O que Temer faria na economia? Documento do PMDB dá pistas

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O que significaria um governo Michel Temer para a economia brasileira?

A pergunta não para de ecoar desde que a Câmara dos Deputados aprovou o seguimento do impeachment da presidente Dilma Rousseff em meio a maior recessão da história do país.

O mercado fica otimista com (qualquer) perspectiva de mudança política, mas ninguém sabe ao certo o que Temer quer (e vai conseguir) fazer quando tomar o poder.

Um bom indicativo será sua equipe econômica, possivelmente liderada por Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central na era Lula.

Mas outras pistas podem ser encontradas no documento “Uma Ponte Para o Futuro”, lançado pelo PMDB através da sua Fundação Ulysses Guimarães.

“Ter esse texto já é um elemento para Temer não começar a falar demais sobre o futuro, mas [seu programa] deve ter muita coisa em comum, porque não faria sentido divulgar aquilo se não fosse pra valer. Há uma percepção dele e de seus aliados que será necessária uma guinada, e esse texto é uma guinada”, diz Raul Velloso, especialista em contas públicas, em entrevista para EXAME.com

A divulgação foi em 29 de outubro de 2015 – antes da aceitação do processo de impeachment por Eduardo Cunha, em 02 de dezembro e antes também do do rompimento oficial do partido com o governo, em 29 de março.

Na mesma época, o partido confirmou que já trabalha em uma ampliação do documento que fale também do social e antecipou algumas medidas, como o foco dos programas no 10% mais pobre da população. Surge o esqueleto de um plano de governo.

Se concluído o impeachment, o partido que não lança candidato a presidente desde 1994 terá uma pequena janela para aprovar uma agenda altamente impopular sob a liderança de alguém que não inspira a população (para dizer o mínimo).

Em seu favor, um eventual governo Temer contaria com a menor oposição legislativa desde 1992 e com a reconhecida capacidade de articulação do hoje vice, além da boa vontade do mercado.

“Isso abre um caminhão de chances se o PMDB tiver mesmo a ideia de ser um formulador de políticas econômicas, como o PSDB na era FHC e o PT no início do Lula. O PMDB vai precisar ser mais pensador do país, não pode ser nesse momento o PMDB que sempre foi”. diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, em entrevista para EXAME.com.

No entanto, o partido teria que enfrentar a oposição de um PT ressentido e de movimentos sociais reernegizados, além dos suas próprias incoerências e instintos fisiológicos.

Um pequeno exemplo: o PMDB pede o fim dos gastos obrigatórios com saúde, mas há um mês a Câmara aprovou em 1º turno, de forma esmagadora e com seu apoio, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta justamente esse repasse nos próximos anos.

Há também críticas internas. O senador e ex-governador Roberto Requião, da ala do PMDB mais próxima de Dilma, diz em seu blog que o documento “é a mesma cansativa e monótona oferta de quase todos os partidos e políticos aos interesses da banca e dos rentistas.”

Diagnóstico

No seu documento, o PMDB avalia que o o maior obstáculo para a volta do crescimento é o problema fiscal e a trajetória ascendente da dívida pública, que está em 66% do PIB e pode chegar a 85%-90% até 2018.

“O desequilíbrio fiscal significa ao mesmo tempo: aumento da inflação, juros muito altos, incerteza sobre a evolução da economia, impostos elevados, pressão cambial e retração do investimento privado”.

A “Ponte” avalia que as medidas propostas são “uma necessidade e quase um consenso” que não entram em prática por causa da “inércia e imobilidade política”.

A meta é elevar a taxa média de crescimento para no mínimo 3,5%-4% ao ano ao longo da próxima década, o que corresponde a uma alta de 2,5% na renda anual por habitante, o nível histórico do país no século XX.

Medidas

O P,MDB reconhece que apesar dos excessos do governo federal nos últimos anos, “a parte mais importante dos desequilíbrios é de natureza estrutural”.

Entre 1985 e 2013, a carga tributária cresceu de 24% para 36% do PIB. O aumento de receita foi necessário para acomodar o aumento do gasto corrente que ocorre por inércia em um Orçamento cada vez mais engessado.

1. Fim das vinculações

Cerca de 90% dos gastos são amarrados por lei. Na hora do ajuste fiscal, sobram para ser cortados justamente os investimentos, que criam a capacidade de crescimento futuro.

Na visão do PMDB, a solução para a questão é “acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação.”

O partido diz que as vinculações vem da desconfiança do Legislativo de que o Executivo não executaria o Orçamento aprovado e que isso acaba com o “Orçamento impositivo”, que seria protegido de mudanças após aprovado pelo Congresso.

De forma geral, o documento aumenta bastante as prerrogativas do Legislativo vis a vis o Executivo. Para movimentos sociais, as vinculações garantem o cumprimento das obrigações previstas na Constituição de 1988.

2. Fim das indexações para salários, benefícios previdenciários e mais

Na visão do partido, o salário mínimo se tornaria “um instrumento próprio do mercado de trabalho” e não mais a base para reajuste de salários do Estado e Previdência, o que diminuiria o aumento inercial do Orçamento.

“Nunca devemos perder de vista que a maioria da sociedade não tem suas rendas indexadas (…) A indexação das rendas pagas pelo Estado realiza uma injusta transferência de renda, na maioria das vezes prejudicando as camadas mais pobres”, diz o texto..

3. Orçamento de base zero

“A cada ano, todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios (…) De qualquer modo, o Congresso será sempre soberano e dará a palavra final”, diz o texto.

O Brasil carece mesmo de avaliações objetivas que definam prazos, foco e metas para programas.

No entanto, a falta de garantias mais longas pode prejudicar o planejamento da gestão pública e deixar bons programas vulneráveis a negociações fisiológicas.

5. Limite legal para gastos de custeio inferior ao crescimento do PIB

Um teto para o crescimento dos gastos seria definido por lei para evitar que eles crescessem mais do que o PIB, como vem acontecendo há um bom tempo.

É o que o ministro Nelson Barbosa vem propondo, com cortes automáticos em caso de descumprimento.

6. Idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres

A Previdência é a principal rubrica de despesas depois dos juros. O texto nota que o Brasil gasta 12% do seu PIB em Previdência Social, próximo de países como Alemanha e França, apesar de nossa população (ainda) ser bem menos envelhecida.

A ideia é estabelecer uma idade mínima de aposentadoria, algo que poucos países não tem, de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres. A mudança teria pouco efeito imediato, mas mudaria expectativas ao melhorar a trajetória de gasto no longo prazo.

Apesar da rejeição do Partido dos Trabalhadores, o governo e Dilma estavam sinalizando com o envio de uma proposta de Reforma para o Congresso nestes moldes, mas ela acabou atropelada pelo agravamento da crise política.

7. Retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência, e na área trabalhista, “permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”.

No primeiro caso, uma tentativa de dar fôlego à Petrobras diante da corrupção e da queda internacional do preço do petróleo. No segundo caso, a promessa de grande briga com as centrais sindicais que faria a Lei de Terceirização parecer apenas um aperitivo.

9. Maior abertura comercial e busca de acordos regionais

O texto fala em buscar entendimento com “todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles”, em acordos amplos q.

10. Na área tributária, “um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino.”

Essa proposta já vem amadurecendo há muito tempo e é consenso. O difícil é arbitrar os interesses distributivos envolvidos, já que muita gente perderia receita e achar compensações é difícil em qualquer época – que dirá em um momento de restrição orçamentária.

Omissões

Um trecho fala em “reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos”, mas não há nenhuma menção ao BNDES ou aos subsídios setoriais que explodiram nos últimos anos.

De acordo com a matéria do Estadão com Moreira Franco, eles passariam a ser vinculados a metas de desempenho e prazos predefinidos.

Só em subsídios do BNDES, serão pagos pelo contribuinte R$ 323 bilhões até 2060 (o valor inclui apenas a diferença entre o juro pelo qual o dinheiro foi tomado pelo governo e pelo qual foi emprestado para o setor privado).

O texto também não fala explicitamente em privatizações, apesar de citar a “transferências de ativos que se fizerem necessárias” e “concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura”.

Não há nada sobre como deixar o sistema tributário menos regressivo. O Brasil taxa muito o consumo e a produção e pouco a renda, herança e propriedade, o que alimenta a desigualdade – outro tema apenas citado de passagem pela “Ponte”.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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