Crise no Maranhão revela a incapacidade do país para lidar com a questão carcerária, diz especialista
A crise prisional no Maranhão é emblemática e evidencia a incapacidade do Estado brasileiro, em todas as suas instâncias e Poderes, para lidar com a questão carcerária, avalia o sociólogo Renato Sérgio Lima, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, é fundamental e urgente haver uma reformulação da política de segurança pública no país, com efetiva articulação entre a União e os estados, a garantia de condições mínimas de sobrevivência para os presos enquanto cumprem a pena privativa de liberdade e a implementação de punições alternativas às prisões.
No maior complexo penitenciário maranhense, o de Pedrinhas, em São Luís, foram registradas duas mortes somente este ano, além da fuga de um detento. Os mortos foram Josivaldo Pinheiro Lindoso, de 35 anos, encontrado em uma cela de triagem com sinais de estrangulamento, e Sildener Pinheiro Martins, de 19 anos, que foi vítima de golpes de chuço (paus que têm uma ponta de ferro aguda semelhante a uma lança e podem ser fabricados pelos próprios detentos com objetos pontiagudos) durante briga de integrantes de uma facção criminosa.
No ano passado, 60 pessoas morreram no interior do presídio, incluindo três decaptações, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) O documento aponta uma série de irregularidades e violações de direitos humanos no local, como superlotação de celas, forte atuação de facções criminosas cuja marca é a “extrema violência” e abuso sexual praticado contra companheiras dos presos sem posto de comando nos pavilhões. Atualmente, 2.196 detentos estão presos no complexo penitenciário, que tem capacidade para 1.770 pessoas.
“Não adianta continuar do mesmo jeito, em que o Brasil é o terceiro ou quarto país que mais aprisiona no mundo sem que isso resolva o problema. Segurança pública não é só direito penal, em que se prende mas não são oferecidas condições mínimas de sobrevivência e convívio pacífico dentro dos presídios, sem que isso signifique defender luxo ou benefícios descabidos aos presos. E não adianta achar, como muita gente diz, que é melhor deixar para lá situações como as que vêm ocorrendo no Maranhão porque, afinal, são bandidos matando bandidos. Na verdade, são cidadãos morrendo que, na prática, vão ajudar a manter o sentimento de medo e insegurança em todo o Brasil, trazendo prejuízos a toda a sociedade”, disse ele à Agência Brasil.
O especialista em segurança pública defende que a implementação de uma política eficiente nesta área precisa incluir a modernização dos presídios, que devem contar com unidades menores, capazes de garantir a separação dos presos de acordo com o tipo de delito cometido, o grau de violência verificado e a periculosidade que oferecem. “Sem isso, dificilmente vamos vencer essa batalha”, ressaltou. Ele defende que presídios como o de Pedrinhas sejam interditados e passem por uma ampla reforma, que obedeça conceitos mais modernos de construção.
“O que vemos hoje, a exemplo de Pedrinhas, é que vários presos estão amontoados em uma mesma cela, sem qualquer critério de agrupamento. Além disso, os guardas não têm acesso às galerias dominadas pelos próprios presos. É uma lógica muito contraproducente, porque a atuação do Estado se iguala à dos bandidos e as prisões funcionam mais como escolas do crime do que qualquer outra coisa, permitindo que essas mesmas pessoas, que hoje estão presas, retornem à sociedade e provoquem mais medo e insegurança”, enfatizou.
Ele acredita que o reforço da Polícia Militar e da Força Nacional de Segurança em Pedrinhas não resolvem o problema, apenas funcionam como “curativo em uma ferida aberta”. Há cerca de uma semana, diante da crise prisional no estado, que veio à tona em outubro, após uma rebelião no complexo penitenciário, 60 policiais militares foram destacados para intensificar a segurança no local e devem permanecer por tempo indeterminado. Homens da Força Nacional de Segurança também estão em Pedrinhas.
Renato Sérgio Lima disse, ainda, que é preciso haver maior celeridade no julgamento dos detentos, para evitar a permanência prolongada e desnecessária de presos provisórios. Segundo ele, que citou dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – publicação feita em conjunto com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) – no Brasil cerca de 40% dos presos estão nessa condição. No Maranhão, o índice é superior a 50%. “Com isso, a pessoa acaba presa por um tempo prolongado sem nem termos a certeza se ela é culpada. Enquanto isso, pode estar convivendo com outros presos de maior periculosidade, agravando o problema”, disse.
Fonte: Agência Brasil