Sociólogo aborda autoritarismo a partir da figura de Floriano Peixoto

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“A literatura brasileira contemporânea, da minha geração, não trata os temas políticos de maneira direta. Abordam-se questões paralelas, culturais, identitárias, sociais, dilemas do âmbito privado, mas não há romances sobre política propriamente dita.”

Assim explica o sociólogo e escritor José Luiz Passos, 44, uma de suas motivações para escrever “O Marechal de Costas”, romance histórico baseado na trajetória de Floriano Peixoto (1839-1895).

Segundo presidente do Brasil, Peixoto ficou conhecido por governar com mão de ferro e assim enfrentar os turbulentos primeiros tempos da nascente República. Era vice de Deodoro da Fonseca (1827-1892) e assumiu após a renúncia deste. Governou o país de novembro de 1891 a novembro de 1894.

Conhecido como o Marechal de Ferro, Peixoto reprimiu diversos protestos, como a Revolta da Armada.

“De certa forma foi nosso primeiro presidente autoritário, e pensei que refletir sobre ele como ser humano e como político poderia jogar luz a este momento que vivemos no Brasil”, afirma Passos.

A influência para a obra, conta o autor, veio de romances latino-americanos que também tratam de figuras poderosas, como “O General em Seu Labirinto”, de García Márquez, e “Eu, o Supremo”, de Augusto Roa Bastos.

“Há um verdadeiro gênero literário nos países da região sobre ditadores ou líderes linha-dura. Quando cheguei aos EUA, como professor de literatura latino-americana, dava aula sobre essas obras e refleti muito sobre elas, e isso se tornou uma referência importante para este livro.”

Nos EUA há 20 anos, onde leciona na Universidade da Califórnia em Los Angeles, diz ter acompanhado angustiado e à distância o último ano no Brasil. “A votação do impeachment na Câmara dos Deputados foi um choque para mim, dar-me conta de como eram os que faziam a política atual do país.”

Foi por isso que optou por introduzir no livro, também, uma segunda voz narrativa. Trata-se de uma cozinheira no Brasil de hoje. Parente distante de Peixoto, ela assiste desde as manifestações de junho de 2013 ao impeachment de Dilma Rousseff.

O ponto final do livro, aliás, foi dado apenas depois da inclusão, de última hora, do discurso feito por Dilma Rousseff ao Senado no dia de seu impeachment.

“O livro estava em fase de revisão, mas insisti muito para que esse trecho entrasse. Como o romance traz outros discursos, dela mesma, de dom Pedro 2º, a voz de Floriano e líderes daquele tempo, queria muito que essa fala ao Senado entrasse, porque me comoveu e porque, no conjunto, ajuda a pensar no que há de autoritário em nossa República e que atravessa a sua história”, conta Passos.

Para reconstruir Floriano Peixoto, Passos usou documentos do século 19, entre os quais material já consultado para trabalhos anteriores –sua especialidade é a literatura desse período. Diz, porém, que há pouco escrita sobre como era o marechal do ponto de vista pessoal.

“Começo tentando investigar sua infância, como aquele menino de Alagoas, com vários irmãos, vai viver no Rio com um tio, entra na escola militar, tem uma ascensão meteórica e vai à Guerra do Paraguai. Achei curioso ele lutar a guerra toda sem pedir nunca uma licença, como fazia a maioria dos oficiais.”

SILÊNCIOS

Passos conta que o estilo “titubeante e calado” enganou o imperador, que até às vésperas da proclamação da República não sabia de que lado Peixoto estaria. Manteria esse tom silencioso, também, com relação a suas políticas, quando já no governo.

“Não confiava em muita gente, não contava muito sobre o que iria fazer. Seu caráter, como governante, era ser bastante centralizador. Tinha obsessão com a figura de Napoleão Bonaparte, era sua grande referência de poder.”

O silêncio reverbera na vida íntima. Peixoto se casou com a filha do tio que o criou, quando ela, Josina, tinha 14 anos –ele era 18 anos mais velho. “Ele ficou com ela a vida toda, e eu tinha muita curiosidade sobre seu modo de conviver com a sexualidade, com o corpo. No romance sugiro algo de como o vejo.”

“O Marechal de Costas” é também um livro escrito com uma urgência pessoal e política. “Política porque eu via tanto o Brasil como os EUA se polarizando”, conta, referindo-se ao processo de impeachment de Dilma e ao acirramento da campanha eleitoral norte-americana.

E pessoal porque Passos descobriu, já iniciada a escritura do livro, que tinha um câncer no intestino. O tratamento, agora já encerrado, o debilitou fisicamente e o transformou por dentro. “O câncer te dá uma outra dimensão do que é a vida, não sei de que forma isso está no livro, mas certamente está.”

Um dos efeitos foi o despertar de um sentimento de urgência –que o fez, por exemplo, insistir muito para que o lançamento, programado inicialmente pela editora para 2017, fosse ainda neste ano.

“Eu não queria que 2016 fosse o ‘ano do câncer’, ou o ‘ano do impeachment’, portanto que o livro saia agora tem um significado extra, especial para mim”, conta.

E resume seu objetivo com a obra desta maneira: “Minha preocupação era investigar a origem da democracia brasileira, e os ecos dessa origem nos dias de hoje. Se o leitor perceber esses vestígios de uma época na outra, eu já fico contente”.

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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