Resgate das agências reguladoras no Brasil está mais próximo

torres-de-eletricidade

Há alguns dias o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende, surpreendentemente se demitiu do cargo dois anos antes de o segundo mandato terminar. Ele alegou questões pessoais. Nos corredores da Anatel, o que se diz é que a decisão veio da falta de “clima” ante o iminente impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Indicado pelo ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo, Rezende fazia parte da cota do PT. Para seu lugar, o presidente interino Michel Temer indicou o ex-ministro Juarez Quadros. De cara, ele pega uma missão espinhosa: lidar com a recuperação judicial da telefônica Oi. A situação da Oi denota o pesado jogo político nas agências.

Em 2008, pressionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mudou a lei de telecomunicações para permitir a fusão da Oi com a Brasil Telecom, a Anatel liberou a junção com condicionantes.

Mensagens apreendidas pela Polícia Federal no celular de Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora Andrade Gutierrez, dona de 20% da Oi, mostram uma tentativa, em 2012, de barrar uma decisão da conselheira da agência Emília Ribeiro. Ela contrariava a proposta da operadora de converter uma multa de 2 bilhões reais em investimento.

Em outra mensagem, Rezende, da Anatel, incitou executivos da Oi a manter a pressão. A Oi conseguiu seu intento e a conselheira, tempos depois, se demitiu. Hoje, a dívida com a Anatel ronda os 10 bilhões de reais. “A falência da Oi é a falência da Anatel”, diz Thiago Cardoso, presidente da Associação Nacional dos Servidores das Agências Reguladoras (Aner).

Como se vê, é íntima a relação entre agências reguladoras, governo, políticos e empresas. Quase 20 anos após surgirem, as agências têm dificuldade em exercer seu papel: regular o mercado. Para ex-diretores e especialistas, elas evoluíram, mas foram capturadas ora pelo governo, ora por indicações partidárias, desvirtuando suas funções.

Um levantamento da consultoria Macropolítica aponta que sete das 44 diretorias de agências federais estão vagas. Até o final de 2018 o mandato de 28 diretores vencerá. Em outras palavras, 80% dos cargos podem ser renovados. É uma oportunidade para oxigenar órgãos vitais para a economia. O governo Temer aposta no projeto que cria uma lei geral para as agências.

Desde que assumiu a Casa Civil, o ministro Eliseu Padilha pergunta diariamente à sua equipe como anda a proposta no Senado. “O governo quer sinalizar um ambiente mais favorável aos negócios. O projeto é prioridade”, diz Marcelo Guaranys, subchefe da Casa Civil. No dia 17 de agosto, uma comissão do Senado aprovou o parecer da senadora Simone Tebet (PMDB-MS).

Agora a proposta irá para a Câmara. A expectativa é aprová-la ainda neste ano. Hoje, cada uma das dez agências federais tem lei própria. O projeto unifica as regras, prevê autonomia financeira e torna mais transparente o processo de escolha dos diretores.

Também cobra análises de impacto regulatório, planos de gestão e metas. “A proposta é o primeiro passo de um grande projeto para a sociedade”, diz a senadora Simone. Em seu governo, Lula deu sinais controversos: definiu as agências como uma “terceirização do Brasil”, mas aprovou um plano de carreira para os funcionários. Com o tempo e a necessidade de alianças políticas, os órgãos foram loteados.

A situação chegou a tal ponto que, em 2009, o senador Fernando Collor, então à frente da Comissão de Infraestrutura do Senado, determinou que os candidatos a diretor deveriam escrever uma carta afirmando que tinham experiência na área para evitar que mentissem sobre a capacidade técnica.

Um estudo recente da Fundação Getulio Vargas apurou que 90% dos diretores das agências vieram de órgãos públicos e apenas 6% da iniciativa privada. “Se as agências não operam de modo diferente do Executivo, somente adicionam burocracia, custo e risco”, diz Bruno Salama, coordenador da pesquisa. Além disso, há casos de conflito de interesses.

A Aner estima que 200 funcionários de estatais estejam cedidos para agências que as regulam. Quando chegou sua vez, Dilma Rousseff empurrou goela abaixo todo tipo de determinação às agências. Ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica, Edvaldo Santana considera “tempo perdido” os oito anos na agência após a medida provisória de 2012 que reduziu as tarifas de energia e quebrou o setor.

Segundo ele, até 2011 a agência vinha progredindo com medidas técnicas e transparentes. “Em 2012, a ­Aneel virou um departamento do Ministério de Minas e Energia”, diz Santana. Dilma diminuiu as nomeações estapafúrdias, mas o papel das agências foi engolido pelo governo. É o caso do decreto que deu aos ministérios poder de aprovar todos os gastos dos órgãos.

“As agências não fizeram parte da pauta do governo Dilma”, diz Jadyr Proença, coordenador do programa das agências na Casa Civil de 2004 a 2016. A autonomia orçamentária das agências prevista no projeto de lei é uma providência essencial para evitar relações promíscuas entre diretores e políticos.

Segundo a ONG Contas Abertas, dos 57 bilhões de reais planejados para as agências de 2010 a 2015, apenas 19,3 bilhões foram repassados. Exemplo: para a Anatel, foram previstos 5,6 bilhões de reais no ano passado, mas só chegaram 446 milhões.
A corrupção assombra as agências também.

Em 2012, a operação Porto Seguro, da Polícia Federal, desbaratou uma rede de venda de pareceres, lidera­da por Rosemary Noronha, ex-chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo. Diversos servidores de agências foram exonerados, inclusive diretores. O caso se arrasta até hoje na Justiça, mas não freou o apetite de criminosos.

Um executivo de uma multinacional alemã disse a EXAME que, em 2015, foi abordado por um “emissário” que sabia em detalhes de um empecilho que a empresa enfrentava numa agên­cia. Em um encontro em Brasília, veio a proposta: se ele se tornasse cliente de uma consultoria indicada, o processo seria acelerado. O pagamento não foi feito.

Autor do projeto de lei das agências reguladoras, o senador Eunício Oli­veira (PMDB-CE) foi criticado ao pressionar para que seu genro, Ricardo Fenelon, um advogado de 27 anos sem experiência na área, fosse admitido como diretor da Agência Nacional de Avia­ção Civil (Anac). Em agosto de 2015, Fenelon tornou-se o diretor mais jovem da história da Anac.

Com mestrado em regulação aérea pela Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, ele alega que trabalha para conquistar respeito no setor. “Estudo o assunto desde os 15 anos e sou apaixonado por aviação. Não sou apenas genro de Eunício”, diz. O Banco Mundial elabora há 20 anos indicadores de qualidade da regulação em 215 países.

Numa escala de zero a 100 pontos, o Brasil estreou com índice 65 em 1996, nível compatível com o de outros latino-americanos, como México, Argentina e Peru. Mas o dado mais recente, de 2014, mostrou que caímos para 50 pontos, ante a média de 87 dos paí­ses ricos e de 92 do Chile. O fortalecimento das agências pode mudar essa trajetória e estimular os tão necessários investimentos produtivos no país.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo