Profissionais de saúde enfrentam o medo de contaminação

A paramentação de segurança contra o coronavírus, a exemplo da máscara e da touca, não esconde o olhar preocupado de Edson Gomes, técnico de enfermagem e emergencista da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Marcos. A expressão vem à tona sempre que fala do medo de adoecer pela Covid-19 e contaminar a família, que está em casa: a filha Isabella, de 7 aninhos, e a esposa, a cabeleireira Bianca Araújo.

A exemplo de Edson, na linha de frente do combate ao coronavírus, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem relatam as dificuldades e desafios que têm enfrentado na pandemia. A Bahia contabiliza 649 profissionais de saúde com a Covid-19, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), divulgado ontem. Do total, são 167 técnicos ou auxiliares de enfermagem, 141 enfermeiros e 117 médicos. Ainda segundo o boletim, no geral, o estado registra 5.816 casos da doença, com 214 mortes e 1.418 pessoas curadas.

Com relação aos profissionais de enfermagem, no Brasil existem mais de 13 mil casos suspeitos de coronavírus e 98 óbitos registrados. Na Bahia, são 776 casos de Covid-19 reportados e uma morte registrada entre os trabalhadores dessa categoria. Os dados são do Observatório da Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), coletados ontem.

Aflições

“A gente não tem medo de cuidar das pessoas, pelo contrário, estamos aqui para isso. Porém existe o medo de adoecer e levar a doença para as pessoas que amamos. Isso causa mais estresse e preocupação para a rotina dos profissionais de saúde. Afinal, você nunca sabe quem tem ou não o coronavírus”, relata Edson.

Na UPA de São Marcos, Edson encara plantões exaustivos de 24 horas, com jornada que começa às sete da manhã. Ao chegar em casa, na Ribeira, ele separa a roupa em uma sacola e vai direto para o chuveiro, medidas que visam evitar o possível contágio da filha e da esposa. Na mesma unidade de saúde, Juliana Cerqueira, colega de trabalho e enfermeira, mantém hábitos parecidos. Ela é uma das primeiras profissionais que recebem os pacientes suspeitos de Covid-19.

“A gente fica com muito medo e saudade da família. Há cerca de dois meses estou sem visitar os meus pais, pois é necessário proteger eles. Quando chego em casa, a primeira coisa que faço é ir correndo tomar banho. Nem posso encostar no meu marido, o Alexandre, única pessoa que mora comigo. Do ponto de vista emocional, é tudo muito difícil”, explica Juliana.

Luta psicológica

De acordo com Maria Inez de Farias, presidente do Conselho Regional de Enfermagem da Bahia (Coren-BA), a assistência psicológica para os profissionais de saúde, a exemplo de Edson e Juliana, é fundamental.

Segundo a presidente, neste momento de pandemia, eles enfrentam ainda mais riscos emocionais, físicos, químicos, biológicos, pois a ameaça de contágio está sempre presente.

Por causa da pandemia, o Conselho Federal de Enfermagem disponibiliza um canal de atendimento 24 horas, todos os dias da semana, para que profissionais de enfermagem possam procurar ajuda emocional e psicológica. O chat online está disponível no site do Cofen (cofen.gov.br). A iniciativa é de enfermeiros voluntários especialistas em saúde mental e cuidado sentimental.

“A maioria dos contatos ocorrem na madrugada, num momento em que o profissional está só, com seus medos e incertezas”, afirma Farias.

Desafios físicos

No âmbito dos desafios enfrentados no dia a dia de trabalho, Juliana chega a usar duas máscaras de proteção, além de óculos, luvas, touca, macacão. Em muitos momentos, o calor e as marcas deixadas pelos equipamentos de proteção individual (EPIs) no corpo, principalmente no rosto, são inevitáveis. Somadas a isso, ações consideradas simples, a exemplo de beber água e comer, podem trazer riscos de contaminação e também serem desafiadoras.

A realidade é bem conhecida por Sandro Barral, médico cirurgião e coordenador médico da emergência do Hospital Aliança, no Rio Vermelho. “Para quem atua na área de saúde, o maior risco de contaminação é no momento de retirada do EPI. A gente precisa fazer isso quando precisa comer e beber água. Tudo tem que ser feito com muito cuidado e treinamento”, conta Sandro.

Apesar das medidas de segurança, ele não esconde o risco que os profissionais precisam encarar para cuidar das outras pessoas. Ele mora com a esposa, Tatiana, e os filhos pequenos, Júlia, de 6 anos, e Enrico, de 4 aninhos. “A gente deixa a família em casa para cuidar de outros familiares. Estamos aqui para enfrentar a Covid-19 e peço que as pessoas façam o mesmo, ficando em casa. Assim elas protegem também os profissionais da saúde”, diz o médico, num apelo à população.

Cuidados

Além da conscientização das pessoas em relação ao isolamento social, Ana Rita de Luna, presidente do Sindicato dos Médicos no Estado da Bahia (Sindimed-Ba), reforça que os gestores da saúde precisam afastar do trabalho os profissionais que fazem parte dos grupos mais vulneráveis os efeitos da Covid-19. “É preciso dar condições dignas e salvaguardar o direito à vida de profissionais médicos acima de 60 anos e com comorbidades. Além disso, é essencial garantir a testagem do coronavírus em profissionais de saúde”, acrescenta a presidente.

Com uma colega de profissão adoecida e em isolamento domiciliar, Aline Soares, técnica de enfermagem e enfermeira, espera por dia melhores para a população e os profissionais de saúde do estado. A mãe da menina Inaiá Omin, de 5 anos, e do Lucayan, 6, trabalha na UPA de Monte Gordo, em Camaçari.

“Ter uma amiga e colega de profissão adoecida é duro. A gente cai na real sobre os riscos da nossa rotina. Aumentei a atenção com os cuidados de prevenção, a exemplo do correto uso dos EPIs, para tentar não fazer parte dessa triste estatística e não levar risco para os meus pequenos. Eles são a minha vida. Diante do momento, resta torcer por dias melhores”, desabafa Aline.

 

Fonte: A Tarde

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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