Mercado para jornalismo que explique fatos é amplo, diz fundador do “Vox”

Filho de um matemático carioca que foi estudar no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) nos anos 70, Ezra Klein, 31, dirige um dos sites jornalísticos mais influentes dos EUA.

Há um ano, ele criou o “Vox.com”, “para dar contexto aos leitores, explicar as notícias, um mercado ainda pouco servido”, segundo ele. Em apenas um ano, o “Vox.com” atrai 23 milhões de visitantes únicos por mês a seu site.

A empresa proprietária, Vox Media, fechou nesta terça (26) a compra do site de tecnologia ReCode, segundo a imprensa americana.

Matt Roth/The New York Times
Ezra Klein, que criou o "Vox.com"
Ezra Klein, que criou o “Vox.com”

Antes do Vox, Klein já era um dos nomes mais populares do jornalismo político americano. Com quase 800 mil seguidores no Twitter, ele foi o principal blogueiro do “Washington Post” por cinco anos (respondia por 20% da audiência do jornal na rede). Leia abaixo entrevista sobre negócios e política.

MERCADO JORNALÍSTICO

Um mercado ainda pouco servido é o do jornalismo de contexto. O leitor precisa saber onde procurar explicação, profundidade. Há algum assunto complicado, nós explicamos. Esse é o objetivo do “Vox”.

O contexto para mim é mais importante que o “furo” [no jargão jornalístico, a notícia exclusiva].

Gosto que meus repórteres tragam novidades, fico entusiasmado com novidade, mas queremos ser os melhores em contexto.

FICHÁRIOS

Estamos fazendo um grande trabalho em como conectar nova informação com o contexto. Temos repórteres especialistas, por exemplo, no acordo nuclear com o Irã. Esses fichários sobre tudo que você precisa saber são atualizados.

Quando há uma reportagem nova sobre o Obamacare [plano de saúde universal criado por Obama], normalmente não se explica como funciona, as regrinhas, nem o vocabulário todo.

No jornalismo, ainda temos centímetros, limite, páginas com fim, e jogamos muita informação apurada fora.

Na internet, o espaço é ilimitado, então temos que saber usá-lo. E, se o leitor quiser saber mais, se aprofundar mais, precisamos mostrar tudo.

Fazemos varias versões de cada reportagem, até aprovarmos. Por assunto, de forma direta, curta, fácil de ler. O leitor pode ter acesso a todo esse corpo de conhecimento.

FLUXO DE LEITURA

Hoje escrevi sobre o acordo comercial com os países do Pacífico que o governo Obama está propondo. É um assunto complicado e há muita confidencialidade nas negociações, temos que explicar como funciona a autorização para o governo negociar com muitos países asiáticos.

Coloquei links para todas as fichas, é quase um guia para o leitor se situar.

Quando uso atalhos, conceitos complicados, jargão ou quando não cabe ficar explicando cada expressão no artigo, você coloca um link, assim não se quebra o fluxo da leitura, nem os textos ficam longos demais.

CONTEXTO E RACISMO

Fizemos fichários sobre como a mídia cobre tiroteios e brigas de gangues de brancos, e a violência entre negros.

Há muitas diferenças. Para isso, precisamos dar um contexto longo sobre a guerra às drogas, há disparidades raciais ali.

Os links para esses “saiba mais” podem estar em qualquer lugar do texto, mas sem interromper a leitura de quem já entende do assunto, sem fazer longas explicações que perdem o leitor.

Fazemos isso para tudo que cobrimos.

É o tipo de coisa que me preocupa, como fazer as pessoas ficarem interessadas a esses assuntos. Estamos aprendendo muito.

TECNOLOGIA É TUDO

Tecnologia é tudo aqui. Esses fichários seriam impossíveis sem tecnologia. Somos orientados para isso.

Fazemos testes sobre manchetes, usamos softwares para entender como os leitores navegam, como nos usam, sempre descobrindo novas maneiras de como fazer a experiência do leitor ser melhor.

Se puder imprimir tudo que sai por dia no site, e isso fizer sentido, eu diria que não estamos sabendo usar a tecnologia, que estamos fazendo algo errado.

MODELO DE NEGÓCIOS

Há muito investimento novo no jornalismo aqui e a publicidade digital está aumentando e melhorando muito. Quanto mais os anunciantes percebem que a qualidade da publicidade digital melhora, mais haverá essa migração. As pessoas consomem notícia o dia inteiro.

HOUSE OF CARDS
Amo “House of Cards” e “Veep”, mas a grande mentira dos seriados sobre Washington é que todo mundo ali sabe o que está acontecendo, planeja cada ação com 15 passos de antecedência, dominam a arte da tática. Na Washington real, ninguém sabe o que está acontecendo de verdade. São todos reativos, com pouca informação, sem planos ou os que têm são planos. Seria mais confortável ter um gênio como Frank Underwood, se fosse benevolente. Na vida real, é muito mais disfuncional. Mas é verdade que hoje todo mundo odeia Washington.

POLARIZAÇÃO

A polarização americana só aumenta. Um dos argumentos usados para eleger Obama é que ele acabaria com a divisão pronunciada entre republicanos e democratas, mas ficou ainda pior sob ele. Sob qualquer pesquisa, o presidente mais polarizador da história foi Obama. Mas o recorde anterior era de George W. Bush. E, antes dele, Clinton. A trajetória é clara, mesmo com três presidentes tão diferentes. Clinton é o sulista boa-gente, Bush é o evangélico herdeiro de uma dinastia poderosa, Obama é o afro-americano ativista comunitário.

Há dados concretos sobre a disfuncionalidade de Washington. Nunca se aprovaram tão poucas leis, nunca o Congresso foi tão impopular, nunca se usaram tantas táticas de obstrução legislativa. Os partidos estão mais distantes que nunca.

HILLARY

Hillary está sendo desafiada pela esquerda democrata, que a considera muito “de centro”, assim como Jeb será desafiado pelos mais conservadores republicanos. Sempre acontecia assim nas primárias, depois os candidatos voltam ao centro para conquistar o eleitorado geral. O problema é que agora esquerda e direita estão cada vez mais distantes, os extremos se afastando. Fica difícil construir consenso.
Hillary tem uma posição extremamente dominante no Partido Democrata. Por agora, ninguém a desafia.

REPUBLICANOS

No lado republicano, há quase 20 candidatos, mas, na minha opinião, só três têm chances mais reais, Jeb Bush, Scott Walker e Marco Rubio. Rand Paul vai tentar entrar para esse grupo, mas terá que percorrer um escalada maior que os demais.

Eles terão uma disputa árdua, enquanto Hillary pode se dar ao luxo agora de ignorar a mídia, de não responder perguntas, de se comunicar postando vídeos nas redes sociais. E a mídia vai segui-la do mesmo jeito, ela “dá audiência”. Os demais, muitos deles, estarão implorando para que repórteres queiram entrevistá-los.

FADIGA CLINTON-BUSH

Olha, muita gente fala que “o eleitorado americano” estaria cansado dessas duas famílias poderosas, mas o voto fala mais que qualquer opinião. Há opções nos dois lados. Se as pessoas estiverem mesmo cansadas deles, podem votar em outros nas primárias.

OBAMA

Obama talvez sairá do cargo sem ser muito popular, mas será visto como um presidente muito bem-sucedido. Ele passou leis transformadoras para o país, achou e matou Bin Laden, acabou com duas guerras e terminou a crise financeira, não perfeitamente, mas evitou que o país caísse em uma depressão.

Ele será reavaliado logo. Bush, que saiu muito mais impopular que Obama, ja ganhou pontos de favorabilidade recentemente. Obama sera visto mais favoravelmente em alguns anos.

BRASIL

Tenho mais parentes no Brasil que nos EUA. Tenho muitos primos, tios lá. Visito o Rio todos os anos. Meu pai [Abel Klein, físico-matemático formado na UFRJ e que trabalhou no IMPA] nasceu lá e veio para os EUA estudar no MIT e nunca mais voltou. Ele é professor na Universidade da Califórnia, em Irvine, onde nasci. Eu amo o Rio. Se eu pudesse comer filé mignon no [restaurante] Lamas toda a noite para o resto da minha vida, eu iria.

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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