PMDB é cúmplice dos erros na economia, diz economista

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Dizem que esta é a maior crise econômica da história do Brasil. Que todos vamos pagar a conta, que passaremos por sacrifícios até isso tudo passar. Mas, se é assim, como um remédio tão simplório como a troca de uma presidente pelo seu vice pode trazer a cura definitiva?

Mansueto Almeida, entre os mais requisitados especialistas em gastos públicos do Brasil, não vê margem para esse tipo de milagre.

Em conversa com o Porque.com.br e a revista O Visconde, o economista falou sobre o mix de decisões econômicas, tomadas equivocadamente desde 2009, que nos trouxe a este poço sem fundo.

Analisou a influência da corrupção sobre a crise, as reformas urgentes para sairmos dela e a real capacidade de Michel Temer fazer a economia andar de novo.

Para ele, os erros que fizeram a crise bater à porta dos brasileiros foram chancelados pelo PMDB, partido do vice eleito com Dilma, responsável pela sustentação do governo desde os tempos de Lula. Mansueto prevê dificuldades para Temer fazer ajustes doloridos (como mudar as regras de aposentadoria e elevar impostos) sem ter conquistado, antes, a aprovação das urnas.

Ele pondera ainda o fato de Temer ter só dois anos e meio para consertar uma série de equívocos cometidos pelo governo, com a sua cumplicidade, durante tantos anos.

Seja você “coxinha”, “petralha” ou “isentão”, saiba: não é exagero nenhum pensar que o futuro de toda a população brasileira, sobretudo a fatia mais pobre dela, depende desta crise terminar bem. Passada a ressaca do impeachment, como verá neste papo com Mansueto, não é a hora de ideologismo, mas de realismo:

Como chegamos nesta situação?

Não foi um erro, não foram dois erros, foram cometidos diversos erros de política econômica depois de 2008 e 2009. Naqueles anos, sob efeito da última grande crise internacional, o governo, corretamente, expandiu o crédito público e criou alguns programas subsidiados.

Mas esses programas, que eram para ser temporários, se expandiram ano após ano, mesmo quando a conjuntura da economia já estava se recuperando, na virada de 2009 para 2010. Nessa época, o governo passou a exigir que a Petrobras fosse operadora de todos os blocos do pré-sal, com investimento de 30% em cada bloco. Já em 2011, iniciou sua agenda de proteção, trazendo isso até para o setor de saúde.

Depois, reduziu o preço da energia em plena seca, o que aumentou a pressão nas termelétricas e deveria ter aumentado o preço da conta de luz. No entanto, o governo se recusou a subir preços e causou um desequilíbrio financeiro muito grande para as empresas do setor. Aí, começou a fazer desonerações, a cortar impostos, mas isso mais uns setores que em outros. Essas desonerações seletivas causaram problemas de desigualdade de tributação. Foi uma série de erros que nos trouxe a esta crise econômica, a maior dos últimos 80 anos do Brasil, e que ninguém esperava que fosse tão severa. No final de 2014, por exemplo, se esperava que o PIB de 2015 crescesse 1%.

Mas tivemos um PIB negativo de 3,8% em 2015, o que pode se repetir em 2016. É algo que não se esperava e que mostra o tamanho da desorganização que foi feita na área econômica.

Temer está aí. Ele fazia parte deste governo, tão criticado, assim como alguns de seus ministros. O governo Temer será capaz de recolocar o Brasil num caminho de crescimento?

Por um lado, a gente escuta um diagnóstico correto. Por outro, as propostas são impopulares. Em geral, quando um governo começa, tem popularidade grande, traz uma agenda de reformas e às vezes perde um pouco de popularidade. Mas, quando um governo já começa com uma popularidade muito baixa, não é certo que ele vá conseguir aprovar reformas difíceis.

Quando as questões são debatidas por longo tempo numa eleição, a sociedade já sabe o que está por vir. E não é o caso agora, a gente não passou por eleição. Essas ideias serão postas agora no Congresso por um partido que se tornou governo sem antes ter tido um debate extenso com a sociedade.

É difícil saber se vão conseguir ter tempo e habilidade política para insistir na agenda de reformas com uma economia, no curto prazo, piorando. Vamos conseguir fazer essas reformas em meio a isso? Espero que sim, mas é muito difícil falar agora se eles vão conseguir. O PMDB é cúmplice dos erros na economia.

A desoneração de impostos, por exemplo, agrada a determinados setores da elite empresarial ligada ao PMDB. O governo Temer tem agenda, a Ponte para o Futuro, mas essa agenda não decorreu de um grupo que se reunia e discutia os problemas do país. Essa agenda é um apanhado de coisas que alguém achou interessante e colocou num documento.

Foi uma necessidade política?

Isso. A gente pensa que agora que adotaram esse discurso vão colocar em prática. Mas confesso que não sei… Temos uma diferença muito grande entre o que se fala e o que se faz. Parte das medidas adotadas no governo Dilma tinha todo o PMDB de Temer por trás.

Quando desoneraram a folha de salários para estimular a contratação de empregados, foi desastroso.

O então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em 2015, tentou reverter parte dessa política. E o PMDB? O PMDB foi contra. Mas é exatamente o que o PMDB diz que vai fazer agora. Eles começam com o benefício da dúvida, terão a boa receptividade do mercado. Mas terão de mostrar serviço em seis meses.

E se não fizerem essas reformas? Caminhamos para um cenário de explosão da dívida e hiperinflação?

Se eles não avançarem no controle de gastos, se não tiverem sucesso em negociar um pacote de reformas, se ficar tudo como está, a gente entra numa trajetória de endividamento que assusta. A média de endividamento dos países emergentes é de 44% do PIB. Nossa dívida, hoje, já é de quase 74% do PIB.

A nossa dívida era de 51% do PIB há dois anos. A coisa caminha para um endividamento de 84% do PIB já em 2018. Precisaremos de um ajuste fiscal severo que não é nem para pagar a dívida, mas para estabilizá-la, para ela parar de crescer. Desse jeito, o Brasil continuará sendo um país que paga juros muito altos. E há mais riscos pela frente. Além desse ajuste fiscal, há buracos que ainda não sabemos mensurar como são. Por exemplo, o que acontece com todo país do mundo em que um banco expande muito o crédito em um momento de recessão e queda de renda? Aquilo se transforma em inadimplência.

A Caixa Econômica Federal entrou num mercado novo, de crédito comercial, e duplicou a participação dela do mercado de crédito total. Isso aconteceu em plena desaceleração da economia, quando as pessoas perdiam renda. Qual o tamanho desse buraco? Ninguém sabe. O problema da Petrobras continua. Há uma série de coisas que se não forem muito bem coordenadas, explicitadas e transparentes, corremos o risco de termos um agravamento muito sério da crise e um cenário totalmente imprevisível.

Todo mundo bate nos políticos, mas e o setor privado, quais foram os erros nos últimos anos?

O setor privado foi convivente, o setor privado pressionava o governo para ter uma redução de carga tributária sem reduzir o gasto público e isso gera desequilíbrios. O Brasil paga imposto? Paga. A gente tem uma carga tributária excessiva? Tem. Mas, por outro lado, tem um gasto público excessivo.

Os empresários pediam redução de carga tributária e, ao mesmo tempo, pediam subsídios sem querer discutir gastos públicos. Foi convivente. Quando o governo reduziu a taxa de juros em 2012, para 7,25% ao ano, num momento em que a inflação começava a disparar, o setor privado aplaudiu: “Ah, o Brasil precisa de juros baixo!”. Mas os juros estavam caindo e a inflação subindo, era uma equação que não fechava.

Quando o governo reduziu as tarifas de energia elétrica, começou a ter falta de chuva e diminuição do nível de água nos reservatórios. Isso deveria levar ao aumento do preço da energia, não o contrário. Mas o setor privado foi para televisão, o presidente da Fiesp foi para televisão defender a queda dos preços de energia.

O resultado foi um sério desequilíbrio financeiro nas empresas do setor elétrico, o que forçou o aumento da conta de luz acima dos 50% no ano passado.

E essa ligação do PMDB com a Fiesp, que tenta um acordo com Temer para não ter a volta da CPMF? A conta fecha sem mais impostos?

Não no curto prazo. O ajuste fiscal necessário deve ser de entre 200 e 300 bilhões de reais em dois anos e meio de governo Temer. É muito difícil reduzir o gasto público nessa magnitude. Como transformar um déficit primário de 100 bilhões ao ano em número positivo em tão pouco tempo? Você não consegue cortar 100 bilhões de despesa num período de pouco mais de dois anos. Para ter ideia, o investimento do governo federal no ano passado foi de 55 bilhões de reais.

Se o governo federal não investisse nada, economizaria, portanto, esses 55 bilhões de reais. Isso é só metade do esforço fiscal que ele tem de fazer para ter um superávit primário zero. Possivelmente, virá uma combinação de cortes de despesas e aumento de impostos, mas o efeito não será imediato.

Se eles insistirem em não mudar nenhum imposto, não conseguem fazer superávit. Você não consegue um superávit primário de 2% ou 3% do PIB em tão pouco tempo só com corte de despesas. E se apenas aumentar o imposto, mas não mudar nada na despesa, essa despesa continua crescendo e o desequilíbrio fiscal fica cada vez mais grave. Mas, se o novo governo aumentar impostos, tem de colocar na lei uma redução gradual desse mesmo imposto nos próximos quatro ou cinco anos.

É um ajuste difícil… Precisa de mais receita no curto prazo para melhorar os números e para que a dívida não cresça tão rápido como hoje. Ao mesmo tempo, só isso não bastar, é preciso o governo controlar o crescimento do gasto público. E fazer ajuste fiscal e controlar o crescimento dos gastos públicos é algo que demanda tempo. No Brasil, hoje, é inconstitucional reduzir salário nominal.

É inconstitucional, por exemplo, reduzir o valor de aposentadorias. Então, mesmo que eles consigam a reforma da Previdência, o resultado não vem de imediato. No curto prazo, vão precisar de mais impostos. Novamente: carga tributária deve estar ligada a um processo de ajuste que envolva controle do gasto público e mudanças nas regras que determinam o crescimento da despesa.

Tem muito corporativismo entre grupos empresariais, sindicatos e associações de classe. Qual o peso desse sentimento corporativista na situação econômica nacional?

Tradicionalmente, o Brasil tem um setor privado muito corporativista, as associações brasileiras são muito corporativistas. Em geral, demandam do governo muitos benefícios e raramente querem discutir questões estruturais. Mas tem algo que agrava essa situação: a postura do governo.

Quando setor privado e associações negociam com um governo que quer atender essas demandas, há um agravamento do corporativismo. Um governo tem chegar e dizer: “A minha negociação com você, setor privado, é baseada em reformas que beneficiem tanto o dono da padaria quanto o dono de uma grande empresa de autopeças”. A forma de o governo atuar e responder às demandas dos empresários pode levar a mais ou a menos corporativismo.

Houve um incentivo ao corporativismo…

Exatamente. Nos últimos anos, o governo incentivou o corporativismo. Atendia demandas específicas, com um agravante: o governo aumentou muito sua dívida para dar incentivos setoriais, subsídios, e não divulgou o custo disso. Muitas pessoas não tinham a real dimensão do tamanho do problema.

E esses incentivos não ajudaram na produtividade. Como promover a produtividade no cenário atual de crise?

Não ajudou e até piorou. A produtividade crescia até 2010, depois passou a cair. Sabemos que a agenda de produtividade é feita por uma serie de fatores caminhando na mesma direção: ter mão de obra mais escolarizada; ter regras de negócios transparentes e simples, não esta estrutura tributária extremamente complexa e com regras que mudam a todo o momento; ter maior controle e transparência do gasto público; ser mais aberto ao comércio internacional; ter mais concorrência em todos os setores; tratar os iguais como iguais, permitindo que quem tenha o mesmo rendimento mensal pague a mesma carga tributária…

Se você avança com toda essa agenda, a produtividade claramente cresce mais. Vejamos o exemplo dos Estados Unidos: saiu da Segunda Guerra Mundial com uma renda per capita de 12 mil dólares e se tornou um país com renda per capita de quase 50 mil dólares sem “milagre econômico”.

De 1947 até 2007, antes da crise mundial, o PIB dos Estados Unidos crescia acima de 6% ao ano. Mas eles cresceram consistentemente. A renda per capita avançou entre 2% e 3% ao ano durante 60 anos. Esses 13 mil dólares de renda per capita de 1947 nos Estados Unidos é o estágio em que o Brasil estava há apenas dois anos.

Esse é o desafio do país: crescer constantemente. Será uma revolução se ficarmos crescendo 3% ou 4% ao ano. Mas não adianta fazer isso por 10 ou 15 anos. Tem que crescer assim por muitas décadas.

Quando a gente acompanha os discursos dos políticos fica a impressão de que eles não têm muito conhecimento dessa gravidade da crise econômica…

A percepção dos políticos sobre a crise está um pouco mais realista, mas ainda muito distante do tamanho do problema pelo qual passamos. O problema exige medidas duras, como a revisão de vários programas sociais – mesmo que não gostemos da ideia. Seria ótimo que o governo pudesse dar casa barata para todos, mas não tem dinheiro. Vai ter de parar com uma série de programas e fazer a opção pelas políticas essenciais, sem desamparar as pessoas de mais baixa renda.

Como ficam os programas sociais?

O que a gente gasta com o que se chama de “programas sociais” se tornou quase 25% do PIB, é uma categoria muito ampla. Nessa categoria muito ampla, a gente coloca tudo no mesmo rótulo de “gasto social”, até o que não é. E, mesmo sendo de fato um “gasto social”, alguns são feitos com os mais pobres e outros não.

Programas como o Bolsa Família, que custa só meio ponto porcentual do PIB (uns 7 bilhões de reais), têm de ser mantidos e melhorados. A rede de educação pública, principalmente a de educação básica, tem de ser ampliada. São áreas essenciais num país tão pobre.

Por exemplo, um dos investimentos mais importantes para combater a desigualdade são as oportunidades. Desigualdade não é necessariamente ruim, as pessoas não querem necessariamente ser iguais. Tem gente que quer trabalhar numa ONG e tem gente que quer trabalhar num banco, por exemplo.

O que a política pública tem de fazer é dar às pessoas igualdade de oportunidades. Independentemente da família, do local de nascimento, você precisa ter educação e saúde. É assim que os cidadãos crescem, se desenvolvem e podem competir de igual para igual com quem nasceu em família rica ou nas regiões mais ricas do Brasil.

Agora, várias outras coisas que a gente chama de “gasto social”, como aposentadoria de funcionário público, são classificadas como “gasto social” e de “social” não têm nada. Outro exemplo? Gastar com a educação superior de quem pode pagar, sobretudo num momento de crise… Quem é pobre, sim, esse deve mesmo ter a ajuda do governo.

Os mais pobres sempre são os que mais sofrem numa crise. Como explicar para essa população a gravidade do momento e a consequente necessidade de reformas que podem bater no bolso deles?

Por isso a gente precisa dos políticos. Uma liderança política tem de transformar isso em uma linguagem muito simples para a população, mostrar que é errado alguém se aposentar com 54 anos no Brasil, por exemplo. Uma pessoa de 54 anos no Brasil, hoje, é uma pessoa nova, capaz. Poderia ser alguém considerado velho na década de 1950, agora é uma pessoa jovem… Não faz sentido alguém se aposentar com 54 anos.

É preciso explicar para a população que o Brasil está passando por um processo de envelhecimento muito rápido em que a população vai vive mais anos daqui em diante. Se a gente não mexer nas regras da Previdência agora, vai faltar dinheiro para saúde e educação no futuro para melhorar as oportunidades para as famílias pobres… Tem de haver um debate muito claro, transparente e aberto. É a sociedade quem vai decidir e quem vai escolher.

A sociedade, aliás, pode muito bem escolher: “Olha, não quero mexer em nada na Previdência, acho normal se aposentar com 54 anos”. Mas, se a sociedade quiser isso, deve se preparar para pagar mais impostos.

Ou seja, a solução da crise passa por apresentar às pessoas a gravidade por trás de cada escolha, as consequências dessas escolhas?

Exatamente! A questão da reforma de Previdência é prática: o Brasil, em 30 anos, deve ser um país tão velho quanto o Japão é hoje. Proporcionalmente, o Japão tem hoje o triplo de idosos do Brasil. E o Brasil já gasta com Previdência o equivalente ao Japão! Mas o Brasil só vai ter proporcionalmente o mesmo número de idosos que tem o Japão daqui a 30 anos…

A gente gasta com aposentadorias 12% do PIB e, com as regras atuais mantidas, a previsão do governo é que esse volume chegue aos 20% do PIB em 2050. Nenhum lugar do mundo gasta 20% do PIB com seus aposentados. Se a gente não fizer a reforma da Previdência, o governo não terá recursos para investir no que precisa: saúde, educação e outras áreas importantes.

Sobre mudanças de regras nas aposentadorias, boa parte da reclamação vem dos aposentados, pelo medo de perder direitos. Não faz sentido esse temor?

Esse temor se justifica, as pessoas não sabem muito bem o que é essa reforma. Agora, sim, cabe ao governo ser muito transparente e discutir uma regra de transição. Quem está próximo de se aposentar não deve ser prejudicado. No mundo inteiro tem um período de transição quando a reforma de Previdência é feita.

Teremos uma transição muito longa, de 10 anos ou 20 anos, ou menor? Cabe estabelecermos e discutirmos esse período respeitando sempre o direito adquirido, sem mexer com quem está aposentado ou às vésperas de se aposentar. Se você fizer um período de transição que a sociedade perceba como justo, o medo em relação à reforma diminui bastante. Todos os países do mundo fizeram. Vai aumentando a expectativa de vida da população, logo, é normal você aumentar a idade mínima de aposentadoria.

É uma coisa que a gente não escapa. O Brasil já tem um gasto com Previdência muito alto.

Mas se você vai às ruas, às manifestações… Na boca do povo parece injusto ter corruptos em Brasília enquanto o povo paga por ajustes como o da Previdência.

A corrupção tem um impacto grande e gera uma sensação de injustiça. Como fazer reforma da Previdência e corrigir programas sociais enquanto temos corruptos comendo dinheiro público? Mas é uma área em que estamos avançando. Pela primeira vez, colocamos parte de pessoas muito ricas do Brasil na cadeia.

Órgãos como Polícia Federal, Ministério Público e Justiça fazem bom trabalho. Mas aí tem um problema adicional: mesmo que você avance no combate à corrupção, não significa que o ajuste fiscal não seja necessário. Embora a corrupção seja fruto do desvio de dinheiro público, o fim da corrupção não vai dar tanto dinheiro assim para o governo investir em educação, em saúde, em transporte urbano…

Temos um buraco nas contas públicas de 100 bilhões de reais. Esse buraco precisa ser tampado e apenas o combate à corrupção não é suficiente.

É sempre forte a pressão de movimentos sociais contra reformas que envolvam privatizações. Essas medidas são necessárias?

Sem dúvida, o governo não tem dinheiro. Vai ter de privatizar, fazer concessão e Parceria Público-Privada (PPP). O investimento do governo federal em 2014 foi de 77 bilhões de reais; em 2015, caiu para 55 bilhões de reais; neste ano, possivelmente vai ser menor e o Temer fala em cortar ainda mais.

O governo não tem dinheiro para investir, vai depender de recursos privados. Estamos numa trajetória que ou deixamos o setor privado entrar para investir ou a frustração de acesso a serviços públicos, como educação, saúde e transporte, será ainda maior.

O PT virou esse espantalho da corrupção para muitos e a principal alegação contra Dilma no processo de impeachment nem é que ela seja corrupta, mas que cometeu “crime de responsabilidade” com as “pedaladas fiscais“. Que “crime” é esse, qual a sua gravidade?

Grande parte da nossa história de inflação nas décadas de 1970 e 1980 tem muito a ver com a falta de responsabilidade fiscal. Lá no final dos anos 50, quando decidiram construir Brasília, não tinha dinheiro.

Mesmo assim, fez-se dívida e imprimiu-se moeda para construir Brasília. Nas décadas de 1970 e 1980 no Brasil, os estados tinham bancos públicos e o governo federal tinha a chamada conta movimento. Quando o governo federal não tinha dinheiro, mandava o Banco Central imprimir.

Os bancos estaduais faziam algo semelhante: quando precisava de dinheiro e não tinha, pedia emprestado para o banco estadual e o banco estadual pedia emprestado ao Banco Central, que imprimia. Uma das origens do nosso problema de inflação alta, que levou a quase uma situação hiperinflacionária, é a falta de equilíbrio fiscal, a dificuldade de se gastar apenas aquilo que se tem, sem se endividar. O Plano Real funcionou não apenas porque cortou a inflação, mas porque também foi um plano de ajuste fiscal.

Em 2001, foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com vários aspectos positivos. Entre eles, a LRF diz que um banco público não pode financiar seu controlador. A LRF estabeleceu também que você tenha vários relatórios periódicos, a cada dois meses, de tal forma que os governos possam avaliar se a receita e a despesa estão se comportando como o esperado pela chamada meta fiscal. E o governante não é obrigado a fazer superávit, mas tem de mostrar a meta para a população, que pode até ser um déficit.

Se, ao longo do ano, de acordo com os relatórios bimestrais, o governo não estiver conseguindo cumprir a meta, aí ele deve tomar medidas de controle do gasto público. Algumas coisas que o governo fez para adequar esses números foram equivocadas, é aí entra a questão das pedaladas.

O governo tinha vários programas de subsídios via Banco do Brasil e BNDES, mas o governo não pagava esses bancos de volta, isso é a pedalada. O governo atrasava o pagamento, os bancos computavam aquilo como crédito a receber do Tesouro e cobravam juros, o que configura operação de financiamento.

Esse foi um dois problemas. Se um governo quer dar algum subsídio, promover alguns setores, independentemente da gente concordar ou não, é legitimo. Mas, para isso, precisa da aprovação no Congresso. O governo tem de deixar bem claro à sociedade o custo disso. O governo deu uma onda de subsídios para vários para vários setores empresariais e escondia isso da sociedade quando não pedia o crivo do Congresso – e esse foi o segundo problema.

Para quem viveu outras crises brasileiras, o filme de hoje é repetido: volta da inflação, volta do desemprego, volta do endividamento do país, etc. Como comparar esta crise às passadas?

Tem algumas diferenças. Hoje temos um mecanismo de controle que naquela época não tínhamos. Naquela época, foi preciso fazer toda uma legislação nova.

Em termos institucionais, o Brasil avançou bastante. Mas tem uma série de falhas ainda. Uma delas ligada aos subsídios. A gente precisa dar mais transparência ao uso do recurso público. Além disso, precisamos construir mecanismos para que os estados façam o ajuste fiscal, o que eles não têm hoje. Não adianta nada dizer que um estado tem de fazer ajuste fiscal, já que 80% da receita dele é gasta com pessoal e não há modo de reduzir esse gasto de um ano ao outro.

Os estados também passam por uma crise forte de endividamento. Dá até para dizermos que são duas crises fiscais paralelas, a do governo federal e a dos estados, e que uma tem o poder de inflar a outra. Como se chegou a isso e qual a solução?

Existe um problema muito sério: grande parte da crise foi causada por despesa com pessoal, ativo e inativo. Muitos estados quando fazem a conta de quanto gastam com trabalhadores não computam no gasto o que eles gastam com terceirizados. Quando você faz a conta correta percebe que alguns estados brasileiros chegam a gastar 80% do que foi arrecadado só com pessoal. Portanto, reduzir as despesas dos estados significa reduzir a folha de pessoal.

Mas, hoje, não há tem instrumento para isso. É inconstitucional. O estado só pode demitir quem não tem estabilidade. Por lei, hoje, para demitir um funcionário público com estabilidade você é obrigado a dispensar todos os outros não estáveis. Imagine, por exemplo, um estado que contratou 500 policiais nos últimos três anos. E digamos que esses 500 policiais não tenham estabilidade, mas duas pessoas na Secretária da Agricultura tenham, embora seus serviços não sejam mais necessários. Para apenas um desses funcionários com estabilidade serem demitidos, a lei manda que estados demitam antes os 500 policiais sem estabilidade.

Essa regra torna praticamente impossível fazer ajuste de folha no curto prazo. Possivelmente, será preciso dar algum alívio para os estados endividados com o governo federal e atrelar a isso um compromisso de ajuste fiscal de longo prazo. Assim, à medida que os estados começarem a se recuperar, haverá mecanismos para que o retorno das receitas não seja gasto. Os estados tiveram aumento de receita de 60% entre 2004 a 2012. Tudo isso foi transformado em gasto.

De um lado, existem iniciativas como a Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, em Goiás, que tendem a ser adotadas em outros estados. De outro, há estados que querem renegociar suas dívidas com o governo federal sem contrapartida nenhuma…

Renegociação é sempre uma coisa política. E hoje ela é imprescindível. De fato, com a conjuntura política atual, com dois anos de PIB em queda, com dois anos de queda da arrecadação, fazer um ajuste fiscal é difícil. Essa renegociação da dívida é positiva, mas desde que atrelada a uma série de contrapartidas, desde que haja o comprometimento dos estados para que a situação não se repita no futuro.

Tentando deixar um pouco sua análise de economista de lado, como se sente quando chega em casa e liga a televisão para ver o noticiário?

O sentimento é de que Brasil passa por uma década perdida que não era necessária. Isso é um balde de água fria nas expectativas da população, que vinham melhorando.

O Brasil passou a década de 1990 fazendo reformas. O governo era dono até de hotel! Livraram-se desse e de outros hotéis, investiu-se em educação, foram criadas regras para o investimento em saúde… Vínhamos consistentemente melhorando. Conseguimos controlar inflação, que era um grande problema, e começamos a atrair capital estrangeiro.

O governo Lula deu continuidade a todo esse processo. Vínhamos numa trajetória espetacular e, de repente, o governo quis inventar a roda depois da crise mundial de de 2008 e 2009, não precisava. Pensaram: “A roda é redonda e o carro já anda muito bem! Será que se fizermos uma roda quadrada ele não vai andar melhor?”.

A gente fez experiências malucas que não deram certo. Estamos num momento muito difícil, a sociedade espera mais investimento em transporte público, saúde e educação. E agora o governo não vai ter dinheiro para isso. Para continuarmos com os avanços sociais temos de crescer. Para crescer, temos de começar a resolver todas as nossas anomalias. Brasileiro se aposentar com 54 anos, por exemplo, é uma anomalia.

A gente também não suporta ter educação pública gratuita em todos os níveis – tanto não suporta que o governo manda um bocado de pessoas de baixa renda estudar em escolas privadas com o Fies.

Também não suporta investir mais em saúde e educação sem mudar a regra das aposentadorias. Mesmo que reformulemos vários programas, nossa rede de assistência social é tão extensa que continuará grande. E já que o país fez essa opção, não vai ter dinheiro para ficar dando incentivos sob medida a empresas e setores industriais.

O Brasil precisa rever as suas prioridades?

Sim, além de deixar isso muito claro para a sociedade.

Quando a sociedade sabe os custos das coisas, ela demanda. Quando ela sabe que o dinheiro dela está sendo mal usado, ela demanda que seja bem usado.

Quando sabe que o dinheiro está sendo desviado, ela fica com raiva e quer ver na cadeia quem está desviando o dinheiro público.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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