Há bolha na China, ela vai estourar e efeito será longo, afirma especialista

O estouro da bolha acionária chinesa e a crise na Grécia vão aumentar a aversão a risco dos investidores internacionais, complicando ainda mais a situação de países emergentes como o Brasil.

Essa é a opinião de Stephen Roach, professor da Universidade Yale e um dos maiores especialistas em economia chinesa.

Segundo ele, a recente recuperação das ações chinesas não significa que a situação esteja sob controle. “Quando bolhas da magnitude da chinesa estouram, elas assumem vida própria, é difícil detê-las”, diz Roach, que foi economista-chefe do Morgan Stanley por décadas.

Folha – A Bolsa chinesa ensaiou uma recuperação na última quinta-feira (9), mas ainda há muita volatilidade. Quais serão as consequências dessa instabilidade?
Stephen Roach – Existe uma bolha e ela está estourando, não importa se a Bolsa cai ou sobe um pouco. As questões permanecem: houve uma reversão muito significativa e abrupta nos preços das ações, que haviam subido de forma extraordinária.

O impacto na economia real deve ser negativo, mas limitado. Depois de muitos anos examinando os impactos dos mercados acionários na economia real, chegamos à conclusão de que isso se dá por meio do “efeito riqueza” [as pessoas se sentem mais ricas e dispostas a gastar].

A queda na Bolsa afeta os acionistas que são, em última instância, consumidores. Essa é uma ocasião em que, por acaso, o desequilíbrio da China a favorece. A China tem consumo muito baixo, equivalente a 36% do PIB [nos Estados Unidos é o dobro]. O efeito riqueza será muito menor, porque o consumo tem peso muito menor na economia.

E porque há poucos chineses investindo em Bolsa, certo?
Sim. Há cerca de 80 a 90 milhões de pequenos acionistas, pessoa física, o que é muita gente, mas em um país com 1,4 bilhão de pessoas é bem pouco.

A segunda consequência dessa turbulência da Bolsa é sobre fontes de financiamento na economia chinesa.

O governo e as autoridades regulatórias cometeram enormes erros. Eles foram complacentes quando as ações estavam subindo demais, permitindo uma explosão nos empréstimos feitos por investidores para comprar ações, e as autoridades estavam promovendo os mercados de capitais chineses, encorajando muitas empresas a fazer lançamentos iniciais de ações.

Esse foi um enorme erro, porque uma das grandes tarefas da reforma chinesa é garantir que essa incipiente cultura acionária se transforme em uma fonte segura de financiamento para empresas. Com a bolha estourando, isso não acontece, obviamente.

É um grande retrocesso para a agenda de reforma financeira e liberalização, que pode ter efeitos de longo prazo para os ajustes estruturais que a China tem tentado implementar nos últimos anos.

Isso vai desacelerar o ritmo das reformas no país?
Não acho que irão suspender as reformas, especialmente na área financeira, em que precisam substituir a alocação de capital determinada pelo governo por alocação de capital determinada pelo mercado.

Mas o estouro da bolha acionária é um retrocesso.

O governo chinês interveio pesadamente nas Bolsas, suspendendo a negociação de algumas ações e determinando outros limites, para tentar conter a queda. Foi uma medida acertada?
Os chineses não são os únicos a fazer isso. Governos do mundo todo sempre tentaram conter as quedas da Bolsa. Lembro-me perfeitamente de quando a Bolsa entrou em colapso em 1987, e o então presidente do Fed, Alan Greenspan, disse que a janela de redesconto estaria aberta para quem quisesse (na prática, empréstimos emergenciais do banco central). Mesmo hoje, nós temos o afrouxamento quantitativo [“quantitative easing”], em que o governo compra títulos no mercado para injetar liquidez e reduzir juros. Ou seja, todos os países manipulam seus mercados acionários, os chineses não são exceção.

Mas as intervenções chinesas foram eficazes?
Ainda não sabemos. Tivemos uma pequena melhora. Mas quando bolhas da magnitude da chinesa estouram, elas assumem vida própria, é difícil detê-las.

O sr. compararia a atual turbulência acionária chinesa a alguma crise recente, como a desencadeada pela quebra do Lehman Brothers, em 2008?
De jeito nenhum. A crise de 2008-2009 foi sistêmica, com instabilidade maciça em vários mercados de capitais, e expôs uma enorme parcela da economia que tinha se endividado em excesso a partir das bolhas imobiliária e de crédito. Nós temos um problema na China, mas não é da mesma gravidade.

Há risco de contágio em outros países?
Muitos investidores acham que essa turbulência na Bolsa prenuncia uma desaceleração mais profunda na economia chinesa, e, consequentemente, contágio em outros mercados por causa da demanda chinesa por commodities. Mas eu acredito que alguns desses impactos já foram sentidos, na medida em que a China vem desacelerando e se afasta gradualmente de investimentos que demandam commodities.

Isso já se refletiu nas exportações do Brasil, Austrália e Canadá. O impacto não vem propriamente da Bolsa, mas sim da desaceleração econômica que se desdobra há alguns anos.

Convivemos com a redução do crescimento chinês, agora a turbulência na Bolsa e a crise grega, tudo ao mesmo tempo. Qual será o impacto disso sobre o Brasil, que já enfrenta uma recessão?
Os impactos sobre o Brasil e outros emergentes já foram sentidos por causa da menor demanda chinesa por commodities.

Agora, se você acrescenta a crise grega e o estouro da bolha chinesa, isso aumenta ainda mais as preocupações dos investidores ao redor do mundo, sinalizando que o período será muito difícil para países emergentes. Isso vai aumentar a aversão a risco do capital global em mercados emergentes como o Brasil.

Ainda estamos no início desse processo de instabilidade?
É difícil saber, mas minha suspeita é que ainda há muito por vir.

Alguns economistas estimam que o crescimento chinês pode cair para 3% ao ano, levando os preços das commodities a se reduzirem à metade….
Isso é muito extremo, um exagero total. A economia chinesa deve se estabilizar com crescimento entre 6% e 6,5% ao ano. Mas isso levará, sim, a uma queda acentuada nos preços das commodities, porque agora a locomotiva da economia chinesa é o setor de serviços, que responde por 48%, enquanto indústria e construção juntos são cerca de 43% do PIB. Isso significa que a matriz de crescimento é muito menos intensiva em recursos naturais.

Em uma entrevista no ano passado ao jornal britânico “Financial Times”, o sr. afirmou que o governo chinês entende que reformas para reequilibrar a economia do país são necessárias e que as está implementando, ao reduzir investimento e aumentar consumo.
Isso ainda está ocorrendo. Mas, se eu fosse responder hoje em dia, diria que eles entendem a importância da agenda de mudanças estruturais, mas erraram feio na reforma financeira, ao permitir que essa enorme bolha se formasse e estourasse. Foi um grande erro, que pode desacelerar o ritmo da liberalização, tornando mais difícil reequilibrar a economia.

Fonte:Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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