quanto o seu nome; Jorge Curi com sua inconfundível narração de gols e de corridas automobilísticas de fórmula 1; outros nomes entraram para o anedotário como França Teixeira na Bahia, Waldyr Amaral no Rio de Janeiro, Fiori Giglioti e Osmar Santos em São Paulo, criando jargões como “ferro na boneca (F. T.), “[…] o Pelé branco das construções baianas (F. T. referindo-se ao então prefeito de Salvador e depois governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães), “pimba na Gorduchinha (OS), “lavrem-se as cortinas e começa o espetáculo (F. G 1928-2006)”, “indivíduo competente”, “o relógio marca”, e “tem peixe na rede”(W. A), entre outros.

A crônica esportiva carioca dos anos 70 trouxe ao público grandes comentaristas de futebol como Luiz Mendes, o já citado João Saldanha, Ruy Porto, Afonso Soares, dentre outros que os leitores poderão acrescentar enquanto lê estes escritos.

Aqui, este escrevinhador gostaria de salientar que dentro da modalidade “comentários esportivos” havia um segmento dedicado ao desfilar de considerações acerca dos indivíduos que arbitravam as partidas futebolísticas, sendo destacados locutores especialmente dedicados a esta parte do espetáculo. É na crônica carioca que pode ser encontrado o mais anedótico dentre aqueles que analisavam a atuação do juiz e dos seus auxiliares, então conhecidos como “bandeirinhas”.

Trata-se de Mário Vianna “com dois ns”, como gostava de salientar.

A ele sempre se recorria para saber se os árbitros se haviam comportado bem, tido boa atuação; se tal ou qual gol fora acertada ou equivocadamente anulado e/ou confirmado; se tal ou qual jogador estava em posição legal ou se estava “na banheira”, quando participara de tal ou qual jogada que resultasse em gol, em perigo de gol; se a falta fora da área, ou se dentro dela, se configurando em “penalidade máxima”.

Porém, o ponto mais esperado de tais análises era aquela feita ao final das partidas, quando após os comentários feitos pelos que se encarregavam de analisar a partida, apreciando lances, jogadas, defesas, táticas, etc., era o polêmico Mário Vianna chamado a fazer a sua apreciação final da atuação da arbitragem. Após tecer variadas considerações em torno do desenrolar da partida em questão, dava a sua sentença mordaz ao juiz que se houvera mal na condução do jogo: “É um soprador de apito”.

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social (Universidade Federal Fluminense) e professor da UNEB (Campus de Alagoinhas)

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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