Barbosa pede licença a parlamentares para gastar ainda mais

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A visita do Ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, ao Senado no dia 29 de março tinha oficialmente o objetivo de discutir saídas para a crise econômica. Era o momento de explicar a piora da dívida pública — que disparou 16 pontos em dois anos, para 67,6% do produto interno bruto em fevereiro — e apresentar medidas de estabilização.

Pois bem: o encontro só serviu para Barbosa pedir licença aos parlamentares para gastar ainda mais. O ministro exibiu uma proposta de orçamento para 2016 com um déficit da União que pode beirar os 100 bilhões de reais.

Ainda encaminhou ao Congresso uma “reforma estrutural” das contas públicas que pode significar o abandono de vez das metas de resultado fiscal — um dos principais instrumentos para garantir a confiança na gestão pública. “A discussão está concentrada em medidas para aliviar as restrições de gastos”, diz Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper.

“Não vi nenhuma proposta para atacar de fato o problema da explosão da dívida.” Já era dado como certo que o ajuste fiscal ficaria pelo caminho desde dezembro, quando Joaquim Levy, um economista mais linha-dura com os gastos, saiu da Fazenda, dando lugar a Barbosa, um quadro da esquerda, transferido da pasta do Planejamento. Em pouco tempo, a nova diretriz ficou clara.

No primeiro bimestre, o governo federal elevou 6% as despesas, em relação ao mesmo período do ano passado, descontada a inflação. O esforço fiscal que Barbosa propõe neste ano, com contenção de gastos e elevação de receitas, é 7,5% menor do que o da gestão Levy. Analistas e investidores apostam que o próximo passo do governo será abrir os cofres.

Até mesmo o Banco Central (BC) compartilha a visão. “Tínhamos um cálculo em dezembro que apontava para a neutralidade da política fiscal. Caímos na faixa expansionista”, disse Altamir Lopes, diretor de política econômica do BC, em coletiva de imprensa no final de março. Em troca da permissão para gastar mais, o governo acena com o compromisso de estabilizar a dívida nos próximos anos.

Difícil é acreditar que o futuro será melhor. Dilma Rousseff e sua equipe adotaram práticas questionáveis na gestão fiscal nos últimos anos, como as chamadas “pedaladas”. Elas consistiram no atraso de repasses da União aos bancos públicos para arcar com programas sociais, somando 72 bilhões de reais em 2014 e 2015.

Como o governo pagava com atraso e com correção, o Tribunal de Contas da União (TCU) enquadrou os repasses como empréstimos, algo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal — eis uma das bases do atual pedido de impeachment da presidente que está em discussão na Câmara. Em defesa do governo, Barbosa disse no Congresso que o modelo de transferências foi abandonado assim que o TCU o condenou.

Desde 2014, o governo Dilma tem mudado com frequência as metas fiscais para acomodar os aumentos de gastos — em vez de cortar as despesas para caber na meta, como seria desejável. Uma das propostas apresentadas ao Congresso oficializa essa prática.

Ela permite que, se o PIB crescer menos de 1% ao ano, os governos (também os estaduais e os municipais), mesmo com queda da arrecadação, mantenham desembolsos para obras em fase final de conclusão e despesas consideradas essenciais, como contas de luz de escolas. Até aí, parece razoável. Mas não há nenhuma obrigação de que o gasto seja compensado em outras frentes.

Ou seja, o governo teria carta branca para descumprir a meta fiscal sem pedir aval ao Congresso, evitando o embate político que se tem hoje. “Estamos em meio a uma grande perda institucional, com falta de transparência nas contas públicas”, diz Lisboa.

Pedalada na dívida

Outra proposta cria uma conta remunerada para os bancos depositarem dinheiro no Banco Central, em substituição aos títulos públicos oferecidos às instituições. Mas os papéis estão contabilizados na dívida bruta; e as contas remuneradas, não. Portanto, se o total de 1 trilhão de reais em títulos for transformado em depósitos, a dívida bruta cai fortemente.

“Seria como esconder 17 pontos da dívida de uma só vez”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC. “Seria a maior das pedaladas.” Em resposta à crítica, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, disse que as contas remuneradas são apenas mais um instrumento de política monetária e não representam o abandono da oferta de títulos da dívida.

A licença para gastar mais também se estende aos estados. Os governadores criaram muitas despesas fixas nos últimos anos e o endividamento cresceu fortemente — hoje, a dívida dos estados soma 711 bilhões de reais, de acordo com a consultoria RC. Brasília propôs o alongamento dos débitos com a União em 20 anos, com desconto de 40% nas parcelas por 24 meses.

O custo para a União seria de 45 bilhões de reais. A contrapartida, de novo, seria um compromisso fiscal mais firme nos próximos anos. “É difícil alcançar essa disciplina porque não há instrumentos para mexer no quadro de pessoal, um dos principais problemas dos governos regionais”, diz Pedro Jucá, assessor econômico do Senado e especialista em finanças estaduais.

Cálculos feitos por Jucá mostram que a conta com servidores nos estados subiu de 6,1% para 6,7% do PIB de 2011 a 2014. Cada 1% de aumento nas despesas estaduais com pessoal equivale a 3,6 bilhões de reais por ano. São raros os casos de governos seguindo um bom caminho para enfrentar o aperto financeiro. O Espírito Santo é um deles.

Ao contrário do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, o Espírito Santo não inflou a conta de restos a pagar nem avançou em recursos de depósitos judiciais para fechar as contas durante a recente crise.

Os capixabas perderam 416 milhões de reais de receita com petróleo em 2015, mas conseguiram um superávit tomando medidas como a economia de 100 milhões de reais com o corte de 3 000 servidores comissionados e a poupança de 240 milhões com a revisão de contratos de serviços.

“Criamos um plano emergencial e um comitê com quatro secretarias para acompanhar a execução”, diz a secretária da Fazenda, Ana Paula Vescovi. O Espírito Santo não sabe se vai conseguir fechar com superávit em 2016, devido à recessão. Mas já tem um programa de parcerias público-privadas e de concessões de rodovias para elevar as receitas.

Muitos economistas não acreditam que o governo Dilma — caso tenha continuidade — voltará a obter superávit até 2018. Uma projeção da RC aponta déficits consecutivos enquanto a presidente estiver no cargo. Nesse caso, a dívida bruta do país alcançaria 87% em 2018. Os cofres públicos abertos significariam mais pressão inflacionária e não garantiriam a volta do crescimento.

“Com o déficit público atual, é improvável que novos gastos do governo animem os investidores e gerem crescimento”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria. “É preciso atacar a alta da dívida pública.” A licença para gastar mais pode ter efeito contrário ao que se propõe.

Fonte: EXAME

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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