‘O pêndulo da América Latina está mudando’, diz ex-presidente da Colômbia

No Rio como um dos convidados de honra do encontro internacional “Democracia e igualdade. Para um novo modelo solidário de desenvolvimento”, organizado pela Uerj e o Grupo de Puebla, ao qual pertence, o ex-presidente da Colômbia Ernesto Samper afirma, sem esconder seu entusiasmo, que “sopram ventos progressistas na América Latina”.

Em entrevista ao GLOBO, Samper, que foi o último  secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), hoje desativada, diz que “o pêndulo da região está mudando totalmente”. O ex-presidente também alerta sobre os riscos da polarização, evita criticar violações dos direitos humanos na Venezuela e na Nicarágua, e quando o assunto é a eleição brasileira responde sem rodeios: “Onde está o mal, está Bolsonaro”.

Como analisa o cenário eleitoral colombiano?

Esta é a primeira vez que temos uma eleição sem presença da luta armada. Durante 50 anos, a Colômbia realizou eleições quando estava ativa a guerrilha, e isso fazia com que a mensagem da esquerda se confundisse com a da luta armada. Nesta eleição, vamos ver o que vemos em muitos países da América Latina, um fenômeno de polarização muito forte entre os que querem uma mudança e os que querem conservar modelos existentes.

A esquerda nunca esteve tão perto de conquistar o poder.

Exato. Isso ficou claro nas eleições legislativas de 13 de março, quando a esquerda obteve sua maior participação parlamentar na História.

Petro, o favorito, foi guerrilheiro. O senhor considera que nesta eleição isso não afeta sua imagem?

Ele foi parte do M-19, claro, mas hoje com Petro está um novo país. O país que começou a fazer política e lutar de maneira democrática.

O senhor apoia a candidatura de Petro?

Minhas duas prioridades ou, como gosto de chamar, minhas linhas vermelhas são: que seja mantido o processo de paz e que ocorra uma mudança importante no modelo, especialmente depois da pandemia. Neste momento, quem está mais perto dessa posição é Petro.

Qual é sua opinião sobre a escolha de Francia Márquez como companheira de chapa de Petro?

Ela é, até agora, o elemento mais significativo da campanha. De alguma maneira, representa o núcleo que busca fazer uma mudança. Mulher, afrodescendente, vítima da violência, defensora de causas ambientais, tem muitas condições que a tornam merecedora de ocupar esse espaço.

A presença de Márquez na chapa afastou dirigentes como o ex-presidente César Gaviria de Petro…

Acho que Gaviria queria um acordo político tradicional, participar da Vice-Presidência, por exemplo. A sociedade teria visto um acordo entre Petro e Gaviria como uma manobra tradicional.

No segundo turno a expectativa é de que toda a direita e centro-direita se unam contra Petro?

Acho que o primeiro turno será o segundo turno, porque as legislativas tiveram o valor de um primeiro turno. O centro desapareceu e a direita se reconfigurou. Os extremos se fortaleceram. A eleição poderia definir-se no dia 29 de maio.

O resultado da eleição colombiana terá impacto na região?

O pêndulo da região está mudando totalmente. As pessoas escolhem entre mudar e não mudar. Depois de uma circunstância tão dramática como uma pandemia, e com governos de direita no poder, é claro que a mudança vai na direção contrária. Temos um progressismo e um conservadorismo. No caso da Colômbia, também surge uma polarização ideológica que antes não víamos, e não é o melhor cenário. Um extremo contra outro extremo, um confronto alimentado pelas redes, não é o que mais convém à região.

O presidente Jair Bolsonaro lançou sua candidatura domingo e disse que a eleição no Brasil será uma disputa do bem contra o mal…

Bom, na minha avaliação isso favorece Lula. Bolsonaro seria um bom chefe de campanha de Lula.

Expectativa: Em clima de pânico, direita latino-americana busca se articular para impedir vitória da esquerda no Brasil e na Colômbia

Uma reunião do Grupo de Puebla no Rio, neste momento, reflete um clima de expectativa na região sobre uma eventual mudança de governo no Brasil?

Sinto que, sem dúvida, a volta de Lula significará a reativação de processos de integração na região, que nunca esteve tão desintegrada. E nunca foi tão necessária a integração. Como secretário-geral da Unasul, visitei aqui no Rio o Instituto de Saúde do bloco. Tínhamos a trajetória das pandemias na região, experiência na compra de vacinas. Tudo isso teria sido muito útil. Também o Conselho Sul-americano de Defesa. Tudo isso se perdeu.

O senhor acredita que a Unasul pode ser reativada?

Claro. Acho que a eleição de Lula pode permitir isso. O Brasil se comportava na Unasul como um transatlântico, inclinava a balança e evitava o que vivemos hoje em dia, essa oscilação entre direita e esquerda radical.

Hoje o que resta é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)…

Sim, e acho que poderia ser reconstituído um eixo entre Argentina, México e Brasil. Mas com uma nova Celac, mais empoderada, com uma secretaria política forte e representativa da região. Não digo que isso sem Lula não possa acontecer, mas Lula é uma pessoa que leva a integração a sério, e o tipo de integração que precisamos. Fazer tratados de livre comércio com os Estados Unidos e a Europa não constroem a região. A Organização de Estados Americanos (OEA) é mais um mecanismo de intervenção dos EUA na região do que de colaboração.

O Grupo de Puebla tem uma mensagem, neste momento, sobre o Brasil?

O Grupo de Puebla não intervém em eleições nacionais, claro. Mas estamos a favor das opções progressistas e acreditamos que sopram ventos progressistas na América Latina.

Como o grupo vê as situações políticas na Venezuela e Nicarágua?

O Grupo de Puebla tem uma posição sobre Venezuela e Cuba. Não a tem sobre Nicarágua porque todas as comunicações que divulgamos são resultado de consensos. No caso de Cuba e Venezuela nossa maior preocupação é o bloqueio econômico. Até que ponto as medidas do bloqueio não causaram mais dano econômico do que vantagens políticas? Isso deve ser revisado, incluindo o que vemos sobre a Rússia. A aplicação unilateral de sanções que podem causar angústia às pessoas, mais do que aos governos. Os Estados Unidos voltaram a estabelecer um diálogo com a Venezuela, do qual acredito que poderia surgir uma fumaça branca positiva, pensando nas eleições presidenciais [de 2024].

Qual é sua opinião sobre denúncias de violações dos direitos humanos na Venezuela, confirmadas pela alta comissária das Nações Unidas para Direitos Humanos, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet?

O Grupo de Puebla tem três eixos articuladores que são a defesa da democracia como sistema de governo e solução de controvérsias; a vigência dos direitos humanos, não apenas os direitos políticos, e nisso temos uma diferença de fundo com o sistema interamericano que só se preocupa com direitos políticos; e a questão da paz. Paz, democracia e direitos humanos.

E a visão do grupo é de que a Venezuela de Maduro respeita esses eixos?

Não somos juízes, temos o ânimo construtivo de criar mecanismos para que sejam respeitados dos direitos humanos e a democracia. O último esforço sério para encontrar uma saída para a Venezuela foi em 2017, com a Unasul. Lamentavelmente a Unasul se desativou. Mas acho que pode ser reativado, sou razoavelmente otimista. Qualquer tentativa séria de acordo deve contar com a boa vontade do governo, que é chave, mas também com sincronização por parte da oposição. Juan Guaidó se evaporou, foi um presidente sem país, sem Exército, foi uma ficção da diplomacia americana. O ex-presidente Trump contemplou a possibilidade de uma intervenção militar, lamentavelmente com a ajuda do governo colombiano.

O Brasil era parte desse triângulo.

Onde está o mal, está Bolsonaro. Na destruição da Amazônia, na perseguição dos indígenas.

O presidente brasileiro ataca frequentemente o Foro de São Paulo e o Grupo de Puebla. Como recebe esses ataques?

Não somos uma organização de partidos políticos, Estados ou governos, nem um clube ideológico. Somos um grupo de pessoas que tivemos algum tipo de relevância política e nos reunimos para falar de ideias progressistas que sirvam à região. O Foro de São Paulo é mais ideológico, nós discutimos iniciativas. Não viemos ao Rio por Lula, nem pela eleição. Viemos a convite de uma universidade do Rio de Janeiro, para discutir um modelo de desenvolvimento solidário que lançamos no ano passado, no México. Um modelo antineoliberal por excelência.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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