Shoppings e hotéis de luxo pagam centavos para usar áreas da União
Hotéis de luxo, shoppings, clubes exclusivos à beira mar estão pagando valores irrisórios para ocupar áreas da União em todo o país, levando a um prejuízo estimado na casa dos bilhões de reais para o governo federal.
Áreas cujo metro quadrado custa mais de R$ 6 mil chegam a estar avaliadas oficialmente por R$ 22,51 o metro quadrado, o que faz com que as empresas que ocupam esses endereços nobres paguem centavos à União pelo uso dos terrenos, já que a cobrança é por um percentual do que consta nos registros do governo.
A constatação é do TCU (Tribunal de Contas da União) após uma auditoria na SPU (Secretaria do Patrimônio da União), órgão responsável pela gestão de 44 mil imóveis federais e de outras 534 mil construções em áreas onde os ocupantes devem pagar taxas para usá-las (imóveis próximos de praias, por exemplo).
Os técnicos do Tribunal encontram situação de descalabro no órgão federal. Processos e mapas ainda em papel estão se deteriorando. Não há funcionários suficientes para gerir o patrimônio público. Até mesmo sistemas de informática do órgão são obsoletos. Mesmo assim, os pagamentos gerados pelo uso dos bens públicos alcançam R$ 1 bilhão por ano.
O órgão de controle investigou as superintendências da SPU em 12 estados que têm cerca de 30% dos imóveis sob guarda federal e descobriu que o valor arrecadado poderia ser muito maior. Não foi possível estabelecer uma estimativa total dos prejuízos devido ao grande número de imóveis e às diferentes situações em que eles se encontravam.
Por amostragem, foram analisadas a situação de imóveis de maior relevância nos estados investigados. Somente em Alagoas e Sergipe, os dois menores estados da federação, os técnicos levantaram uma amostra de 205 imóveis federais (0,5% do total). Descobriram que todos estavam subavaliados, o que gerava uma cobrança a menos de aproximadamente R$ 1 milhão/ano só para esses imóveis.
CEARÁ
Os casos mais graves, contudo, foram encontrados no Ceará. O Marina Park e o Shopping Iguatemi estão no bairro Meirelles, área de luxo da capital Fortaleza, onde o metro quadrado é estimado em R$ 5 mil. Pelos critérios oficiais da SPU, esses dois imóveis deveriam estar avaliados em R$ 163 e R$ 343, ou seja, menos de 5% do valor de mercado.
No entanto, o valor que constava nos registros do próprio órgão eram de apenas R$ 22,51 e R$ 27,22. Como o pagamento pelo uso da área é um percentual de 2% a 5% desse registro, o hotel e o shopping pagavam menos de quinze centavos por metro quadrado.
Em Torres (RS), os 106 imóveis do governo federal na cidade estavam, em média, avaliados por metade do valor de mercado.
De acordo com os auditores as distorções ocorrem porque quase metade dos imóveis registrados pelo governo federal estava sem atualizar valores há mais de dois anos. Alguns estavam com valores da década de 1990. Segundo o TCU, também faltam critérios claros para corrigir o preço dos bens, o que faz com que cada área tenha uma forma de fazê-lo.
Para o Tribunal, a SPU recebe pouca atenção do governo. Um exemplo citado no trabalho é que a superintendência de Pernambuco pediu em 2013 verba de R$ 4,7 milhões para contratar técnicos da Caixa para recadastrar cerca de 6,3 mil imóveis no estado e, com isso, aumentar a arrecadação. O valor foi vetado pelo órgão central da SPU com a alegação que só havia orçamento de R$ 200 mil para o trabalho.
Na praia da Boa Viagem, endereço nobre da capital do estado, áreas que a SPU avalia em R$ 167 o metro quadrado têm valor de marcado acima de R$ 6 mil.
AUDIÊNCIA
Na decisão sobre a auditoria, o relator do processo, ministro Raimundo Carreiro, lembrou que desde 2003 o governo federal vem descumprindo determinações do órgão de controle que tinham o intuito de melhorar a gestão da SPU.
Por causa disso, ele determinou a abertura de novos processos para responsabilizar com multa e ressarcimento aos cofres públicos prejuízo identificados nas auditorias pela cobrança de taxas com base em valores de registro defasados.
Carreiro também deu um prazo de 60 dias para o Ministério do Planejamento, a quem a SPU está vinculada, apresentar um relatório sobre as medidas que estão sendo tomadas para resolver os problemas do órgão.
OUTRO LADO
O ministério do Planejamento informou que, ao longo 2014, a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) registrou “avanços consideráveis” e que vários itens apontados no relatório do TCU já estão cumpridos. Segundo o ministério, 20 mil processos em tramitação no órgão serão digitalizados até o meio do ano.
A nota informa ainda que entre 2011 e 2014, o valor arrecadado com a cobrança de taxas sobre o patrimônio subiu de R$ 705 milhões para R$ 1 bilhão (aumento de 42%) e que o valor médio de cobrança por imóvel subiu no mesmo patamar e alcançou R$ 1,5 mil.
O Marina Park e o Shopping Iguatemi não responderam.