Mais desigualdade põe democracia em risco, diz economista

Entender os fatores que provocam a desigualdade de renda é o objetivo acadêmico do economista francês Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris. Considerado um dos maiores estudiosos do tema no mundo, ele acaba de lançar nos Estados Unidos o livro Capital in the Twenty-First Century (“O Capital no século 21”, numa tradução livre).

A obra, lançada originalmente na França no ano passado, tem uma tese provocativa. A desigualdade social no mundo, que caiu por muitas décadas no século passado, voltou a aumentar por dois motivos: os rendimentos sobre o capital estão crescendo a uma taxa superior à da expansão da economia e os salários e as bonificações recebidos por altos executivos têm sido elevados sem uma justificativa econômica. Para Piketty, que falou a EXAME de seu escritório em Paris, a melhor estratégia é taxar as grandes fortunas.

EXAME – A desigualdade de renda, a princípio, reflete as diferenças de aptidões e de educação. Quando ela se torna um problema? 

Thomas Piketty – Vou citar o Artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa: “As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”.

Se alguém enriqueceu porque criou algo que beneficiou as pessoas, como uma inovação, a desigualdade não é somente aceitável, mas também útil, já que cria incentivos para o surgimento de novos processos e produtos. Quando a desigualdade não é resultado de fatores meritocráticos, ela é extremamente prejudicial à sociedade. É isso o que está acontecendo agora.

EXAME – Por quê?

Thomas Piketty – Há duas grandes forças que estão provocando o aumento da desigualdade. A primeira ocorre nos Estados Unidos e é causada pelo aumento sem precedentes de salários, bônus e outras gratificações dos executivos de grandes empresas. O rendimento deles cresceu muito além do PIB ou da produtividade nas últimas três décadas.

Ao contrário do que muitos dizem, o aumento da renda desses executivos não é explicado pela globalização, pelo surgimento da tecnologia da informação ou pela competição global pelos melhores talentos. Também não decorre de um desempenho espetacular desses executivos.

Analisei cerca de 1 000 empresas da Europa, dos Estados Unidos e do Japão. Executivos que passaram a ganhar dez vezes mais não aumentaram dez vezes a produtividade das empresas que comandam.

EXAME – E a segunda força?

Thomas Piketty – Ela se manifesta mais fortemente na Europa e no Japão. Trata-se do crescimento maior da taxa de retorno sobre o capital em comparação com o crescimento da economia. Meus estudos mostram que, historicamente — e estou falando dos últimos séculos —, a taxa de retorno sobre o capital foi de 5% na média, acima do crescimento da economia, que ficou entre 1% e 2%.

EXAME – Por que isso é um problema?

Thomas Piketty – Quando o capitalismo recompensa os mais talentosos, não há o que dizer. Mas, nesse caso, estamos recompensando os donos do capital. Algumas pessoas estão enriquecendo acima da média porque alguém do mercado financeiro investe o dinheiro delas e consegue um retorno de 5% ao ano. Em lugares onde o capitalismo financeiro é desenvolvido, esse fenômeno ganha mais força.

Como o senhor mesmo diz no livro, a desigualdade caiu em quase todo o século 20. Quais são as principais causas? 

Thomas Piketty – As duas guerras mundiais e a crise de 1929 destruíram muita riqueza. Além disso, os mais ricos foram convocados a pagar mais impostos para financiar os gastos das guerras e combater a crise. Nos Estados Unidos, a alíquota do imposto de renda em 1913 ficava em torno de 13%.

Nos anos seguintes, aumentou para 65%. Mais tarde, chegou a mais de 80%. A partir dos anos 80, foi caindo e, nos últimos anos, tem se mantido em torno de 30%. Por outro lado, mais recentemente a desigualdade voltou a aumentar. Ao comparar os rankings de bilionários, percebe-se que a riqueza deles aumentou, em média, 7% ao ano de 1997 a 2013. Nesse período, a economia mundial cresceu 2% ao ano.

EXAME – O que fazer para que a desigualdade volte a cair? 

Thomas Piketty – Existem forças que atuam na diminuição da desigualdade. Falo no livre mercado, na abertura econômica e nos investimentos para dar melhor educação a todos. O problema é que essas forças, sozinhas, não vão resolver a questão. Precisamos voltar a taxar as grandes fortunas, como fizemos em quase todo o século passado.

EXAME – Por que o senhor acha que devemos combater a desigualdade?

Thomas Piketty – Uma desigualdade crescente coloca em risco a própria ideia de democracia. Uma pequena elite que controle boa parte da riqueza tem o poder de financiar partidos e campanhas eleitorais numa magnitude que pode influenciar de forma desigual a opinião pública.

EXAME – Isso já está acontecendo?

Thomas Piketty – Sim, é só olhar para os Estados Unidos. Lá os políticos se recusam a aumentar o imposto sobre os mais ricos num momento em que o país sofre com um enorme déficit.

Em muitos países europeus, como Liechtenstein e Luxemburgo, há incentivos tributários para abrigar algumas das maiores fortunas do continente. Com isso, privilegiam a elite e criam as condições para que a desigualdade social continue aumentando no bloco europeu.

EXAME – Nas últimas décadas, o Brasil conseguiu reverter a tendência de aumento da desigualdade. Como o país poderia apressar esse processo?

Thomas Piketty – O Brasil criou o Bolsa Família, uma política muito interessante. Mas precisa avançar em termos de educação. Dar oportunidade a todos é uma das maneiras mais eficientes de reduzir a desigualdade. Mas nada disso é suficiente. Assim como nos países desenvolvidos, é preciso tomar coragem de taxar as grandes fortunas.

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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