Desconstruindo o lulismo – Murillo de Aragão
O ex-presidente Lula se transformou em um grande sucesso por conta de sua imensa capacidade de articulação política. Contra expectativas, ele conseguiu criar uma base de sustentação política nunca antes vista no Brasil.
Sindicatos de trabalhadores, empresários, sistema financeiro, setores majoritários da sociedade civil, jornalistas e barões da imprensa, acadêmicos e amplos segmentos religiosos formaram a linha de frente de sustentação do chamado lulismo.
A amplitude de seu apoio na sociedade se refletiu no mundo político. Assim, Lula conseguiu construir uma base política com 11 partidos majoritária no Congresso. Mesmo com o episódio do mensalão em 2005, o ex-presidente nunca deixou de ter apoio, o que favoreceu sua reeleição em 2006.
O poder do lulismo se fortaleceu ao longo dos mandatos de Lula com os inegáveis êxitos nos campos econômico e social. A resultante desse poder foi a eleição de Dilma em 2010. Desde o início do mandato de Dilma, o poder do lulismo começou a ser desconstruído e, após as manifestações de rua em junho de 2013, tal situação ficou mais evidente.
Para 2014, o lulismo continua sendo a maior força política do país. Mas vai entrar na disputa eleitoral para a Presidência fragilizado, seja por causa das questões econômicas e políticas, seja pelas inconsistências na gestão do modelo de governo.
Lula nunca disputou uma eleição sem o apoio majoritário dos sindicatos de trabalhadores. Segmento que também apoiou Dilma em 2010. Porém, em 2014, Dilma pode concorrer sem o apoio da Força Sindical, uma das maiores centrais sindicais de trabalhadores.
Lula, que obteve amplo apoio empresarial em 2006 e o conseguiu para Dilma em 2010, enfrenta o descrédito do setor. Pesquisa feita com 114 gestores de grandes empresas durante o 13º Fórum de Presidentes, promovido pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), em São Paulo, aponta “péssimo” no quesito gestão econômica.
O mercado financeiro, adversário em 2002 e aliado em 2006 e 2010, não confia mais na gestão econômica e teme o continuísmo “mais do mesmo”, caso Dilma seja reeleita. Os principais alvos das críticas do mercado são o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e as sucessivas intervenções na área econômica.
O mercado sente a falta de alguém com o perfil do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles ou do ex-ministro Antonio Palocci, que tinham uma visão mais ortodoxa da economia.
O mundo político, que apoiou majoritariamente Lula e Dilma, dá mostras de rupturas. O apoio, de acordo com a mais recente pesquisa da ArkoAdvice na Câmara, é decrescente. No primeiro semestre de 2011 (39 votações analisadas), a aprovação aos projetos de interesse do governo foi de 54,10%. O índice caiu para 50,07% em 2012 (31 votações) e, agora (53 votações), atingiu seu patamar mais baixo: 43,85%.
A situação só não é pior porque existem aspectos relevantes que sustentam o lulismo. O ambiente econômico, apesar de incerto, ainda tem fundamentos sólidos: nossa dívida pública é baixa; temos reservas robustas; a arrecadação tributária é relevante; e, sobretudo, não existem tendências para a prática de loucuras heterodoxas.
Os ganhos econômicos e sociais das classes populares continuam relevantes eleitoralmente. E, acima de tudo, as oposições não têm uma história convincente para contar. Sem discurso, a reversão das expectativas depende muito mais dos erros e das contradições do governo do que dos acertos da oposição.Para Lula, tal situação é incômoda. A gestão política do lulismo nessa fase é trágica. O diálogo é precário e a soberba só amainou com a calmaria da economia e as turbulências sociais.
Murillo de Aragão é cientista político.