Setores com as maiores isenções no IPI são os que mais sofrem hoje

Entre 2011 e 2014, o governo federal concedeu cerca de R$ 32 bilhões em isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em diversos produtos como forma de estimular o consumo, gerar emprego e, consequentemente, aumentar a renda com o objetivo de manter a estabilidade. Agora, segundo economistas, o Brasil vive a ressaca desse momento e os setores que mais sofrem com a queda na atividade econômica são os que foram mais beneficiados: o automotivo e o de linha branca.

“Todos os setores que tiveram redução de IPI estão sofrendo demais hoje. Mas não há redução de preços dos produtos. Nas linhas de produtos classe A, estão subindo o preço porque a matéria-prima também aumentou”, avalia Rolf Decker, presidente do Sinditherme, sindicato que representa os trabalhadores da linha branca da região de Joinville, Santa Catarina. Na região, a Whirlpool, que fabrica as linhas brancas da Consul e da Brastemp, entre outras marcas, já concedeu 14 períodos de férias coletivas apenas neste ano.

Mauro Rochlin, economista especializado em economia aplicada e professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), explica que esse momento de queda brutal na demanda foi imposto por uma sucessão de fatores. “Medidas como essa de redução do IPI podem ser usadas, mas pontualmente. O Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente] usou em 2009 e deu certo. Mas, se usar de forma recorrente, pode não surtir o efeito. A crise veio de fora para dentro e manter essa política seria um artificialismo nesse momento. Está certo retirar, mas agora estamos num período de ajuste, com inflação alta, queda na renda, no nível de emprego.”

Otto Nogami, economista e professor do MBA Executivo do Insper, relata que a busca pela linha branca e pelos automóveis viveu um boom artificial, apoiado pelas isenções e descontos do imposto. “Bens de consumo durável você realiza a compra hoje, mas só vai consumir novamente depois de alguns anos. Num primeiro momento, o governo estimulou a troca de linha branca e gerou antecipação da produção e da demanda do setor, com muitos estímulos. Mas a troca só vai ocorrer novamente daqui a 5, 10 anos. Nesse período, o mercado volta a sua normalidade.”

Para Rochlin, os cálculos das perdas com as desonerações são questionáveis.  “Se não tivessem feito a isenção, não teriam vendido o volume que vendeu. O que é importante nessa questão do IPI é saber quanto de venda ocorreu por antecipação de consumo. Ou seja, quem não estava pensando em trocar o carro, mas vou aproveitou o desconto no IPI para trocar naquele momento.” 

O recorde de produção automotiva nacional (veículos leves e pesados) é recente, de 2013 – quando o setor produziu 3,74 milhões de unidades, alta de 9,9% em relação a 2012. Nesta época, a demanda do consumidor acompanhava a produção, muitas vezes impondo ao comprador uma espera de até seis meses. O desempenho foi impulsionado pela alta de 26,5% nas exportações.

Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), os estoques das montadoras atualmente estão em 45 dias, o que indica que toda a produção poderia ficar parada durante um mês e meio sem que faltasse veículos para venda.

Hoje o momento nacional e internacional é adverso. Há fatores decisivos, como a queda da renda, trabalhadores com um salário real (descontada a inflação sobre o ganho) menor, inflação e taxa de juros altas. “A conjugação de fatores mostra a mudança do começo desta década para hoje e explicam a baixa demanda pelos produtos que tiveram isenção do IPI. Essa conjunção afeta o nível de confiança e a expectativa pessimista tende a fazer pessoas a segurarem compra, até porque compraram bens duráveis recentemente”, explica Rochlin.

Paulo Roberto Rodrigues Butori, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), avalia a diferença de momento hoje para quando havia o estímulo à venda, com redução do imposto que beneficiou o setor. “Na realidade não foi só o IPI que favoreceu o setor, mas uma somatória de pequenas coisas que levou a um choque de demanda. Como a demanda subiu muito, introduziu o choque de demanda, aumentou demais a oferta e a demanda, então, caiu muito. Aí tivemos uma boca de jacaré.”

Luiz Moan, presidente da Anfavea, acredita que haja um “desincentivo” ao consumo de automóveis no País. Ele usa um antigo argumento das montadoras, o de que a carga tributária faz dos carros brasileiros uns dos mais caros do mundo.

“Com a manutenção das alíquotas do IPI altas, nos níveis atuais há um desincentivo. Por que? Porque com a manutenção dessas alíquotas temos a maior carga tributária sobre veículos do mundo. Nós [setor automotivo] não tivemos nenhum incentivo com a redução da alíquota porque 100% da redução do IPI foi repassada para o consumidor. Portanto, não houve nenhum benefício do nosso lado.”

Moan destaca, no entanto, que esse não é um pedido das montadoras. “Reduzir o IPI não é a prioridade do setor, pois entendemos o momento de dificuldade que o governo está passando, que nós estamos passando, e apoiamos as medidas da presidente. Mas volto a afirmar: o Brasil tem a maior carga tributária sobre veículos do mundo. De cada R$ 100 que pagamos em um veículo, 40% são tributos. Praticamente o consumidor brasileiro compra dois carros e só leva um.”

A crise no setor leva a uma estimativa de recuo de 17% na produção de veículos neste ano. Cálculos apontam que cada vaga formal fechada em uma montadora resulte na demissão de mais quatro na indústria automotiva. As desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados, por exemplo, tinham como objetivo incentivar o consumo e, assim manter o nível do emprego, por meio de acordos com as montadoras de não demissão. Havia ainda um acordo setorial com o governo federal de lay off (suspensão do contrato de trabalho) para evitar demissões. Mas muitas empresas já demitem, além de utilizar outros recursos como férias coletivas.

Segundo dados da arrecadação federal de julho, divulgados pela Receita Federal no dia 18 de agosto, as desonerações tributárias dos últimos anos contribuíram para a queda na arrecadação deste ano, gerando perdas de R$ 62,6 bilhões para o governo nos sete primeiros meses do ano. O setor automotivo é responsável pela arrecadação de 12% dos tributos nacionais, segundo o presidente do Banco do Brasil, Alexandre Abreu.

Fonte; Brasil Econômico

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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