'Economicídios' levam Brasil ao baixo crescimento, diz economista
Nos últimos anos, foram cometidos no Brasil alguns “economicídios”, na avaliação dos economistas Fábio Giambiagi e Alexandre Schwartsman.
Autores do livro “Complacência” (Campus Elsevier), que será lançado na próxima terça-feira, os dois afirmam que o governo vem incorrendo em alguns “macrocídios” e “microcídios” desde 2011.
O termo, tomado emprestado do argentino Miguel Bein, é usado pelos economistas para classificar decisões como o controle dos preços dos combustíveis contra a inflação, a redução das tarifas de energia em 20% no ano passado e, sobretudo, o abandono de iniciativas para reformar o país.
Isso relegou o país ao baixo crescimento econômico que, alertam, não é resultado de um fenômeno passageiro.
Nesta entrevista, Schwartsman, que é colunista da Folha, diz que a inspiração do livro é o inconformismo com a leitura corrente do “se há emprego, está tudo bem”.
O livro contém opiniões críticas à condução da economia e ao PT, partido da presidente Dilma Rousseff.
Ex-diretor do BC entre 2003 e 2006, no primeiro mandato do governo Lula, Schwartsman afirma que as críticas não são políticas.
“O livro reflete uma visão que compartilhamos sobre como uma economia deve se organizar e não uma visão política”, disse.
Mas não poupa críticas: “O que existe é um projeto político de reeleição. Se o objetivo é esse, a estratégia está clara. Mas não é isso que vai nos levar a ser um país melhor”.
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Folha – Por que crescer pouco é um problema se estamos hoje em pleno emprego e existe uma certa satisfação das pessoas com a economia?
Alexandre Schwartsman – Essa sensação do “já que estamos em pleno emprego, não temos com o que se preocupar” foi resumida em uma frase extraordinariamente cretina da Maria da Conceição Tavares, de que a gente “não come PIB”. O bem-estar da população não depende só do emprego, as pessoas não querem só estar empregadas. Elas querem ter um padrão de vida melhor e o Brasil não é um país rico. Nossa renda per capita é uma renda média. Quer dizer, por que o brasileiro não pode almejar ter um padrão de vida igual ao do português?
Como a gente crescia num ritmo de 4%, 4,5% ao ano, o crescimento da renda per capita sugeria que a gente dobraria o padrão de vida em uma geração [25 anos]. No ritmo que estamos hoje, vamos precisar de 60/70 anos. Isso não é razoável.
Além disso, temos um problema previdenciário marcado: a população está envelhecendo. O PIB maior será o único jeito de fazermos com que as promessas de aposentadorias e pensões feitas para a geração que está trabalhando hoje possam ser cumpridas. Para isso, vai precisar de um crescimento do produto mais forte.
O contentamento com o pleno emprego e com o “não precisamos mais nos preocupar em crescer tão rápido” é ser complacente. Isso é o cerne do nosso livro. Significa que por trás dessa ideia, nós deveríamos estar satisfeitos com o atual estado das coisas.
Pode-se até usar esse argumento para reeleger a presidente, mas ficar realmente satisfeito é complicado.
Em última instância, o debate é o seguinte: nós estamos dispostos a ser um país que quer permanecer com renda média ou queremos ser desenvolvidos?
Folha – Depois de uma fase de crescimento mais acelerado, não era de se esperar uma moderação do crescimento?
Alguma desaceleração. Mas o fato é que a nossa capacidade de crescimento reduziu-se para algo como 2% ao ano. Essa desaceleração não é cíclica.
Na realidade, a desaceleração está mostrando que o ciclo de expansão que tivemos entre 2004 e 2010 foi muito positivo mas era, em última análise, insustentável.
A gente conseguiu crescer fundamentalmente botando mais gente para trabalhar, e não fazendo com que cada um produzisse mais. Significa que a gente conseguiu crescer porque trouxemos a taxa de desemprego de níveis elevados, 12%/13%, para 5%. Esse fenômeno é muito positivo, mas sugere que não é sustentável. Não se pode seguir reduzindo o desemprego indefinidamente.
Um crescimento baseado na força bruta, na mera expansão do emprego, é um crescimento que durante algum tempo é ótimo, reduz o desemprego, mas não é alguma coisa que te carrega muito longe. E de fato não nos carregou: foram seis, sete anos.
A partir daí, os estrangulamentos começaram a aparecer. Não há mão de obra qualificada, nossa infraestrutura é um gargalo importante, o investimento é baixo. Então, olhamos esse conjunto de coisas e constatamos que a nossa capacidade de crescer é baixa.
O eixo condutor de boa parte do livro é tentar mostrar alguns desses gargalos. Falamos em temas ligados a regras do jogo e, portanto, a investimentos. E outros ligados a educação, comércio internacional e competitividade.
Tudo isso são formas de abordar o fenômeno do crescimento da produtividade, são formas de se acelerar o crescimento.
A produtividade está mais ou menos estagnada desde os anos 80. Por que virou uma urgência neste momento?
A urgência é desde sempre. Minhas estimativas mostram que tivemos momentos melhores de produtividade não faz tanto tempo. Até 2006/2007, tivemos medidas de produto por trabalhador mais forte do que as que temos hoje. Houve um conjunto de reformas que se estendeu até o começo do primeiro governo Lula e engloba não só a questão da Previdência, mas do lado microeconômico. Elas foram importantes para levar a um crescimento maior de produtividade.
Nós paramos o processo reformista entre 2005 e 2006 e não o retomamos desde então. Uma parte da estagnação mais recente da produtividade está refletindo o fato de que o país parou de se reformar. Estamos praticamente há oito anos sem fazer nada de muito relevante de reformas e isso acaba pesando. Um exemplo é a questão tributária.
Segundo o Banco Mundial, uma empresa brasileira precisa de 2.600 horas de trabalho por ano para pagar imposto. A média da América Latina é 360 horas por ano, incluindo o Brasil. A média dos países da OCDE é 170, 180 horas/ano. Ou seja, temos um potencial extraordinário de gente que está dedicada a uma tarefa que, do ponto de vista de produção, a contribuição é zero. Não estou dizendo que as pessoas são inúteis, há uma razão para estarem lá, mas isso é um desperdício. É puro custo, não tem nenhuma adição ao produto. A reforma tributária poderia simplificar a estrutura tributária no Brasil e poderia liberar um monte de gente para tarefas mais produtivas.
O caminho tem que ser continuar reformando, expor as empresas à concorrência internacional, pois isso aumenta sua eficiência, e melhorar a infraestrutura… São soluções no sentido de aumentar a produtividade.
Qual o risco de não aumentar a produtividade neste momento?
A gente vai continuar crescendo 2% e, daqui a duas gerações, o padrão de vida vai melhorar. Mas antes começam os problemas: teremos um problema previdenciário, êxodo de gente para outros países. Para sustentar as demandas sociais que estão vindo, a gente precisa crescer muito mais do que isso. Como vai crescer a felicidade geral bruta da nação?
No livro, vocês afirmam que o crescimento do passado deixou o governo acomodado em fazer reformas. Já os economistas do governo dizem que se ocuparam com o enfrentamento da crise econômica, muito severa, com medidas anticíclicas [de aumento de gastos públicos e estímulos].
Essa história de política anticíclica é um dos maiores mitos que eu já vi aparecer. A política é anticíclica, mas em 2010 a economia cresceu 7,5% e o governo continuou aumentando os gastos e reduzindo o superávit primário [a economia do governo, descontando despesas com juros da dívida].
Quando a economia está mal você aumenta o gasto porque, afinal de contas, a economia está mal. Quando a economia está bem, você aumenta o gasto porque a economia está bem e você pode gastar mais. Então, a única coisa cíclica nessa história é a desculpa para gastar mais.
Segundo, o nosso diagnóstico, e para a grande maioria dos economistas sérios do país, é que a desaceleração não é cíclica. Ela é uma convergência para o nosso PIB potencial.
Se você tenta reverter essa situação exercendo o que se supõe ser uma política anticíclica, de aumento de gastos, o que se colhe é inflação mais alta e desequilíbrio no balanço de pagamentos.
Alguma coisa está errada no diagnóstico. E isso dito, não há nenhum conflito entre essas medidas e um programa de reformas, que em última análise está destinado a problemas de médio e longo prazo. Qual é o problema de eu levar adiante um projeto de reforma tributária junto com uma política anticíclica?
O que se tem é uma certa acomodação. Durante muito tempo, o aumento dos preços das commodities foi um presente do resto do mundo para o Brasil. Numa situação como essa, há um apetite muito menor por reformas.
O governo afirma que está se mexendo, está fazendo concessões de infraestrutura, por exemplo.
As concessões têm problema de desenho, mas finalmente estão saindo. Mas quando falo em reformas, eu me refiro a coisas mais profundas do que as concessões. É reforma tributária, trabalhista, previdenciária, é abertura da economia. As concessões são um reconhecimento tardio de que o governo não tem condições de investir em infraestrutura. Mas, ainda assim, governo fixa tudo: retorno, preço, investimento. E fica surpreso quando não aparece ninguém no leilão. Então, não é só melhorar as instituições, mas também dar um papel mais preponderante para o setor privado no desenvolvimento.
A seu ver, existe hoje um consenso de que é preciso fazer reformas?
Concretamente, a gente vê alguma iniciativa de endereçar gargalos na questão tributária? Zero. Todas as ações do governo, mesmo quando reduz o imposto, vão no sentido oposto, de complicar o sistema tributário. O número de horas gastas para pagar impostos, de 2.600 horas/ano, há três ou quatro anos era de 2.400 horas/ano. Então, não vejo atitudes no sentido de levar adiante o projeto reformista. O que existe é um projeto político de reeleição. É compreensível. Se o objetivo é esse, a estratégia está clara. Mas não é isso que vai nos levar a ser um país melhor.
Vocês usam o termo “macrocídio” sobre o que consideram um manejo errado da macroeconomia e “microcídio”, sobre a gestão da Petrobras. Quando esses erros começaram?
Você tem um determinado regime de política econômica que prevaleceu até 2008, até a crise. E começou a mudar a partir daí. As mudanças que estão na origem dos problemas ocorrem a partir de 2011 e derivam de restrições para lidar com a inflação. Por que estão segurando os preços da Petrobras? Porque temem o impacto disso na inflação. Não tem nenhuma outra justificativa para segurar o reajuste de combustíveis. E por que isso acontece? Porque a inflação está consistentemente perto do topo da banda [6,5%].
Se o Banco Central estivesse apontando para o centro da meta, haveria condições de absorver coisas como um aumento de gasolina. A banda existe para acomodar esse tipo de evento que, na formulação da política monetária, não se consegue prever.
Quando há problemas no controle da inflação é que se começa a recorrer a esse tipo de “microcídio”, que é controlar os preços de combustíveis. Mais recentemente, outro foi feito e está na raiz dos problemas do setor elétrico, que foi o corte voluntarista de 20% nas tarifas de energia.
Todo mundo sabe que vai ter que ter um reajuste. Mas não pode ter reajuste neste ano por questões absolutamente mesquinhas, não querem que a inflação estoure em ano eleitoral. Então, está se condenando as empresas a um desequilíbrio brutal e essa conta eventualmente vai parar no Tesouro Nacional. Estamos usando os preços para controlar a inflação. Ou seja, o pecado original está ligado à inflação.
Mas não é isso. Por que a Petrobras tem que comprar equipamentos duas vezes mais caros do que seus concorrentes? Porque queremos desenvolver a indústria nacional de equipamentos para petróleo. Alguns estão ganhando dinheiro a custa de todos nós.
E para continuar no setor de petróleo, o próprio modelo de exploração do pré-sal está criando uma tensão na empresa, porque ela tem que ter 30% das áreas de exploração. Com isso, chegamos ao paradoxo de, no leilão de Libra, o governo ter torcido para que o preço obtido não fosse muito alto. Se não a Petrobras não teria de onde tirar dinheiro para o consórcio.
Então, existem as duas coisas: a recusa em lidar com a questão inflacionária e uma visão de mundo intervencionista, em que o setor público diz o que se faz e o que se deixa de fazer. Já tentamos isso no passado e quebramos a cara.
O livro é crítico à política econômica e ao PT. Como esperam ser recebidos neste ano de eleições?
O livro saiu para contribuir para o debate, para colocar uma visão crítica ao governo que está no comando hoje. Se fosse outro partido que estivesse fazendo as mesmas coisas também poderia receber as mesmas críticas. O livro reflete uma visão que compartilhamos sobre como uma economia deve se organizar e não uma visão política.
Agora, existe um partido que está no poder e é ele que está seguindo essa orientação econômica, da qual discordamos. Coincidiu de o livro ser lançado no momento em que o Brasil foi rebaixado pela S&P e existe a discussão em torno da Petrobras. A realidade se moveu mais rápido do que imaginávamos. Talvez o momento para a discussão hoje seja até mais propício do que imaginávamos quando começamos a escrever este livro.
Fonte: Folha de São Paulo