Rumo à Estação Alagoinhas – José Jorge Andrade Damasceno

Ainda no contexto dos parêntesis abertos semana passada, o texto (re) publicado a seguir, apresenta uma discussão sobre ter ou não havido uma cerimônia de “inauguração” da estação Alagoinhas, após a conclusão de uma das etapas da ferrovia que ligaria o porto marítimo “da Bahia”, ao porto fluvial no ”Sertão do São Francisco”. Originalmente publicado em 2013 no Alagoinhas Hoje, a intenção do seu autor segue a mesma: provocar o interesse de pesquisadores em buscar aprofundar os estudos sobre o tema, com o objetivo de encontrar respostas aos feixes de dúvidas levantados aqui.

Cerca de três ou quatro anos antes que a Freguesia de Santo Antônio das Alagoinhas fosse elevada a Vila, pela Resolução Provincial de 16 de junho de 1852, grandes expectativas fervilhavam no meio das elites políticas e econômicas locais, no sentido de dar impulso aos processos de crescimento das oportunidades de negócios que viessem a promover o desenvolvimento social e econômico, tanto da nova Vila, quanto da região formada por outras vilas e freguesias com as quais mantinha relações políticas e comerciais.

A partir das posições sócio-econômicas que ocupavam aqueles que lideraram o processo de elevação da Freguesia à condição de Vila, talvez seja possível depreender-se que, a primeira Câmara Legislativa instalada em 2 de Julho de 1853, tivesse em sua composição, indivíduos conhecedores das discussões correntes na praça da Bahia, em torno das idéias e propostas diversas, inclusive encabeçadas por cidadãos de regiões circunvizinhas, no sentido da implantação de uma estrada de ferro que ligasse “O mar da Bahia ao sertão do São Francisco”.

Ao que parece, as tratativas em torno da construção de uma estrada de ferro que viesse a ligar “o mar ao sertão” já se encontravam em processo bem adiantado, na medida em que o decreto que elevava a freguesia e o que concedia os direitos de construir a dita estrada de ferro à “Junta da Lavoura”, apareceram em datas bem próximas um do outro. Segundo Etelvina Rebouças Fernandes, “A primeira concessão para a construção da Estrada Bahia ao São Francisco foi dada à companhia composta por membros da Junta da Lavoura e outros proprietários desta Província, com privilégio exclusivo de exploração da estrada por quarenta anos, através da Lei Provincial n. 450, de 21 de junho de 1852”.

Tão ousado quanto dispendioso, o empreendimento ferroviário trazia no seu bojo grande quantidade de expectativas de desenvolvimento econômico para a Vila de Alagoinhas, na medida em que seus líderes se empenharam no campo político, com o objetivo de garantir a implantação dos trilhos sobre os quais, acreditavam, viria a modernização dos meios de circulação de mercadorias e recursos, bem como grande impulso nas oportunidades de auferir maiores lucros, valorização das propriedades rurais e elevação da qualidade da vida urbana.

A julgar pela disposição com que o Conselho Municipal se empenhou junto ao governo provincial no sentido de evitar que a estrada de ferro passasse por outro lugar, que não a Vila de Santo Antônio das Alagoinhas, infere-se que era de grande valia a concretização daquilo que já estava plantado nos planos das lideranças locais, pois seria o ponto de largada para alavancar a viabilização da Vila, sob o ponto de vista do progresso, do crescimento e do alargamento de seus horizontes sócio-culturais.

Neste sentido, Alagoinhas e a Ferrovia se fazem pele e carne, na medida em que o primeiro trecho construído e parcialmente entregue e, o prolongamento que veio alguns anos mais tarde, moldaram a urbe, estabelecendo seus contornos, delinearam suas vias de circulação e fincaram as bases sobre as quais se estabeleceu, cresceu e desenvolveu, toda a vida política, social e econômica do lugar.

Quase dez anos após a instalação do primeiro Conselho Municipal, em 31 de janeiro de 1863, a companhia inglesa “Bahia and São Francisco Company”, dava por concluído o trecho ferroviário, que tornava concreta a antiga idéia de uma ligação entre a capital provincial e a Vila de Alagoinhas, vinte por cento do projeto original, cujo ponto final seria a margem direita do Rio São Francisco, na Vila de Juazeiro.

Em busca de uma pretensa viagem inaugural, que teria se dado em uma sexta-feira, 13 de fevereiro de 1863, cerca de 15 dias após a entrega do trecho entre Santana de Catu e Alagoinhas, não se encontrou relato de qualquer tipo de cerimônia na data aludida. Algumas dissertações e obras consultadas simplesmente ignoraram tal evento, a despeito de referirem-se a eventos de lançamento da construção; pedra fundamental da estação da Calçada; inauguração da referida estação e viagem inaugural dali até Aratu; lançamento da pedra fundamental, relativa à construção do “prolongamento”, ocorrido cerca de nove anos depois; festa de inauguração da primeira e mais imponente estação do “prolongamento”, a São Francisco; entrega festiva da obra, ao finalmente chegar até Juazeiro.

No entanto, não se viu qualquer menção a algum tipo de cerimônia oficial, ou mesmo a tal viagem inaugural, que teria se dado na data acima mencionada.

Algumas hipóteses foram levantadas na tentativa de explicar qual o motivo de não aparecer nas fontes consultadas pelos pesquisadores visitados qualquer alusão a um evento de tamanha importância para a história da Vila, na medida em que passava a receber com regularidade, os trens, que traziam as mercadorias e as pessoas vindas da capital.

Uma primeira explicação poderia ser encontrada na resistência do governo provincial em receber a obra com apenas vinte por cento de seu trajeto construído. A companhia inglesa, não tendo mais interesse em continuar a estrada, uma vez alcançada a Vila de Alagoinhas, tenta entregá-la como acabada. Tal intento leva a uma longa altercação com as autoridades provinciais, que só aceitam receber, ainda assim, em caráter provisório, duas semanas após a suposta viagem inaugural, tornada definitiva, apenas em dezembro de 1866.

Recorrendo-se uma vez mais a mestre E. R. Fernandes, sabe-se que “Em 27 de fevereiro de 1863 foi assinado um termo de recebimento provisório da obra das primeiras vinte léguas da estrada Bahia ao São Francisco, estabelecendo condições para o recebimento definitivo da obra, assinado no Palácio do Governo pelo Presidente da Província, António Coelho de Sá e Albuquerque e o representante da Companhia Bahia and San Francisco Railway, o engenheiro Alfredo C. Dick (…)”. Informa ainda a mesma autora que “a 9ª condição constante do termo estabelecia que o pagamento da garantia dos juros seria suspenso se não fossem atendidas, até o dia 31 de dezembro de 1863, as condições estabelecidas para que a obra fosse definitivamente aceita pelo Governo (…), o que aconteceu por ato da Presidência, em 20 de fevereiro de 1866 (…), três anos após a assinatura do termo, deixando claro o desinteresse da Companhia em cumprir as determinações no prazo estabelecido pelo Governo da Província”.

Ora, não aceitando a obra como pronta, a presidência da província não realizaria uma cerimônia de inauguração oficial, embora o trecho já passasse a ser trafegado normalmente, visto ser de interesse da empresa que detinha os direitos operacionais do empreendimento. Parece claro que, desde o início do processo de construção, à medida que cada trecho ficava pronto, era colocado imediatamente em operação, sem a necessidade de cerimônias de inauguração, visto que, a estação da Calçada, a primeira e mais imponente do trecho, já houvera sido inaugurada, com pompa e circunstância, em 1860.

Uma segunda explicação para as pesquisas já realizadas não mencionarem a pretensa viagem inaugural de Fevereiro de 1863, pode ser encontrada no caráter modesto e dimensões acanhadas da estação construída em Alagoinhas e posta em operação naquele ano, indicando não só a interrupção da obra, mas também sua transitoriedade, na medida em que a execução do projeto entregue pela companhia às autoridades provinciais, exigiria um aporte maior de recursos financeiros, do que o capital já empregado pela companhia.

Àquela altura, o que estava concluído era um trecho de 123 km construídos, não a obra, que ainda tinha 450 km por construir. Portanto, não poderia haver viagem inaugural, simplesmente pelo fato de que a companhia pretendia reorientar financeiramente o contrato com a Província e, por sua vez, a Província exigiria o cumprimento integral do contrato em vigência. Isto demandaria, como demandou, longo embate entre as autoridades provinciais e os construtores da ferrovia Bahia and São Francisco.

Prova disto é o fato de que a construção do “prolongamento”, que nada mais foi do que a continuação da estrada, apenas interrompida no trecho que chegara até Alagoinhas, só vai se dar em 1878, sob a responsabilidade financeira da Província da Bahia, em consórcio com outros empreendedores.

Talvez venha daí a constante confusão encontrada nas diversas publicações alusivas a história de Alagoinhas, que muitas vezes indicam ser a Estação São Francisco, a mesma cuja operação se dá em 1863, tratando-se na verdade, daquela que é construída em concomitância com o prolongamento da estrada de ferro até Juazeiro, inaugurada, solenemente, em 1880.

E a pretensa viagem inaugural de 13 de fevereiro de 1863, onde está? Está em uma publicação comemorativa do centenário da independência da Bahia, em 1923. Ali, tal viagem inaugural aparece, pela simples razão de já ter se passado 60 anos dos eventos brevemente acima aludidos, havendo já sido resolvida a querela entre a companhia construtora da estrada de ferro Bahia and São Francisco e a então Província da Bahia.

Assim, em uma espécie de “rearrumação da história”, aquele diário oficial, comemorativo da independência da Bahia, se reporta a uma “viagem inaugural”, que é bem provável que não tenha existido.

Ilustração: planta da Estação São Francisco (embora o texto faça referência à estação Alagoinhas, não foi encontrada imagem específica).

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social (UFF) e professor da UNEB

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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