Conheça os negócios bilionários dos irmãos donos da 123milhas

Fazendo jus à fama dos mineiros, os irmãos Augusto Júlio Soares Madureira e Ramiro Júlio Soares Madureira são discretos, ao menos no ambiente em que montaram seu negócio: a internet. Fundadores da 123milhas, a plataforma de compra e venda de passagens com milhas aéreas que, na sexta-feira (18), pegou clientes de surpresa ao anunciar a suspensão das vendas de passagens e pacotes promocionais até dezembro, eles não são ativos nas redes sociais.

Apenas Augusto mantém uma página no LinkedIn, informando sobre a sua formação como economista pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), em 2005. Também revela que seu primeiro trabalho foi como gerente-geral da Fazenda Boa Vista, de 2001 ao início de 2006.

Na sequência, foi gerente financeiro da Minas Export, em 2006 e 2007. Atuou ainda como diretor administrativo e financeiro do Café Moka, de 2007 a 2009.

Todos foram negócios controlados pela sua família, uma tradicional produtora e exportadora de café do interior de Minas —em Piumhi, município de 39 mil habitantes. A Minas Export foi vendida para a multinacional americana Sara Lee no começo de 2009 —processo do qual Augusto participou.

Enquanto Augusto se mantinha nos negócios da família, Ramiro apostou nas operações online. O seu envolvimento com a compra e venda de milhas começou com a HotMilhas, em 2006.

A proposta de conectar consumidores com milhas aéreas disponíveis àqueles que querem comprar passagens usando milhas parecia uma operação “ganha-ganha” perfeita.

Os clientes recebiam as milhas das companhias aéreas nos programas de fidelidade —e muitos perdiam esse “ativo” por não usá-lo dentro do prazo. Esses clientes poderiam lucrar com a venda das milhas, ao mesmo tempo que outros consumidores poderiam comprar passagens com desconto, usando as milhas.

O cliente interessado em vender milhas entra na plataforma e faz uma cotação (são necessários no mínimo 12 mil pontos). O valor depende do programa de fidelidade de cada companhia aérea —Gol, Latam ou Azul. Cerca de 20 mil pontos podem valer em torno de R$ 500 —menos que isso se o cliente quiser receber o dinheiro na hora e mais se esperar até dois meses pelo reembolso.

Procurado pela reportagem, Augusto não retornou o contato até o fechamento deste texto. A 123milhas também não se pronunciou sobre o pedido de entrevista e de esclarecimentos sobre a operação.

O negócio brasileiro de compra e venda de milhas é único no mundo. Como uma bolsa de negócios virtual, as plataformas oferecem um ambiente para juntar quem quer vender e quem quer comprar milhas.

Porém, para que as transações sejam realizadas, os participantes precisam abrir dados individuais como CPF, login e senha de usuário dos programas de fidelidade. Uma iniciativa impensável em mercados como o americano, que consideram a prática invasiva.

Augusto se juntou a Ramiro e, no final de 2016, lançaram a 123milhas para maximizar o negócio, com a oferta de passagens até 50% mais baratas em relação à tabela das companhias aéreas.

A operação cresceu tão rápido que, em 2021, a empresa se tornou o maior anunciante do país, com aporte de R$ 2,37 bilhões na compra de espaço publicitário.

O montante dava direito a globais e astros sertanejos como garotos-propaganda e presença garantida nos “fingers” (corredores que ligam o salão de embarque ao avião) de aeroportos em todo o país.

No ano passado, de acordo com o ranking Agências & Anunciantes, anuário publicado pelo jornal Meio & Mensagem, a 123milhas foi o segundo maior anunciante, com investimentos de R$ 1,28 bilhão.

Segundo uma fonte do setor de turismo, que prefere manter o anonimato, o erro da 123milhas foi seguir os passos do Hurb, antigo hotel urbano, e dar início, durante a pandemia, à venda de passagens e pacotes “flexíveis” (sem data definida e, por isso, mais baratos).

Conforme já apontado pela Folha, especialistas consideram este modelo de negócio de altíssimo risco, uma vez que não é possível prever os preços das passagens.

Em todo o mundo, as companhias aéreas só podem emitir bilhetes dentro de um prazo máximo de 320 dias, por considerarem que diferentes fatores são capazes de impactar o preço dos bilhetes: o câmbio, o preço dos combustíveis, os tributos, a situação macroeconômica local ou global.

Em meio à pandemia, empresas como Hurb, 123milhas e outras aproveitaram o desejo do consumidor de viajar e apostaram forte nos pacotes flexíveis.

Ofertas como voos de ida e volta para Lisboa para daqui um ou dois anos, com uma semana de estadia, a R$ 990, se tornaram reais. Não havia data definida, as pessoas compravam o direito às viagens ou pacotes.

A partir da retomada das atividades presenciais, o turismo voltou. Com uma diferença: os custos para as companhias aéreas aumentaram. A renegociação das dívidas acumuladas na pandemia aumentou o nível de endividamento das empresas, enquanto o preço do petróleo e do combustível para aviação disparou.

As plataformas já não conseguiam fechar passagens com descontos junto às aéreas. Ao mesmo tempo, o volume de milhas se mostrou insuficiente para a expansão dos negócios.

Em agosto do ano passado, a 123milhas foi alvo de uma enxurrada de reclamações de clientes, envolvendo cancelamentos de viagens, dificuldade no atendimento e falta de emissão das passagens aéreas, especialmente nos pacotes em promoção.

Em setembro, o jornal O Globo informou que a empresa estava em busca de um sócio-investidor, missão dada ao banco BTG Pactual —que, no entanto, não teve sucesso na empreitada, uma vez que as maiores interessadas, as empresas de turismo, ainda estão se recuperando do baque da pandemia.

A estimativa era que a 123milhas faturasse R$ 5 bilhões em 2022. A disposição dos irmãos Soares Madureira era vender 30% do negócio a US$ 100 milhões (R$ 490 milhões).

Hoje, além de Augusto e Ramiro, a Novum Investimentos Participações também é sócia da plataforma. A Novum é de propriedade de outra integrante da família, Cristiane Soares Madureira do Nascimento, e tem Ramiro e Augusto como sócios.

Em janeiro deste ano, os irmãos compraram a também mineira Maxmilhas, concorrente da Hotmilhas, e se tornaram soberanos na “bolsa” de milhagem.

Entre o fim do ano passado e o começo deste ano, Ramiro e Augusto abriram holdings de instituições não financeiras (que compram participação em outras empresas). Os Soares Madureira são ainda donos de joalheria e negócios imobiliários.

De acordo com a relação acima, existem três números de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) registrados para a 123milhas.

Segundo o advogado Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, essa prática é comum entre grandes empresas. “Às vezes por terem diversas filiais ou operações diferentes”, afirma Denki. “Mas também pode servir para dificultar o acesso às contas da empresa. Se a atividade da companhia está muito exposta ao risco, ela cria CNPJs distintos e contas bancárias vinculadas a cada um dos CNPJs.”

Quando isso ocorre e a empresa é alvo de uma ação judicial, por exemplo, diz o advogado, fica mais difícil encontrar recursos para indenização. “Também tem o aspecto tributário: a empresa vai pagar impostos de acordo com o seu faturamento”, diz.

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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